Ao apresentar seu Favelost neste sábado no Sesc Avenida Paulista, Fausto Fawcett reuniu uma banda que deu um sabor ao mesmo tempo novo e retrô ao seu poema épico e decadente sobre a megalópole do terceiro mundo. Ao lado do casal Leela (Bianca Jhordão e Rodrigo Brandão, ambos empunhando guitarras, Bianca às vezes arriscava-se no theremin), ele substituiu a cozinha de uma banda de rock pelos sintetizadores de Paulo Beto, soando simultaneamente dance e rock e deixando sua verborragia apocalíptica, ir rumo à psicodelia dançante da Manchester do final dos anos 80, a famigerada Madchester, mas com o tempero sensual, decadente e brasileiro característico de sua poética. Misturando samples de Rolling Stones, Led Zeppelin, Bee Gees e “Please Don’t Let Me Be Misunderstood” no meio de pérolas de seu repertório como “Facada Leite Moça”, “Santa Clara Poltergeist”, “Drops de Istambul” e “Caligula Freejack”, ele ainda recebeu a presença de Edgard Scandurra e Fernanda D’Umbra, com quem tocou “De Quando Lamentávamos o Disco Arranhado” da banda desta última, o Fábrica de Animais. O espetáculo ainda teve os visuais do diretor Jodele Larcher e a reverência ao hit imortal “Kátia Flávia”, revisitado com direito a parte dois, quando a protagonista sai do submundo cão para assumir o “supermundo cão” fazendo OnlyFans para agentes de inteligência e do crime organizado em troca de segredos de estado. E, de repente, em 2024, as hipérboles de Fausto não parecem tão exageradas quanto eram no século passado. Showzaço.
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Desde o dia em que convidei Sandra Coutinho para fazer a temporada no Centro da Terra ela comentava, mesmo antes de confirmar se conseguiria conciliar sua agenda com a proposta, que uma das noites tinha de ser dedicada ao que ela chamava de “lado B das Mercenárias”: todo um repertório do clássico grupo de pós-punk que moldou parte da cena paulistana dos anos 80 que nunca tinha sido gravado de verdade, sendo tocado apenas em shows e circulando em gravações domésticas não-oficiais. Depois que confirmou sua temporada para este mês de agosto, ela deixou essa data como sua última participação e em vez de simplesmente trazer a atual formação da banda – com ela no baixo, Sílvia Tape na guitarra e Pitchu Ferraz na bateria – resolveu convidar reforços de peso para essa noite histórica. Além do único integrante do sexo masculino nas décadas de carreira da banda, Edgard Scandurra (que foi baterista da primeira formação da banda, mas que nesse show tocou guitarra), ela também reuniu um coro da pesada – Bibiana Graeff, Amanda Rocha e Mayla Goerisch – que assumiu vocais de canções que, mesmo com quase quarenta anos de idade, ainda soam atuais. Foi a coração de uma temporada que nasceu clássica – agora vamos ver se essas músicas inéditas finalmente podem ser registradas!
Sandra Coutinho começou sua temporada Linha do Tempo Contínuo no Centro da Terra voltando para regiões de sua carreira que há tempos não visitava. Ela abriu a apresentação sozinha no palco para logo depois ser acompanhada do casal Edgard Scandurra e Sílvia Tape, que a ajudaram a executar temas compostos no período em que ela morou em Berlim, na Alemanha, na virada do milênio. Depois o baterista Rodrigo Saldanha juntou-se a eles, quando visitaram as composições de Maluf 111, projeto que Sandra e Edgard criaram no início dos anos 80 e fizeram apenas alguns shows, sem nunca ter gravado nenhuma daquelas composições, que ficavam em algum lugar entre o ska e a surf music numa paisagem paulistana poluída daquele período. Depois o guitarrista Tadeu Dias juntou-se ao trio para revisitar o seminal Smack, uma das principais bandas pós-punk do Brasil, que contava com Sandra e Edgard na formação original. Uma noite histórica – e foi só a primeira.
