Emicida pegou o microfone sozinho na quarta passada no palco do Circo Voador no Rio e mandou essa com dedo em riste:
Vai vendo…
Japan Pop Show, o ótimo disco de 2008 do jovem mestre Curumin é o novo lançamento do clube do vinil da revista gaúcha Noize, Noize Record Club. O disco conta com participações de nomes como BNegão, Tommy Guerrero, Lucas Santtana, Marku Ribas, Fernando Catatau e os rappers Lateef e Gift Of Gab (do Blackaalicious) e a Noize me chamou pra falar um pouco sobre o disco na apresentação em vídeo abaixo, que ainda conta com depoimentos do Emicida, Arnaldo Antunes e Tommy Guerrero.
Aos poucos Emicida vai soltando os vídeos que fez durante sua passagem pela Europa, naquela primavera do hemisfério norte:
Vai fundo, Leandro!
Falei do projeto do site Radiola Urbana de recriar ao vivo discos clássicos com bandas novas – que ano passado rendeu noites incríveis como o Emicida celebrando Cartola e O Terno reverenciando Arnaldo Baptista – na minha coluna Tudo Tanto na revista Caros Amigos do mês passado.
Clássicos revisitados
A iniciativa do site Radiola Urbana de reunir novos artistas para tocar discos históricos chega ao terceiro ano rendendo ótimos frutos
Há três anos um site paulistano vem desenhando um panorama de discos clássicos reinterpretados por nomes da nova música brasileira que já pode ser considerado histórico. Um programa sem nome definido, pois o mesmo vai mudando de acordo com o ano celebrado. Desde 2012 o site Radiola Urbana, tocado pelos amigos Ramiro Zwetsch e Filipe Luna, volta 40 anos no tempo para homenagear álbuns históricos de artistas célebres, negociando repertório e arranjos com alguns dos maiores nomes da música brasileira deste século.
A ideia do Radiola Urbana começou em 2012 como uma consagração de uma tendência recente que vinha valorizando o ano de 1972 como um dos grandes anos da história do disco, pareando com outros anos clássicos como 1967, 1969, 1977 e 1991. Assim, o site propôs celebrar discos daquele ano no projeto 72 Rotações, que aconteceu no segundo semestre daquele ano, em shows gratuitos no no Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoerinha. Entre os primeiros artistas estavam Bruno Morais (para cantar o mágico Sonhos e Memórias, do Erasmo Carlos), Romulo Fróes (que revisitou Transa de Caetano Veloso), Rodrigo Campos (que se arriscou no clássico funk Superfly, de Curtis Mayfield) e Curumin ao lado da banda Rockers Control (para recriar a trilha sonora de The Harder They Come, de Jimmy Cliff).
No ano seguinte o show foi transposto para o Sesc Santana e subiu um degrau no escalão dos artistas. Era a vez de Karina Buhr, Céu, Cidadão Instigado e Fred Zeroquatro (vocalista do grupo Mundo Livre S/A) homenagearem discos de 1973. Karina aventurou-se pelo primeiro disco do Secos & Molhados, o Cidadão Instigado se desafiou a tocar o Dark Side of the Moon do Pink Floyd, Céu foi convocada para homenagear o primeiro disco de sucesso de Bob Marley, Catch a Fire, e Fred celebrou o homônimo disco de estreia de Nelson Cavaquinho. A edição de 2013 teve um efeito colateral interessante na carreira de três dos artistas escolhidos: tanto Céu, quanto Cidadão Instigado e Karina Buhr passaram a oferecer os shows do evento como alternativa para tocar em lugares que nunca haviam tocado. Ao sair de uma semana na zona norte de São Paulo para várias apresentações espalhadas pelo Brasil, o projeto garantia seu principal intuito: fazer que o público dos novos artistas conhecessem os discos clássicos e os fãs dos álbuns homenageados descobrisse os novos nomes da cena brasileira deste século.
A edição do ano passado aconteceu no calar de dezembro, novamente no Sesc Santana, e mais uma vez surpreendeu. Os homenageados desta vez eram apenas discos brasileiros, todos clássicos absolutos de 1974: o primeiro disco solo do mutante Arnaldo Baptista (Lóki?), a estreia em disco de Cartola, o encontro de Elis Regina com Tom Jobim e o disco psicodélico de Jorge Ben, Tábua de Esmeralda. Para tomar conta de cada um desses discos, artistas de diferentes abordagens. Elis & Tom ficou a cargo do Marco Pereira Trio – um dos grandes conjuntos da nova cena de jazz de São Paulo – ao lado da cantora Luciana Alves e a Tábua de Jorge Ben ficou com o projeto paralelo da Nação Zumbi chamado Sebosos Postizos, que já há anos revisita diferentes músicas do repertório de Babulina nos anos 70.
