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Um incômodo ataque massivo aos sentidos

O show do Massive Attack segue reverberando por aqui, mas levanto algumas questões que ficaram na minha cabeça desde o início da apresentação. Horace Andy, teorias da conspiração, Elizabeth Fraser, Deborah Miller, crise climática, This Mortal Coil, paranoia, Adam Curtis, dubzêra sinistra, Avicii, Ultravox, camadas de guitarra, Tim Buckley, os irmãos Cavalera tocando Chaos A.D., indígenas no palco, aquela bandeira do One Piece, o telão absurdo, o reconhecimento facial ativado na plateia, o som pesado, sutileza e intensidade na mesma medida… Tanta informação em tão pouco tempo, não tinha como não sair atordoado. Mas primeiro discorro sobre esse ataque aos sentidos que foi contrapor o show às imagens do documentarista Adam Curtis, um dos nomes mais importantes da cultura atualmente, que só por ter se associado ao grupo inglês vai felizmente ter um alcance ainda maior de sua obra (minhas dicas: The Century of the Self, All Watched Over by Machines of Loving Grace, HyperNormalisation e Can’t Get You Out of My Head). Sim, as questões levantadas durante o show são urgentes, mas me incomodava – e não sei se o intuito era esse – que o excesso de informações às vezes não conversava com as canções, fazendo parecer que estávamos assistindo a duas obras justapostas, não casadas (como quando Benjamin Netanyahu apareceu no telão quando Liz Fraser cantava, fazendo o público vaiar o telão num momento musical sublime). Mas quando o casamento acontecia era absurdo – e tivemos ótimos exemplos já no início do show, quando ligaram o reconhecimento facial fake sobre o público quando Horace Andy entrou, na dobradinha “Black Milk” e “Take it There”, na versão para a música do Ultravox e em “Song to the Siren”. O excesso de informação também foi o responsável por deixar todos extasiados ao final do show, estratégia conhecida no jornalismo sensacionalista e nas redes sociais, muito bem apropriada pelo grupo, mas por vezes parecia exagerada e excessiva. Felizmente desligaram a máquina de propaganda em momentos únicos, como quando Andy cantou “Angel”, Denise Miller assumiu os vocais de “Unfinished Sympathy” e Elizabeth Fraser encerrou o show com “Teardrop”. Também me incomodou a distância entre a abertura dos irmãos Cavalera e as mensagens das lideranças indígenas do resto da apresentação do grupo, que pareceram entrar apenas como referências, sem interferir no show principal. Entendo a dificuldade em manobrar um transatlântico desses, mas imagina se víssemos um ritual indígena no meio desse show? Ou se Iggor e Max pudessem entrar naquela intensidade sonora? Se saímos de lá achando esse show foda, imagina se ele pudesse ter esses elementos brasileiros no centro, não apenas nas bordas? Certamente repercutiria no mundo todo, não apenas no Brasil.

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O Chaos dos Cavalera

Muito bom reencontrar os irmãos Cavalera canalizando a energia que, triinta anos atrás, mudou a história da música pesada antes do show do Massive Attack na quinta passada. Muitos questionaram o fato do próprio grupo inglês ter escolhido Max e Iggor Cavalera para abrir sua única apresentação em São Paulo, mas como viu-se no show do Massive Attack logo em seguida, o impacto do volume alto – cossanguíneo do metal dos irmãos mineiros – foi uma das tônicas da noite. Acompanhados de Igor Amadeus (o filho de Max cujo batimento cardíaco ainda no útero abre o disco homenageado no show, o fundamental Chaos A.D., de 1993) no baixo e Travis Stone na guitarra solo, os Cavalera mostraram porque são uma instituição do metal mundial – e, como disse ao início, é bom revê-los juntos fazendo o que sabem melhor: Iggor descendo o braço metronomicamente como um dos maiores bateristas do gênero e Max transbordando carisma gritado, incendiando o público com um vocal absurdamente intacto, em seus clássicos “Refuse/Resist”, “Slave New World”, “Biotech is Godzilla”, “Propaganda”, “Territory” e “Manifest”. Infelizmente o show foi encurtado devido a um atraso da produção, o que nos privou de ouvir a versão do grupo pra “Sympton of the Universe” do Black Sabbath, que eles vêm tocando nesse show, mas ao menos pudemos ouvir “Roots Bloody Roots”, do disco seguinte do grupo, de 1996, pra fechar o repertório no talo.

