Depois de deixar a rabeca de lado e abraçar a guitarra em seu disco recém-lançado, Siba fala da importância de não ficar preso em um só modelo:
Esse cabra é muito foda…
Alguém já ouviu esse disco novo de Otto?
A Banda Mais Bonita da Cidade e Belle & Sebastian, Y: The Last Man, Aldous Huxley, a Marcha da Maconha, bibliotecas e enciclopédias, Gaspard and Lisa, Anelis Assumpção, Paul Thomas Anderson e Darren Aronofsky, Gonçalves Dias, Bob Dylan, Belchior e Odair José, Senhor dos Anéis, Sylvia Plath para crianças, Cachalote, Robert Altman, psicodelia californiana e londrina, Fernando Catatau e o Pessoal do Ceará e até o Big Lebowski: tudo fica em segundo plano quando nós dois nos encontramos com a querida mãe dO Pintinho, Alexandra Moraes, que nos acompanha para um papo ao som do Wild Honey, dos Beach Boys, e do segundo disco do Baiano & Os Novos Caetanos, este escolhido por ela.
Ronaldo Evangelista & Alexandre Matias + Alexandra Moraes – “Vinteonze #0008“ (MP3)
Retomando aos poucos essa perdida.
Thurston Moore – “Benediction”
Bonifrate – “Antena a Mirar o Coração de Júpiter”
Michael Kiwanuka – “Tell Me a Tale”
Toro Y Moi – “You Hid”
Architecture in Helsinki – “That Beep”
Lindstrøm & Christabelle – “Lovesick”
Air – “La Femme D’Argent (Pyramid Remix)”
Nick & the Bad Seeds – “Bad Cover Version (Pub Rock Version)”
Rafael Castro e os Monumentais – “Ultrapassa, Pai!”
Battles + Matias Aguayo – “Ice Cream”
Yuksek – “On a Train”
Digitalism + Julian Casablancas – “Forrest Gump”
Memory Tapes – “Wait in the Dark”
Foster the People – “Color on the Walls (Don’t Stop)”
Danger Mouse + Danielle Luppi – “Morning Fog”
Fernando Catatau – “Charlando no Espaço”
E o ótimo Hominis Canidae descola um sagaz registro do bom e velho Cata em incursões instrumentais que remontam o início de sua banda, o Cidadão Instigado, nos tempos em que o rock progressivo e o jazz funk davam a tônica dos shows. Bem distante do brega cabeça de discos como o Método Túfo e Uhuuu, o show gravado no final do ano passado resgata a longa “Poera”, presente no primeiro CD-demo do grupo, de 1999. Dá para baixar o disco todo por aqui.
Fernando Catatau – “Poera“ (MP3)
No último Vida Fodona toquei a dobradinha Cidadão Instigado + Siba que inaugurou o videocast que a Colmeia tá fazendo com a Petrobrás, o Compacto. O programa tem dois broders na produção: o Artur Louback dirigindo e o compadre Ronaldo Evangelista como curador. A idéia é sempre reunir dois nomes de música brasileira para conversar e tocar junto e começou com o encontro do pernambucano Siba com o cearense Fernando Catatau, com o Cidadão Instigado (de Catatau) como banda de apoio. As duas músicas gravadas – “Alados” de Siba e “Deus é uma Viagem” do Cidadão – podem ser baixadas em MP3 nos links abaixo direto do site do programa e de uma vez só nesse link aqui.
Siba + Catatau – “Alados” (MP3)
Siba + Catatau – “Deus é uma viagem” (MP3)
Bem foda o primeiro show da série Toca Aí, que o Sesc está fazendo durante janeiro, que rolou ontem na choperia do Sesc Pompéia. Ganjaman, o maestro do Instituto e, para quem não sabe, completamente fissurado em Pink Floyd, rearrumou a banda para um show para iniciados na banda, e a formação, mais do que eficaz, era reverente: além de Ganja assumir vocais, teclados e piano de cauda, o Instituto Floyd ainda tinha Régis e Catatau do Cidadão Instigado nas guitarras, Marcos Gerez do Hurtmold no baixo e Samuel Fraga na bateria. Juntos, encarnaram o grupo inventado por Syd Barrett por pouco mais de meia hora num show inacreditável.