Os dois shows que vi – dos melhores shows de 2014 – celebravam Cartola e Arnaldo Baptista. Foram shows que intimidaram seus intérpretes. O trio O Terno, liderado pelo filho de Maurício Pereira, Tim Bernardes, ficou responsável pelo mergulho emotivo na obra confessional do ex-Mutante e o rapper Emicida deixou de rimar pela primeira vez para cantar os versos imortais do sambista parnasiano.
O show de Emicida foi um atordoo. Não apenas por colocar o rapper num universo familiar ao seu (o samba) desafiando-o a cantar músicas que fazem parte do DNA do samba. Mas também pelo grupo musical que havia reunido. O desafio, na verdade, foi proposto pelo saxofonista Thiago França, uma das forças da natureza da nova cena musical paulistana. Ele tocou com Criolo e é um terço do Metá Metá, a melhor banda de São Paulo atualmente, além de ter inúmeros projetos paralelos, muitos deles com o compadre Kiko Dinucci, outra usina musical da nova São Paulo. França convocou pesos pesados pra compor o time: da banda de Emicida surrupiou o percussionista Carlos Café, o violonista Doni Jr. e o DJ Nyack. Depois convocou o ás baixista Fábio Sá, o grande Rodrigo Campos para o cavaquinho e guitarra e o próprio Thiago entre o sax, a flauta transversal e outras engenhocas e pedais de efeito.
O resultado foi um show que por vezes soava reverente, mas na maior parte do tempo era abertamente desafiador, levando a obra de Cartola para territórios completamente diferentes – o free jazz, o hip hop mais pesado, a gafieira, um samba mais quadrado e até para releitura quase literais. A curta duração do disco homenageado (pouco mais de meia hora) fez o conjunto estender a homenagem para Adoniran Barbosa (contrapondo “Saudosa Maloca” e “Despejo na Favela” com as desocupações feitas recentemente em São Paulo) e para Candeia (numa versão brutal para “Preciso Me Encontrar”), além do delicioso sambão “Hino Vira Lata”, do próprio Emicida. Um show daqueles de tirar o fôlego.
Dois dias depois era a vez do Terno, no mesmo palco do Sesc Santana, defender sua homenagem ao disco Lóki?, o tocante espasmo emocional traduzido através do piano rock de Arnaldo Baptista, logo que ele saiu dos Mutantes. Um disco de fossa devido ao fim de relacionamento com Rita Lee, mas também um disco de uma psicodelia introvertida, que às vezes sonha alto ou cogita possibilidades impensadas no meio de canções que cortam o coração ao mesmo tempo que provocam sorrisos.
A responsabilidade do Terno não era apenas etária – o guitarrista e vocalista Tim Bernardes deixou seu instrumento em segundo plano para assumir o teclado, mas manteve-se preciso e sem firulas, no mesmo nível de emoção que percorre pelos sulcos do vinil original. O desafio duplo foi vencido com alguma facilidade – mesmo nas músicas tocadas com guitarra, canções feitas originalmente para o piano ganhavam uma desenvoltura de parentesco psicodélico.
Agora é esperar 2015 para ver se (e quais) os artistas do ano passado levarão os shows de 2014 para novos palcos e o que o Radiola Urbana armará para a versão deste ano. “Pensamos em Fruto Proibido (Rita Lee & Tutti Frutti), Horses (Patti Smith), Expensive Shit (Fela Kuti & Afrika 70), Estudando o Samba (Tom Zé)…”, me disse Ramiro, que planeja uma novidade para este ano – voltar 50 anos no tempo em vez de 40. “Aí se virar 65, temos planos malignos e infalíveis para A Love Supreme (John Coltrane), Coisas (Moacir Santos), Highway 61 Revisted (Bob Dylan)…”. De qualquer forma, não tem erro.
Abram alas para o mestre DJ KL Jay exibir suas habilidades na versão brasileira do Boiler Room. Porque ele não é “apenas” o braço musical dos Racionais MCs – é um dos maiores produtores de música do Brasil.