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Todo o show: Cinco vezes Lô Borges (2017, 2019 e 2024)

Felizmente vi vários shows do Lô Borges nessa vida, além de poder entrevistá-lo e conversar com ele algumas vezes. Desses shows que vi, consegui filmar cinco deles, a maioria de quando ele pode mostrar seu primeiro disco solo – o disco do tênis – pela primeira vez ao vivo. Vi quatro shows dessa leva, dois em 2017 e dois em 2019, sendo que um deles pude assistir em Belo Horizonte. O último deles eu vi no ano passado, quando ele se reuniu a Beto Guedes e Flávio Venturini em um show triplo no Espaço Unimed – com cada um dos mineiros fazendo seu show solo de mais de uma hora e só se encontrando no final do show de Lô, para um único momento dos três no palco ao mesmo tempo. Em todos esses que vi, Lô estava feliz, lúcido, animado e jogando sempre para o público, satisfeito de poder fazer o que mais gostava e viver disso – música. Uma perda lastimável, ainda mais sabendo que ele estava longe de pensar em aposentadoria. Obrigado, Lô.

Assista aos shows abaixo:  

Morrissey no Brasil!

É mentira? Até agora não, pois o ex-vocalista dos Smiths acaba de anunciar mais uma tentativa de passar pela América Latina, desta vez perto do fim do ano, quando fará dois shows na México (na capital dia 31 de outubro e em Guadalajara dia 4 de novembro), na Argentina (em Buenos Aires dia 8 de novembro), no Brasil (apenas em São Paulo, dia 12 de novembro), no Chile (em Santiago, dia 16) e no Peru (em Lima, dia 20). O show em São Paulo acontecerá no Espaço Unimed e os ingressos começam a vender sexta-feira neste link. Mas toda prudência é necessária, uma vez que ele não vem ao Brasil há sete anos, depois de adiamentos e cancelamentos. Em 2023, ele desmarcou os shows que faria em São Paulo e Brasília após ser diagnosticado com dengue, adiando os shows para o ano seguinte, que foram cancelados um mês antes da vinda por exaustão física. Será que agora vai?

Herdeiros de um recorte do rock dos anos 80

Mais improvável que um show dos Simple Minds em São Paulo em 2025 – que, apesar de uma divulgação mínima, lotou o Espaço Unimed – foi ver que a banda escocesa ainda faz bonito nos palcos. E por mais que apenas dois de seus integrantes fazem parte da formação original (o vocalista Jim Kerr e o guitarrista Charlie Burchill), a banda, quase toda formada por pessoas que entraram em 2017 (à exceção do baixista Ged Grimes, no grupo há quinze anos), segura bonito e faz valer a apresentação. Mas é claro que isso diz muito respeito à presença de seus dois fundadores, que além de estarem em ótima forma, carregam a essência da banda e sua dinâmica é própria de outras bandas contemporâneas de sua geração no Reino Unido. O Simple Minds faz parte de uma geração de grupos formada a partir da implosão do pós-punk e que, depois de anos de experimentação, descobriu a simplicidade da melodia e o poder da comunicação em massa como formas de atingir um público muito maior do que seus conterrâneos. E por mais que o público presente em sua maioria reconhecesse apenas seus dois hits (a saber, “Don’t You (Forget About Me)” e “Alive and Kicking”), foi levado pelo entrosamento do grupo liderado por seus dois fundadores, cuja trajetória musical é semelhante à percorrida por artistas como U2, Echo & The Bunnymen, Lloyd Cole and the Commotions, Orange Juice, ABC, Tears for Fears, Human League e Level 42, que começaram a carreira tateando seu futuro em discos que expandiam os limites do rock e da canção para voltar ao formato com melodias mais simples e grudentas que tornaram-se hits pelo planeta nos anos 80. É um recorte específico do rock dos anos 80 que os Simple Minds respondem como herdeiros perfeitos. No repertório, o grupo ignorou seus discos mais experimentais da virada dos 70 para os 80 para ir direto à fase mais pop (dos discos New Gold Dream e Sparkle in the Rain) e ao seu disco mais bem sucedido, Once Upon a Time (de 1985), dando brechas para algumas músicas dos anos 90 e outras poucas deste século. E como a banda sabia que seus dois hits eram o momento de catarse, deixou cada um deles, em versões extendidas, sempre convidando o público para cantar suas melodias irresistíveis das respectivas segundas partes, para as partes finais de sua apresentação, “Don’t You” um pouco antes da banda deixar o palco e “Alive and Kicking” uma antes do show acabar, que só aconteceu depois que eles voltaram com “Sanctify Yourself” de seu disco clássico de 85. A voz intacta e a presença de palco de Jim, além dos solos cheios de efeitos de Burchill ajudaram a deixar o clima da noite na medida para um público saudosista, com mais de 50 anos de idade. Foi massa.