Imensa satisfação de materializar, nas segundas-feiras de agosto, toda a diversidade musical de uma das principais cabeças da música contemporânea paulistana. A líder das Mercenárias, Sandra Coutinho, apresenta sua temporada Linha do Tempo Contínuo, mostrando as diferentes facetas de sua personalidade artística, sempre acompanhada de novos e velhos parceiros. A temporada começa neste dia 7 de agosto, quando ela mostra primeiro composições da época em que morou em Berlim (entre 1997 e 2004) e outras mais contemporâneas, ao lado de Silvia Tape e Edgard Scandurra para, em seguida, se juntar a Scandurra, Rodrigo Saldanha e Tadeu Dias para visitar temas de bandas clássicas dos anos 80, como Smack e a nunca gravada Maluf 111. No dia 14, ela vem acompanhada primeiro da dupla Espelho (formada pela dançarina Mariana Taques – dança e pelo guitarrista Bernardo Pacheco) e depois apresenta-se com Guilherme Pacola, dos Vermes do Limbo, e Rafael Crespo, guitarra do Herzegovina. No dia 21, ela primeiro divide o palco com Paula Rebellato (que toca equipamentos eletrônicos, teclado e percussão) e Mari Crestani (no saxofone), e depois volta aos tempos do AKT ao lado de Bibiana Graeff, Silvia Tape e Rodrigo Saldanha. Ela finalmente encerra sua temporada no dia 27 convocando suas Mercenárias (com Silvia Tape, Pitchu Ferraz e Edgard Scandurra) para tocar músicas do lado B da clássica banda paulistana. Os espetáculos começam pontualmente às 20h e os ingressos já podem ser comprados antecipadamente neste link.
Que bordoada esse show que a Bufo Borealis fez ao lado de Edgard Scandurra. O guitar hero paulistano por excelência já havia participado das gravações do primeiro disco do combo de free jazz fundado a partir de uma cozinha de formação punk: o baixista do Ratos de Porão Juninho Sangiorgio e o baterista Rodrigo Saldanha fundaram o grupo a partir de experimentos musicais inspirados pela fase elétrica de Miles Davis. Com Tadeu Dias na guitarra, Paulo Kishimito na percussão e teclados, Vicente Tassara nos teclados e Anderson Quevedo no sax, o grupo enfileirava músicas de seus dois discos criando um parede sonora que entrou pelos poros de todos que lotaram o Centro da Terra nesta terça-feira. O acréscimo de Scandurra à formação trouxe um sniper para este batalhão enfurecido, que acertava com precisão para onde quer que apontasse sua guitarra. O final do show com versões para “In a Silent Way” de Miles Davis e “20th Century Schizoid Man” do King Crimson foi só o golpe baixo final que acabou por acachapar as expectativas de todos os presentes. Alguém anotou a placa do caminhão?
Maior satisfação receber o grupo instrumental Bufo Borealis baixa pela primeira vez no palco do Centro da Terra, que faz sua apresentação Escuridão com um convidado que já é da casa – o guitarrista Edgard Scandurra, que injeta uma dose de rock (e progressivo ainda por cima!) no caldeirão jazz funk do grupo paulistano. E o resultado é explosivo! Os ingressos estavam quase no fim, mas ainda dá pra comprá-los neste link e o espetáculo começa pontualmente às oito da noite. Vamo?
Com o número de segundas-feiras de fevereiro reduzido pelo carnaval, deixamos para começar as temporadas no Centro da Terra em março. E para começar o ano em grande estilo, temos a presença da mestra Ná Ozzetti, que nos brinda com a primeira temporada de 2023, Três Duos e Um Trio, em que convida comparsas para passear por diferentes recantos da música brasileira. Na primeira segunda ela forma o trio do título com Fernando Sagawa (sax, clarinete e flauta) e Franco Galvão (violão), quando visitam as Dominguinhos, com arranjos próprios. Na segunda noite, o primeiro duo acontece ao lado do baixista Marcelo Cabral, quando Ná passeia pelo repertório dela e de outros autores contemporâneos. No dia 20, é a vez de formar um duo apenas com os sopros de Fernando Sagawa, quando passeiam por diferentes fases e autores da música brasileira e o último duo vem formado com o violonista Franco Galvão, em homenagem ao compositor paulista Vadico, trazendo também outros sambas do passado. Na primeira terça-feira do mês quem chega ao Centro da Terra é o quarteto carioca Oruã, liderado pelo herói independente do Rio de Janeiro Lê Almeida, que traz seu “free jazz de pobre, kraut de vagabundo, sem neurose” pela primeira vez ao palco do teatro, apresentando o espetáculo Passe. Na outra terça, dia 14, é a vez do grupo de jazz funk Bufo Borealis encontrar-se pela primeira vez com o guitarrista Edgard Scandurra, na apresentação que batizaram de Escuridão. E no fim do mês, as duas últimas terças ficam a cargo de Mestre Nico, que todos nós conhecemos por acompanhar Siba na percussão e vocal, que começa a mostrar seu trabalho solo na minitemporada De Andada no Tempo. Os espetáculos começam sempre às 20h e os ingressos para todas as apresentações já estão à venda neste link.