Queria esse set em áudio pra escutar sem precisar de internet. Saca só o tracklist (e tem várias no meio que ele nem listou):
Karol Conka – “Minha Lei”
Sango – “Baile Somebody”
Sophie – “Lemonade (Marginal Men Baile Mix)”
Mv Bill – “Monstrão (SSP Remix)”
Karol Conka part. Tuty – “Olhe-Se”
Rzo – “Voce Ja Sabe”
Chris Brown – “Look At Me Now (Tone Play to Pulse 011)”
Pulse 011 – “Menino Bom”
Sants – “Pilaco Chavoso”
Flora Mattos – “Pretin”
Sango – “Pra Você”
Bro Safari & UFO! – “Drama”
Racionais MC’s – “Da Ponte pra cÁ”
Criolo – “Grajauex”
Trilha Sonora do Gueto – “Um Pião de Vida Loka”
Flora Mattos – “Papo reto”
Pentágono – “Moio”
Marcelo D2 – “Desabafo”
Tropkillaz – “Deixa eu Dizer (Desabafo)”
Koreless – “MTI (TWRK Remix)”
Bro Safari – “The Drop (Cory Enemy Remix)”
SSP – “Fazendo Efeito”
Tropkillaz – “Baby Baby”
Negra Li e Helião – “Exército do Rap”
Pentágono ft Emicida, Max B.O. e Marechal – “Swing”
Luniz – “I Got 5 On It (Whiite x ETC!ETC! Remix)”
Viní – “Bandida”
Negra Li – “Voce Vai Estar Na Minha (Acapella)”
Tropkillaz – “Ice Cream”
Nu World Hustle – “Fresh”
Bubba Sparxx – “Miss New Booty (Instrumental)”
Viní – “Vai (Twerk Remix)”
Kanye West – “Flashing Lights (TWRK Remix)”
Lexxmatiq x Beau di Angelo ft RIghteous – “Squat”
Ciara – “Goodies (DUME Remix)”
Busta Rhymes – “Touch It (MERCY Remix)”
Sage The Gemini – “Gas Pedal (Tropkillaz Remix)”
Pulse 011 – “Me Engana”
Emicida estava tão tenso que mal conseguiu conversar com o público no início. Justo ele, um MC tão afeito ao diálogo – nem a presença de seu fiel escudeiro (e escada para conversas impagáveis) DJ Nyack nas picapes o deixou à vontade. Afinal, não era pouca coisa: era a primeira noite do 74 Rotações, o projeto do Radiola Urbana que celebra discos clássicos de quarenta anos atrás, e Emicida havia sido provocado por Thiago França, à sua direita no palco, revezando-se entre a flauta, o sax, percussão e geringonças elétricas, para recriar ao vivo o primeiro disco de Cartola. Ao seu redor, uma banda de peso: Rodrigo Campos no violão e cavaquinho, Doni, da banda de Emicida, no violão de sete cordas, o endiabrado Fábio Sá entre os contrabaixos acústicos e elétrico, Nyack entre as picapes e a percussão, esta toda a cargo de Carlos Café, também da banda de Emicida.
O principal desafio era do rapper – afinal não sabíamos se ele iria rimar ou cantar as músicas do mestre carioca. E a introdução deixou bem claro que seguiria os dois rumos – começou rimando a letra de “Alvorada” sobre uma base reta que se equilibrava entre um funk tenso e um samba mecânico, mas ao chegar no refrão, revelou-se cantor e entoou a primeira das melodias de Cartola. Na segunda parte pôs-se a improvisar como sabe e, pouco a pouco, o misto de responsa e importância foi se dissipando e a noite foi ficando mais à vontade.
O clima de homenagem também era o de desconstrução, proposta principalmente a partir da batuta de Thiago, que por mais que fosse o principal maestro da noite, preferiu dar autoria conjunta a arranjos que entortavam completamente os originais (uma suave e noturna “Disfarça e Chora”, uma robótica e poética “Acontece”, o ad lib de “Tive Sim”, uma delicada “Corra e Olhe o Céu”) ou os celebravam ipsis-literis (como “Alegria” emendada com “A Sorrir”, “Quem Me Vê Sorrindo”, “Sim”, “Amor Proibido” e uma fantástica “Ordenes e Farei” vertida em dança latina de salão). O disco de 74 era sampleado e invertido, citado e virado do avesso, reverenciado e relido com ouvidos de fã e instrumentos de cientista, daqueles apaixonados pela intensidade daquele laboratório vivo. O show terminou com dois salves a Adoniran Barbosa (“Saudosa Maloca” e “Despejo na Favela” cujo tema original foi ressuscitado sem o glamour da nostalgia – são duas músicas que falam sobre ocupação e os sem teto), um samba original do próprio Emicida (a irresistível “Hino Vira Lata”) e a completa entrega a “Preciso Me Encontrar”, de Candeia, vertida em uma jam session de tirar o fôlego.