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Quando Billy Corgan está bem humorado…

A única expectativa que tinha pro show dos Smashing Pumpkins que aconteceu em São Paulo neste domingo no Espaço Unimed era que confirmasse a boa fase de seu líder Billy Corgan e que isso pudesse proporcionar um show em que as canções clássicas do grupo não se misturassem à cacofonia metal industrial que tomou conta de seu imaginário musical desde o início do século. O disco lançado este ano, Aghori Mhori Mei, já dava uma boa pista que Billy conseguira exorcizar a paranoia que tinha que sua banda soasse nostálgica e abraçou a psicodelia noise que forjou no início dos anos 90, trazendo inclusive de volta para o grupo dois integrantes fundadores, James Iha e Jimmy Chamberlin. O começo do show não ajudou nessa impressão, com uma introdução brega, músicas menores e o som embolado característico daquela casa de shows, que praticamente descaracterizou o que poderia ter sido uma ótima versão para “Zoo Station” dO clássico eletrônico do U2 Achtung Baby. Mas à medida em que o show foi passando, o som foi se acertando e estava nítido o bom humor de Billy Corgan, que inclusive improvisou e saiu do script, ao incluir duas versões acústicas que tocou sozinho no violão: “Landslide”, do grupo Fleetwood Mac e “Shine On, Harvest Moon” da esquecida cantora Ruth Etting, que já foi um dos grandes nomes do showbusiness dos Estados Unidos. O clima ia melhorando à medida em que o show passava e, salvo alguns porcos momentos em que a banda parecia um subgrupo de new metal ou uma paródia da pior fase do Iron Maiden, a precisão aparentemente solta dos hits dos clássicos Gish e Siamese Dream e a grandiosidade opulenta das canções de Mellon Collie & The Infinite Sadness vieram com força e gosto, para deleite dos fãs, em sua maioria contemporâneos da banda. E entre “Today”, “Tonight, Tonight”, “Mayonaise”, “Bullet with Butterfly Wings” e “1979”, encerraram o show com chave de ouro e astral tão alto (nunca vi Corgan sorrir tanto!) que às vezes parecia contradizer a melancolia das canções originais, o grupo terminou a noite celebrando clássicos do rock, ´primeiro citando Black Sabbath, AC/DC e Led Zeppelin na hora que a banda foi apresentada, depois misturando o riff de “Are You Gonna Go My Way” do Lenny Kravitz com o de “Zero”, logo depois de uma versão excelente de “Cherub Rock”. A banda ainda pegou todo mundo de surpresa ao voltar com um inesperado bis, em que tocaram nada menos que “Ziggy Stardust” de David Bowie, com Iha nos vocais. Um final épico para um show que, apesar de começar mal, acertou exatamente na expectativa que tinha.

Assista aqui:  

Caetano Veloso tocando o Transa ao vivo com o Jards Macalé em São Paulo

Era inevitável e os ingressos estão quase no fim: depois da comoção (pro bem e pro mal) da apresentação em que Caetano Veloso tocou seu clássico disco de 1972, Transa, ao vivo, no Rio de Janeiro – acompanhado de ninguém menos que Jards Macalé, Tutty Moreno e Áureo de Souza -, o show inevitavelmente ressurgiria em São Paulo. E não é dentro de festival nem nada: o espetáculo acontece no dia 25 de novembro no antigo Espaço das Américas (agora Espaço Unimed) e a versão paulistana ainda conta com a presença de Angela Rô Rô, que também tocou no mitológico álbum gravado em Londres. Os ingressos estão acabando (garanta logo o seu neste link), mas algo me diz que vai ter uma nova data (e se tiver no domingo talvez eu consiga assistir). Fora que isso é show pro Caetano rodar o Brasil todo, com público sentado, em teatros, como deve ser.

O próximo passo de Tim Bernardes

Mais um passo importante dado por Tim Bernardes nesta escalada que é sua carreira solo ao lotar o Espaço Unimed – o antigo Espaço das Américas – e domar o público tão grande com uma destreza que poucos artistas conseguem atualmente, especificamente puxando para o silêncio, o ponto oposto mais extremo da regra do mercado de música contemporâneo. Conduzindo a apresentação com a mesma delicadeza – e virulência – que toca seus instrumentos (seja a guitarra, o violão ou o piano), Tim regeu as expectativas da plateia como um diretor de cinema, transformando tensão e expectativa em sentimento por quase duas horas de apresentação, que seguiu o padrão de seus shows recentes, à exceção de uma leve mudança na paleta de cores graças a um telão de led (além do verde temático, houve mais branco, azul e até um bem-vindo laranja). Tenho cá minhas reservas por ele ter mantido o mesmo padrão de disco e show entre sua excelente estreia Recomeçar e o Mil Coisas Invisíveis do ano passado, mas justapostos no show deste último, os dois álbuns transformam o show numa longa sessão de terapia em conjunto com o público e foi bonito ver o compositor segurar sussurros e suspiros (sem contar o serviço de bar, suspenso durante o show, só isso já valeu metade da noite) de um público completamente entregue. Ao atingir esse novo patamar mantendo essa formação única, sozinho no palco, resta saber quais os próximos passos que Tim irá dar – mas ele mesmo deu a dica durante este show: trabalhar com mais músicos no palco e voltar a tocar rock com O Terno. A dúvida é saber em qual escala ele irá operar. Até aqui, tudo ótimo.

Assista aqui.