Tudo tanto #008: Sobre a volta do vinil

, por Alexandre Matias

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A minha coluna na revista Caros Amigos do mês passado foi sobre a renascença do vinil na era digital e o Clube do Vinil que a revista Noize inventou.

O clube do vinil
Sucateado no Brasil graças a uma conjunção de fatores econômicos e tecnológicos, o velho LP vive uma nova renascença e uma revista gaúcha lançou até um clube do disco

Das transformações que o meio digital provocou no mercado fonográfico sem dúvida a mais lamentável foi o sucateamento do vinil. Isso aconteceu com força aqui no Brasil e mesmo antes da popularização da banda larga – que permitiu a troca desenfreada e gratuita de arquivos digitais – na virada do milênio. Os velhos LPs pararam de ser fabricados no país porque o truque chamado CD chegou ao Brasil em um momento específico que fez a nova mídia tornar-se uma mina de ouro para as gravadoras multinacionais instaladas aqui.

O CD foi inventado nos anos 80 com a promessa de ser uma revolução audiófila. O som digital, dizia-se à época, era superior ao analógico em vinil. O disco prateado trazia outras vantagens: armazenava uma duração maior de músicas e barateava uma série de etapas do negócio, embora ninguém alardeasse isso. Menor, mais leve e mais barato de ser fabricado que o vinil, o CD permitia que custos logísticos (como transporte e armazenagem) caíssem bastante. Mas a desculpa “audiófila” foi suficiente para encarecer o preço do produto final, que, no Brasil, chegou a custar 150% – em média – a mais do que o preço do LP no início dos anos 90.

A novidade obrigou fãs – lentamente transformados em ouvintes e, depois, consumidores – a comprar novamente discografias inteiras em detrimento de uma subjetiva melhoria de qualidade. E com a substituição, a tragédia: coleções inteiras de vinis foram desfeitas em nome do avanço tecnológico sobre a fruição musical.

Historicamente fazia sentido: os discos de acetato foram substituídos pelos de vinil, que criou a era do álbum e trouxe o LP para o topo da cadeia do mercado, superpondo-se aos compactos. Depois veio a fita cassete que adicionou a portabilidade ao negócio – era possível escolher que música ouvir tanto em aparelhos de som portáteis e no carro (antes só dava para ouvir rádio). O Walkman (inventado pela Sony no iníco dos anos 1980) e as boomboxes (aparelhos de som portáteis com entrada para dois cassetes) mudaram hábitos e locais de audição de música. Era natural que outras tecnologias viessem mudar a nossa relação com a música. Aí veio o CD.

No Brasil, a popularização do CD aconteceu num momento específico: o auge do Plano Real inventado no governo Itamar Franco. A mudança econômica abriu uma onda desenfreada de consumo em que o CD player tornou-se um dos itens mais procurados por novos consumidores. Grandes gravadoras multinacionais, de olho em um público que em outras épocas nunca havia comprado disco, nem pestanejaram e colocaram todo o foco de seu negócio em artistas de rápido consumo, vendidos apenas em CD.

Foi a otimização de um processo iniciado nos anos 80, com o rock brasileiro e continuado com a lambada, quando testou-se mudanças de cenário a partir da massificação de novos artistas em torno de um novo gênero. O mesmo processo foi azeitado no início dos anos 90 com a triade sertanejo-axé-pagode veio que consolidou esse modus operandi, que fazia gravadoras mirar em artistas que vendiam muito rápido e traziam outros tantos artistas menores no vácuo. Eram discos que tinham uma ou duas músicas massificadas através do rádio como se fossem jingles (e eram, se você pensar que uma música, naquela época, era vista como um comercial para a venda de um produto, o disco), que vendiam CDs a rodo e sem a menor preocupação da criação de catálogo. Os executivos das gravadoras nos anos 90 só queriam saber de números e a qualidade musical da produção fonográfica da época cai ao mesmo tempo em que recordes de vendas de discos eram quebrados a cada ano.

Um dos efeitos colaterais disso foi o sucateamento das fábricas de vinil, que durante os anos 90 começaram a minguar e a ficar com os mercados de nicho que ainda lidavam com LPs, como o de música religiosa. O tocadiscos desapareceu dos lares brasileiros e junto com eles coleções inteiras foram parar em sebos de discos, muitas vezes vendidos a preço de banana quando não jogados fora.

Enquanto isso os vinis seguiam sendo vendido no exterior, embora numa proporção cada vez menor e, ironicamente, sendo comprados por um público cada vez mais interessado na qualidade sonora do LP, a mesma que, em tese, seria melhor no CD.

O LP começou o século 21 no Brasil literalmente no lixo. Coube primeiro a uma geração de novos fãs de música e velhos DJs a tarefa de manter o disco girando. A renascença do vinil começou a acontecer no exterior na metade da década passada, na medida em que a música digital ultrapassou o CD como formato. Velhos fãs sentiam a falta do elemento táctil no disco, novos fãs se encantavam com capas enormes e com o ritual de parar para ouvir música. A onda motivou a reabertura da última fábrica de vinis a fechar no Brasil, a Polysom, que começou a oferecer seus serviços para gravadoras que queriam reeditar clássicos e novos artistas que se ouvir em vinil.

Uma novidade específica pode alavancar ainda mais este cenário por aqui. A revista gaúcha Noize, que completa oito anos neste mês de março, deu uma guinada em sua linha editorial e criou um modelo de compra de discos chamado Noize Record Club. É isso mesmo: um clube do disco em que o assinante paga para receber discos de bandas brasileiras – em vinil – em casa.

“Há dois anos, já fazemos cada edição com um tema específico”, explica Rafael Rocha, um dos sócios da revista. “Com o clube, transferimos esses temas para o tema do disco do mês, que rege as matérias no editorial. Batemos muito em cima da reformulação da experiência de se escutar música. Com uma publicação inteira feita em cima do tema do disco, acreditamos que além de fazer o público parar para escutar música,estamos entregando uma nova forma de encarar o disco.”

O Clube foi lançado no fim do ano passado e já trouxe discos do grupo Apanhador Só e da Banda do Mar, de Marcelo Camelo e Mallu Magalhães. O processo de curadoria é interno e leva em conta “a exclusividade em cima dos títulos que serão lançados”, continua Rafael. Para saber mais informações, basta entrar no site do clube: http://www.noize.com.br/recordclub/

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