Em vez de “Time”, “Comfortably Numb” ou “Another Brick in the Wall”, fomos presenteados com versões fiéis para músicas pouco conhecidas para quem só conhece Pink Floyd de orelhada. É o território de discos como Atom Heart Mother e Meddle, de uma banda inglesa tentando levar a influência do blues para outras dimensões. Para se ter uma idéia do tipo de leitura feita, basta dizer que a banda se aventurou por “Echoes” e “Atom Heart Mother”, músicas que, nas versões originais, são épicos que ocupam um lado inteiro do disco em vinil.
No palco, os dois guitarristas do Cidadão Instigado pagavam tributo a um de seus principais ídolos, David Gilmour. Catatau, de timbre mais personalista, até arriscava o tipo de solo e timbres usados no Cidadão Instigado, enquanto Regis Damasceno se revelava discípulo e devoto de forma quase literal do velho guitarrista do Pink Floyd. Gerez também encarnava um bom Roger Waters – um baixista que, sem suíngue, descobriu um groove quadrado que tinha tanto a ver com a psicodelia inicial do grupo com o som cabeçudo que assumiram logo a seguir. E não duvide se Samuel Fraga tenha decidido virar baterista por influência de Nick Mason. Mas o principal nome da noite era Ganjaman, cada vez mais à vontade nos vocais, e debulhando solos em teclados elétricos ou no piano acústico. Regeu um grupo coeso e afiado, que parecia tocar aquelas músicas há alguns bons anos juntos, e ainda chamou um naipe de metais – com o trompetista Guizado entre os músicos – para duas faixas: “Atom Heart Mother” e uma versão emocionante de “Summer ’68”.
A política de não tocar hits do grupo foi vencida ao final, quando, após sair do palco, a banda foi obrigada a voltar ao palco – o show não durou mais do que uma hora. E entre repetir mais uma música e ceder aos hits, foram de “Wish You Were Here”, desta vez liderada por Régis. Repetiram mais uma vez “Have a Cigar” e encerraram um show que, de repente, acontece em outras oportunidades. Encontrei Ganja na saída e ele comentou justamente isso, que ao final do show, os músicos perguntavam-se quando era a próxima. Levando em conta que estamos em janeiro e a São Paulo sempre esvazia nesta época – e que o show de quinta estava lotado -, não é difícil pensar que, a banda repete o show. Tomara.
Minha querida Dani não pára e vem criando mais sessões para o Don’t Touch My Moleskine do que dá para acompanhar. Uma das mais legais é a recente Cafofo Sessions, que entrevistas bem à vontade que ela começou fazendo com a Lulina e continuou com o Catatau. Abaixo, as primeiras partes das respectivas sessions – mas depois você pode continuar vendo o Catas aqui e a Lulins aqui.
Boa idéia, essa da Trip. Em vez de repetir de novo a capa do Tropicália (talvez o maior clichê do jornalismo musical brasileiro), eles foram atrás de uma clássica capa de uma antiga Realidade com Milton Banana, Jairzão, Magro do MPB-4, Caetano, Nara, Paulinho da Viola, Toquinho, Chico Buarque e Gil…
…e a recriaram com Junio Barreto, Rômulo Fróes, Ganjaman, Tatá, Catatau, Hélio do Vanguart, Thalma, Kassin e Céu.
Mas em vez da matéria ser mais uma cantinela de viúva da MPB tentando enquadrar novos Caetanos ou as “novas divas” que alimentam cadernos de cultura pelos jornais do Brasil, o texto do Bressane concentra-se em um ponto específico desta geração anos 00 – o perfil colaboracionista, em que todo mundo já tocou com todo mundo. A pauta só peca por insistir nessas de MPB – o atual pop brasileiro (inclusive o que inclui os nove acima) vai muito além da canção e do violão, e inclui hip hop, indie rock, psicodelia, bocas desdentadas, groove latino, bateria eletrônica, guitarra elétrica e versos em inglês.
Mas eu sei como funcionam as revistas…
O Itaú Cultural fez um especial sobre a Jovem Guarda, com farto material multimídia e vários textos sobre o tema – vale a visita. E entre artigos assinados por bambas como o Fernando Rosa e o Ricardo Alexandre, me pediram para escrever uma matéria sobre a influência do movimento cultural no pop brasileiro do século 21. Olha o texto aê (para o ler o original, entre no site e clique na seção Textos).