O Sesc Catanduva me chamou para entrevistar o grande Edgard Scandurra dentro de uma programação que eles fizeram para honmenagear guitarristas locais. O papo aconteceu nesta quarta-feira e falamos tanto da formação de Edgard como instrumentista, os primeiros anos do Ira! e como ele foi expandindo seu repertório para além do rock, fazendo discos solo e tocando com artistas iniciantes e consagrados, além de contar as novidades que inventou durante a quarentena, como seu programa de rádio Scandurrices, seu disco solo que foi lançado em cassete e as novidades que já começou a pensar para 2021.
Mais que um mestre em seu instrumento e um dos principais nomes da música de sua geração, Edgard Scandurra sempre esteve inquieto em busca do novo. Mesmo quando a única coisa que fazia era o Ira! ele já experimentava fronteiras de sua expressão artística, questionando inclusive o rock que o trouxe para os holofotes da fama. Ele já passou por diferentes projetos e formações musicais, sempre se desafiando para além do que poderia lhe acomodar, sempre em busca de novos nomes com quem pudesse colaborar. No período mais longo de sua vida profissional longe dos palcos, ele consegue dar uma sobrevida à sua carreira ao vivo em lives esporádicas, mas também conseguiu tempo para inventar um programa de rádio e gravar um disco totalmente em casa, tocando mais violão e teclado que guitarra. Convidado desta semana do Bom Saber, ele passa por diferentes épocas de sua vida, sempre olhando para frente.
Quando soube da morte de Andy Gill, Edgard Scandurra não escondeu a influência guitarrista do Gang of Four em sua forma de tocar seu instrumento e despediu-se do inglês chamando-o de “irmão mais velho do pós-punk”. Aproveitei a deixa e pedi para ele escrever sobre a importância de Gill para ele mesmo e para a cena paulistana dos anos 80 e ele lembrou que seu nome foi inclusive sonhado para produzir um disco do Ira!. Imagina…
Até o fim do anos 80 existia um espaço-tempo cultural de cinco anos entre os acontecimentos artísticos do primeiro mundo e o que acontecia no Brasil. Foi nesse gap que conheci o som da banda Gang of Four, na casa de um amigo de um amigo, repleto de discos de Frank Zappa e Miles Davis. Há sons que você precisa vivenciar pra compreender.
E essa primeira audição foi uma das sensações musicais mais loucas que tive. Eu era um jovem guitarrista, com 19 pra 20 anos, e a guitarra errante e a pegada anti-heróica e absolutamente imprevisível de Andy Gill mudou o que já vinha se transformando em mim desde o punk, no que dizia respeito ao virtuosismo guitarristico. A escola que vinha do blues, nomes como Jimi Hendrix, Jimmy Page, Jeff Beck e tantos outros, era substituída por notas trepidantes, harmônicos dissonantes, algo parecido com o partir de uma guitarra ao chão. O ruído do captador, o riscar das cordas em contato com o pedestal de microfone – uma ruptura que me pegou em cheio.
Desde então, eu – que nunca escondi o nome de meus ídolos – abracei a causa sonora, política e estética da turma dos quatro, que tirou seu nome da Camarilha dos Quatro que foi responsável pela revolução cultural comunista na China, entre 66 a 76.
O primeiro álbum, Entertainment!, nãoacertou em cheio não só a mim! Foi audível a influência da banda e de seu guitarrista na cena new wave paulistana e brasileira naquele início dos anos 80. Inclusive no teor político: da anarquia do movimento punk a uma concepção mais crítica e marxista, o pensamento daquele pós-punk parecia mais refinado, uma sútil troca de Ramones por Erik Satie, da guitarra rock and roll, por um minimalismo cerebral e ao mesmo tempo visceral representado pelo Gang of Four e seu genial guitarrista. Sua guitarra influenciou Paul Weller a partir do disco Sound Affects, de 1980.
Tive o prazer em assisti-lo por três vezes, em distintas formações nos shows do Gang of Four no Brasil e na última vez, no Sesc Pompeia, tive uma triste sensação de que assistia ao show de Andy Gill e não mais à banda (Andy era o único remanescente da fundação original) – e toda aquela cena revolucionária não mais se repetiria. Agora com morte recente, pude me aprofundar em seus discos solo e nos discos que produziu, como discos dos Stranglers (Written in Red, de 1997), do Killing Joke e o primeiro dos Red Hot Chili Peppers. E pensar que o Thomas (Pappon, do Fellini) chegou a sugerir que ele produzisse um disco do Ira!…
Na minha opinião, o segredo maior e o grande desafio mod é superar o original e Andy conseguia superar a si mesmo. Descanse em paz, querido irmão mais velho da cena pós-punk de todo o mundo.