Um show histórico, quem viu sabe. Que é mais um passo na evolução de Emicida – pois ele mostrou que sabe cantar… Dá pra melhorar? Sempre, mas só o fato de não fazer feio (salvo alguns deslizes no início do show) já mostra que esse menino vai longe…
Filmei o show quase todo, inclusive as piadas e os causos que Emicida talvez preferisse que ninguém filmasse. Mas, tudo bem, é do jogo 😉
Na minha quarta coluna na revista Caros Amigos falei sobre o show que Emicida fez há dois meses para lançar a edição em vinil de seu disco mais recente – e como ele está lentamente trilhando seu caminho rumo ao topo. No final ainda reuni uma playlist com os vídeos que fiz no mesmo show:
Emicida em seu lugar
Mais um degrau na escalada do rapper rumo ao topo do pop brasileiro
É nítida a evolução de Emicida como um dos principais nomes da música brasileira hoje. A cada novo passo, Leandro Roque de Oliveira expande seus horizontes e contempla como panorama toda a história cultural brasileira da perspectiva do hip hop paulistano. Já ultrapassou fronteiras municipais e internacionais usando a combinação entre internet, onipresença e disposição para trabalhar, sempre mostrando que pode ir além.
Mais um degrau foi superado no lançamento da versão em vinil de seu primeiro álbum propriamente dito, O Glorioso Retorno De Quem Nunca Esteve Aqui. Mais uma vez o disco seria apresentado a seu séquito fiel no Sesc Pinheiros, em São Paulo, onde foi lançado um ano antes, em setembro de 2013. Naqueles shows era uma ocasião de festa, o disco coroava uma carreira iniciada nas rinhas de improviso de rimas que cresceu distribuindo MP3 gratuitamente e vendendo CDs e mixtapes a cinco reais no metrô, de mão em mão.
O show de lançamento d’O Glorioso Retorno tinha o adjetivo do título do disco espalhado pelo palco e contou com participações ao vivo de quase todos os nomes que apareceram no álbum. Só esse elenco já dava uma idéia da amplitude do futuro do rapper: Pitty vinha do rock, Juçara Marçal representava a música africana, Tulipa Ruiz representava a nova MPB e o Quinteto em Branco e Preto vinha celebrar o samba, além da própria mãe de Emicida, dona Jacira, que cantou o triste documentário ao final de “Crisântemo”.
Um ano e um mês depois, no mesmo Teatro Paulo Autran da mesma unidade do Sesc, Emicida volta para visitar o novo disco, mas não é o mesmo show. Ao contrário da apresentação de lançamento quase não há participações especiais (limitadas à presença do velho sidekick Rael da Rima, agora em carreira solo, e do rapper Lakers, do grupo Código Fatal). O show dessa vez não apenas gira em torno da banda de Emicida como ele a coloca como protagonista da noite. Assim, o rapper assume ser alvo das brincadeiras do percussionista Carlos Café em “Zoião”, tira onda com o violonista e guitarrista Doni Jr., defende a guitarrista Anna Tréa quando ouve um “fiu fiu” vindo do público e sempre mantém a mesma rotina de arengas com seu velho compadre DJ Nyack.
As músicas do disco do ano passado receberam nova roupagem e a ausência das participações especiais não tiraram sua força: Anna Tréa representa o papel de Pitty na pesada “Hoje Cedo”, solando como uma guitarrista de Prince; Doni Jr. faz as vezes do Quinteto em Branco e Preto temperando algumas músicas com cavaquinho ou violão acústico. Todos têm presença de palco o suficiente para não serem apenas coadjuvantes sonoros do rapper, fazendo coreografias, trocando de instrumentos, segurando vocais de apoio, sempre deixando Emicida bem no holofote. “Eu tô igual o Michael Jackson”, disse ao ver sua própria sombra projetada no palco por um facho de luz, antes de improvisar um moonwalk fuleiro, tentando deslizar para trás como o Rei do Pop.