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E que tudo mais vá pro inferno
Geração pop endossa a importância da jovem guarda para a história da música brasileira
Dá para imaginar o que seria da música brasileira se não houvesse a jovem guarda? Mesmo que não possa ser ouvido como um gênero específico – afinal, começou como a diluição do impacto mundial do rock por meio do senso estético e passional da América Latina –, o movimento talvez tenha sido o principal fenômeno musical do século passado no Brasil. Sua força vai além das canções e dos filmes de Roberto Carlos. Jovens, urbanos e elétricos, seus músicos conseguiram atingir o país com o mesmo impacto dos reis e das rainhas do rádio nas gerações anteriores e tiveram suas principais características absorvidas por quase todos os músicos, compositores e intérpretes que vieram em seguida. Do samba-rock ao tropicalismo, passando pela cena funk/soul dos anos 1970, pelos Mutantes e pela própria MPB, e indo até a música sertaneja e o rock dos anos 1980, todos reconhecem que a jovem guarda foi uma das manifestações populares mais autênticas da música brasileira, cuja repercussão ainda é sentida no país.
Por mais diverso e esquizofrênico que pareça ser o cenário pop atual, ele tem suas raízes inteiramente vinculadas ao movimento inaugurado pelo trio Roberto, Erasmo e Wanderléa. E da jovem guarda é possível colher frutos tão improváveis quanto a eletricidade dançante do trio Autoramas, as guitarras do La Pupuña, a autocrítica pop do Cabaret, o romantismo descarado do Cidadão Instigado, as melodias do Mombojó e o apelo direto de Lucas Santtana, além de toda a escola de rock gaúcho inaugurada pela Graforréia Xilarmônica, do carisma do pernambucano China e do tom confessional do Los Hermanos.
Um exemplo dessa influência direta está em Gabriel Thomaz, do Autoramas, que se reuniu com outros músicos de sua geração para, ao lado do tecladista Lafayette Coelho, reverenciar o período com a banda Lafayette e os Tremendões. Já China e alguns integrantes do Mombojó celebram a importância de Roberto Carlos com o grupo Del Rey. Trata-se de uma geração que cresceu ouvindo esse ritmo sem os preconceitos dos que, naquele período, o tachavam de música descartável ou rotulavam os músicos da jovem guarda de alienados políticos.
“Uma pitada sacana”
“Não sei se existe outro movimento nacional mais influente quando se fala em música popular. Todo mundo ouviu e tirou alguma coisa da jovem guarda, de Caetano Veloso ao brega paraense, de Amado Batista ao Autoramas”, explica Gabriel Thomaz. O gaúcho Frank Jorge, fundador da Graforréia Xilarmônica, concorda: “Foi ela quem trouxe o tipo de formação instrumental baixo, guitarra, bateria, voz e órgão, um novo enfoque para os arranjos”. O paulistano Curumin complementa: “Não consigo imaginar, por exemplo, o que teria acontecido com a tropicália, a psicodelia, o samba-rock e o rock dos anos 1980 caso a jovem guarda não tivesse acontecido”. Para Adriano Sousa, baterista da banda paraense La Pupuña, “o maior legado são as guitarras, os teclados do Lafayette e, claro, as letras, ingênuas mas com uma pitada sacana”.
Márvio dos Anjos, da banda Cabaret, teoriza: “Radicalizando, sem a jovem guarda o cenário pop do Brasil teria abraçado esse conceito babaca de linha evolutiva da MPB de raiz. Haveria rock, mas Cabeça Dinossauro [1986], dos Titãs, por exemplo, não seria precedido por canções deliciosas como Sonífera Ilha e Insensível. O Los Hermanos teria inaugurado a carreira com Bloco do Eu Sozinho [2001], e perderíamos Anna Júlia, que é a obra-prima deles. Sem falar o que devem a eles várias bandas do fim dos anos 1990, como Autoramas, e todo o rock gaúcho. Por outro lado, os caminhos de Rita Lee – com o Tutti-Frutti – e de Lulu Santos não teriam sido pavimentados por uma série de corinhos, e talvez eles fossem menos subestimados do que são por parte da geração atual. Enfim, o problema é que, com ou sem jovem guarda, o Brasil ainda é muito preconceituoso com a música adolescente. A galera quer ver maturidade em tudo e não repara que isso é coisa de velho”.