O próprio Emicida não ficou apenas no vocal. Por vezes trocou de instrumento de apoio. Começou o show puxando um improviso tocando apenas um agogô enquanto rimava. Saiu de trás do público, vindo da platéia, em direção ao palco. Depois trocou de instrumento de percussão: por vezes puxava uma caixinha de fósforo, já íntimo o suficiente para chamar atenção do público para um “solo” no pequeno instrumento, por outras pilotou pela primeira vez no palco uma MPC, a bateria eletrônica típica da música deste século. Seja no agogô, na caixinha de fósforo ou na MPC havia uma mensagem cifrada nesta troca de instrumentos: Emicida está aos poucos deixando de ser só um rapper. Não duvide se num próximo show ele possa puxar um cavaquinho, ir para o contrabaixo acústico ou para a bateria. Ele ainda está ensaiando seus primeiros passos como músico – ao vivo, na frente do público.
Uma outra parte do show foi dedicada aos primeiros sucessos de Emicida, muitos que não eram tocados ao vivo há anos, como “E.M.I.C.I.D.A.”, “Rinha” e “Cacariacô”, além da primeira vez que “Papel, Caneta e Coração” foi apresentada em um palco. E não importavam se eram as novas ou as velhas, os quase mil espectadores no teatro sabiam cantar todas as letras de Leandro – por mais extensas e cheias de referências e metáforas que fossem.
Mas além de falar de seu presente e passado, Emicida olhou para os lados ciente de que seu papel depende do contexto – e não apenas de si mesmo. Além de cantar a música que dividiu com o funkeiro paulista MC Guimê em seu último disco (“País do Futebol”), Emicida ainda saudou os papas do R&B paulistano (Sampa Crew, com “Eterno Amor”), a dupla mais conhecida do funk carioca (Claudinho e Buchecha, com o clássico “Nosso Sonho”), seus ancestrais no hip hop brasileiro (no já tradicional medley com músicas de Xis, De Menos Crime, Doctor MC’s, Sabotage e Racionais MCs) e os contemporâneos do Código Fatal (com “Minha Vida”). Mais do que isso, reverenciou o passado da música brasileira cantando “Marinheiro Só”, “Trem das Onze”, imitando Roberto Carlos em uma canção romântica e celebrando Jair Rodrigues em outra. Ele não separa música pop de música popular, não há diferença entre o toca no rádio, o que vem da TV, o que se vende em lojas de discos ou o que chega pela internet. Música brasileira é uma coisa só – e Emicida parece saber.
Ao final da noite, logo que as luzes se acenderam, João Donato numa gravação de 1975 cantava “Emoriô”.
Emicida tocando o primeiro disco do Cartola, O Terno tocando o Lóki? de Arnaldo Baptista na íntegra, os Sebosos Postizos mandando ver todo o Tábua de Esmeralda do Jorge Ben e Luciana Alves e o Marco Pereira Trio visitando todo o Elis & Tom. Eis o cardápio do programa 74 Rotações, terceira edição do projeto do site Radiola Urbana que começou homenageando 1972 em 2012 (com Romulo Fróes fazendo o Transa de Caetano Veloso, Felipe Cordeiro tocando o Expresso 2222 do Gil, entre outros) e no ano passado deu origem a shows que percorreram o país como Karina Buhr tocando o primeiro dos Secos & Molhados, o Cidadão Instigado tocando o Dark Side of the Moon do Pink Floyd e a Céu interpretando o Catch a Fire do Bob Marley. A terceira edição acontece entre os dias 18 e 21 de dezembro no Sesc Santana e os ingressos custam R$ 40 (inteira), R$ 20 (meia) e R$ 8 (comerciário). Bati um papo com o bróder Ramiro Zweitsch, do Radiola, sobre a edição 2014 do festejado projeto.
Como foi que vocês começaram a fazer os projetos para 1974?
Bom, começamos pensando nos discos e percebemos logo que era um ano muito forte de música brasileira: Elis & Tom, Tábua de Esmeralda, Cantar, o primeirão do Cartola, Canta, Canta Minha Gente, Gitã, Lóki? etc. Pensamos em alguns gringos, tipo Authoban e Diamond Dogs mas acabamos decidindo por focar nos brasileiros já que o projeto vem se transformando de um ano para o outro: em 2012 eram 8; em 2013 reduzimos para 4, entre gringos e brasucas; neste ano, 100% Brasil; e no ano que vem queremos muito fazer 65 e 75, vontade essa que a gente já tinha de ter aplicado em 2014 – com shows de discos de 64 -, mas simplesmente não rolou. Tivemos de descartar o Martinho da Vila por conta do show que o Otto vem fazendo desde janeiro e o do Raul Seixas também acabou gerando um outro projeto recentemente. O Cantar a gente queria fazer com a Tulipa, mas ela sabiamente declinou do convite por achar que é o tipo de show que a própria Gal poderia e pode vir a fazer. Fechamos nestes 4 que desenham um panorama interessante da diversidade da música brasileira de 40 anos atrás: a estreia fonográfica de um dos nossos maiores sambistas, o encontro entre aqueles que podem ser considerados nossa maior cantora e nosso maior compositor, um inspiradíssimo disco de rock pós-tropicália e o auge criativo de Jorge Ben — talvez o artista mais cultuado pelas últimas gerações da nossa música (90’s, 00’s, 10’s).