Já o compositor baiano Ronei Jorge pondera a extensão da influência da jovem guarda: “Não sei se dá para precisar o legado da jovem guarda na atual geração. Muitas coisas se passaram e se misturaram: tropicalismo, bossa nova, música cafona, mangue-beat etc.”. Kassin, que participa de projetos como o + 2 e o Artificial, além da banda Acabou la Tequila, pontua: “Acho que as gravações mudaram muito com a jovem guarda – a forma de orquestração, a introdução da guitarra. Isso abriu as portas para o que veio depois”. BC, guitarrista da banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju, complementa: “Houve um lado tecnológico, quando surgiram guitarras, baixos e amplificadores nacionais”.
Liberdades individuais
O fenômeno pop da jovem guarda deve-se em grande parte à expansão da cultura rock ’n’ roll pelo planeta, que estabeleceu um novo parâmetro para a música feita no Brasil. “A jovem guarda é a precursora do rock no país e tem um papel importantíssimo num conceito de rock sobre e para a diversão”, continua Márvio. “Hoje, o engajamento político está cada vez mais démodé, as democracias estão aí como queríamos, os movimentos sociais e as ONGs, mas o que a nossa geração quer mesmo são as liberdades individuais. A jovem guarda falava disso e virou referência, mesmo com uma rebeldia mais ingênua. ‘Manter a fama de mau’ para sair com mulheres, o sonho com o carro, a insatisfação com a ilegalidade dos prazeres ou com a rigidez da moral vigente”. Kassin emenda: “Para mim, aquelas músicas do Chico Buarque falando coisas pelas beiradas não faziam o menor sentido quando eu era adolescente. Minha reação era: ‘Por que ele não fala o que está pensando?’. Claro que hoje entendo melhor o período, mas a jovem guarda não precisava ser explicada”.
“Música emociona ou não emociona”, diz o cearense Fernando Catatau, guitarrista e líder do Cidadão Instigado. “As pessoas queriam ouvir canções politizadas no Brasil, então qualquer uma que não fosse assim parecia não ser legal. E na jovem guarda era tudo muito simples e puro”. Frank Jorge concorda: “Os tempos pediam posicionamentos. E eles diziam coisas que faziam sentido para eles e, é claro, para milhões de brasileiros. Podiam não ter uma postura política orgânica, engajada, mas a exerciam na prática”.
“Quase orixás”
Lucas Santtana cita uma música como exemplo da força do movimento: “Quero que Vá Tudo pro Inferno, de Roberto e Erasmo Carlos, já começa negando a tradição da canção popular brasileira ao indagar: ‘De que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar?’. Símbolos que sempre foram orgulho nacional são postos à prova para no refrão culminar no que Fausto Fawcett chamaria de ‘puro-desabafo-egotrip-adolescente’: ‘Só quero que você me aqueça nesse inverno/E que tudo mais vá pro inferno’”. Gabriel concorda: “A jovem guarda reside no trio Roberto, Erasmo e Lafayette, e Quero que Vá Tudo pro Inferno tem o dedo dos três. É o som característico da jovem guarda”. “É uma obra-prima”, afirma China. “Como um artista consegue fazer sucesso com uma música que manda tudo pro inferno? É meio surreal se levarmos em conta todo o momento político da época.”
A dupla Roberto e Erasmo tem papel crucial nessa história: “É clichê falar deles como Lennon/McCartney, Jagger/Richards, mas a alimentação entre os dois, a provocação, as piadas internas, a competição e a busca por aprofundamento de caminhos musicais sem sair do pop os tornam artistas muito mais interessantes. Como se não bastasse o repertório”, lembra Márvio.
Lucas Santtana pontua que “a canção popular brasileira foi geneticamente modificada pela dupla e sua herança é nítida até hoje quando ouvimos artistas atuais como China, Ronei Jorge, Catatau, Rubinho Jacobina e Flavio Basso”. “Os dois são quase orixás”, arremata Kassin.