Como foram os convites? Alguém já tinha procurado vocês ou foram vocês que convocaram os músicos?
Fomos procurados por alguns artistas a fim de participar do projeto, mas nenhum deles propôs um disco. Eles escreviam pra gente com mensagens tipo: “pô, o projeto é demais, me convida”. São duas cartas que estão na manga para os próximos anos. Esses nomes que fechamos para 2014 foram todos convidados por nós e aceitação foi imediata da parte deles. O Emicida é um cara que a gente admira muito, que já vem experimentando uns formatos diferentes de apresentação e apostamos que ele vai arrebentar nesse esquema de cantar as melodias lindas do Cartola. A Luciana é uma cantora muito talentosa, que circula mais pelo universo da MPB e não tem nada de pop. Ela vai fazer o show com o Marco Pereira Trio, formado por grandes músicos. O Terno a gente já queria ter envolvido no ano passado, mas eles recusaram nosso convite em fazer Eu Quero Botar o Meu Bloco na Rua, do Sérgio Sampaio, por conta do foco deles em trabalhar nas próprias músicas naquele momento. Os Sebosos já fazem boa parte do repertório de A Tábua de Esmeralda e a escolha era até meio previsível. Vai ser massa porque é um disco amado por todos e foi, inclusive, eleito o melhor de todos os tempos em uma “eleição” que fizemos em 2008 na Radiola. Fora que o próprio Jorge Ben chegou a dar sinais de que poderia fazer esse show e por enquanto necas.
Como vocês se veêm como responsáveis por inspirar projetos paralelos de artistas que admiram, como a Céu, a Karina e o Cidadão – todos incorporando os shows do projeto em turnês específicas?
Ah, sentimos muito orgulho, né? É uma sensação boa de que fizemos as escolhas certas. No caso do Cidadão, a experiência foi quase transcendental, reacendeu meu amor pelo Pink Floyd inclusive. O show da Céu rendeu pacas e ficou também muito clara a afinidade dela com aquele repertório. Os shows da Karina e do Fred 04 também tiveram seus desdobramentos e a gente nunca poderia imaginar que interferiria de alguma forma nas carreiras desses dois artistas que a gente admira desde os primeiros suspiros do mangue beat.
E pra 1975, quais são os grandes discos na mira?
E aí, sugere algum pra gente? Pensamos em Fruto Proibido, Horses, Expensive Shit, Estudando o Samba… Se virar 65, temos planos malignos e infalíveis para A Love Supreme, Coisas, Highway 61 Revisted…
Foram vários os pontos altos do show que Emicida apresentou na semana passada no Sesc Pinheiros: além de repaginar seu último disco e alternar entre o agogô, a caixinha de fósforo e a MPB, Leandro cantou Adoniran Barbosa, Sampa Crew, Código Fatal, resgatou várias antigas que não tocava há eras e puxou para o palco, pela primeira vez, “Papel Rima e Coração“. Mas ninguém acreditou quando ele começou a puxar “Nosso Sonho”, do Claudinho e Buchecha, e todo mundo cantou junto. Foi demais:
Eis os vídeos que fiz do show da quinta-feira.
Voltando à programação normal…
Celia – “Vida de Artista”
Beatles – “Come Together (Rhythm Scholar Remix)”
Roxy Music – “Avalon (Lindstrøm + Prins Thomas Version)”
Todd Terje – “Inspector Norse”
Nicolas Jaar – “Keep Me There”
André Paste + Fepaschoal – “A Calma”
Emicida + MC Guime – “Gueto”
Flying Lotus + Kendrick Lamar – “Never Catch Me”
Mr. Twin Sister – “In the House of Yes”
AlunaGeorge – “Supernatural”
Caribou – “Can’t Do Without You”
Taylor Swift – “Out Of The Woods”
Tennis – “I’m Callin'”
Erlend Øye – “Whistler”
Amadou + Mariam – “Ce N’est Pas Bon (A JD Twitch edit)”