Documentário revê os Rolling Stones jovens

Essa saiu antes do carnaval, mas inda não tinha postado aqui:

Alguém aí ainda agüenta Rolling Stones? Depois da overdose da megacorporação multinacional gerida por Jagger e Richards a que o Brasil foi submetido, voltar a máquina do tempo uns 40 anos e encontrar os atuais CEOs disfarçados de “rock stars” numa festa particular em uma cidade européia talvez seja o antídoto perfeito para anestesiar êxtases superlativos da passagem do grupo.

O documentário “Rolling Like a Stone”, que será exibido no Festival É Tudo Verdade (que começa dia 23 de março), em São Paulo, parte de um curto trecho de filme que registrou a passagem do grupo inglês pela cidade de Malmö, na Suécia, para reconstruir o conceito do grupo do outro lado do espelho. Centrado ao redor de uma festa particular da cena de rhythm’n’blues da minúscula cidade escandinava que contou com a presença ilustre de Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones (1942-69), o filme dos diretores suecos Magnus Gertten e Stefan Barg busca alguns dos coadjuvantes daquele dia para mostrar o que acontece com as pedras que deixam de rolar.

Somos atirados no meio de sexagenários saudosos de seus tempos de rock’n’roll, que recordam -uns com dor, outros com candura- dos tempos em que a sociedade poderia ser desafiada (e, quem sabe, o mundo ser mudado) com ruído elétrico, ritmo insistente e cabelos compridos. Integrantes de bandas anônimas (Gonks, Namelosers) e meninas apaixonadas pelo brilho dos ingleses colocam mais uma peça no quebra-cabeças cuja a imagem é a atual cultura pop –uma peça marginal, irrelevante, mas que mostra com precisão o impacto do rock na rotina do planeta.

Sem o áudio (a trilha sonora é composta por faixas das bandas citadas acima, de rock garageiro sem sal), o documentário é musicalmente insípido –mesmo para os fãs de carteirinha dos Stones (sempre em segundo plano, no filme), “Rolling Like a Stone” é, no máximo, curioso. Lento e enfadonho, o filme vale por mostrar de forma crua a triste realidade daqueles que sonham sonhos alheios. Como muitos no show histórico da praia de Copacabana.

Traje de gala

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Fui ver o Marcha do Pingûim e… sei lá. Quer dizer, em termos de visual, rito natural e captação documental, não tem o que dizer, o filme faz bonito em escala mega, um documentário Mundo Animal em grande estilo, meio Jacques Costeau com Amyr Klink e algumas cenas de cair o queixo. Não é à toa que o filme é o maior sucesso francês no mercado internacional de todos os tempos ou outro superlativo que o valha.

Mas aí, chega na pós-produção e neguinho fode tudo. Umas musiquinhas intragáveis, tipo Björk for dummies com Cardigans (ainda mais) infantilizado, cantando (EM INGLÊS! Cadê a tão famosa auto-estima napoleônica desse povo? Globalizou-se?) umas baladinhass de merda que comparam qualquer coisa (amor, beleza, a vida) com gelo, frio ou neve. Deprimente. Fora as vozes da família pingûim em off, com o pai, a mãe e o filho (“conversando” numa locução abobada, daquelas que crianças de cinco anos acham palha). Dava pra fazer o documentário sem emitir uma palavra sequer, mas aí entraram essa musiquinha e essa locução e um troço preza por pouco não desanda o filme num Querida Mamãe em movimento. Mas o filme presta pra fazer a moral com a namorada, inda mais se a tua mina (como quase todas) se derrete quando vê filhote de bicho.

PKD na BBC

“Was it Phil’s fault God talked to him or was it God’s?”

Cinema: “Sou Feia…” mostra funk além do fenômeno

Esse saiu na Folha de sexta, depois eu ponho a íntegra do papo com a Denise:

Quem foi na palestra que o DJ e produtor Steve Goodman ministrou na última edição do festival Hype, no Sesc Pompéia em São Paulo, assistiu a uma amostra em vídeo de MCs de garage duelando rimas entre si sem nenhum de base – no máximo, palmas. O palestrante, que também atua como discotecário grime sob o codinome de Kode9, disse que era impossível legendar o vídeo, devido ao excesso de gírias, referências e trocadilhos na batalha verbal. Mas percebia-se claramente uma matriz essencial, tanto na prosa quanto no ritmo, característico daquela cultura de rua, ainda que racionalmente intraduzível.

O mesmo acontece nos minutos iniciais de “Sou Feia Mas Tô na Moda”, estréia na direção da gaúcha Denise Garcia, sócia do cartunista Allan Sieber na produtora Toscographics. “Quem nasceu, nasceu/ Quem não nasceu, não nascerá”, canta, sem acompanhamento, o MC G, logo na primeira cena do filme. Logo a câmera corre para um churrasco na Cidade de Deus, em que MCs de funk carioca trocam rimas como numa roda de samba, só na palma da mão. Em português carioca, as gírias, referências e trocadilhos são igualmente intraduzíveis em legendas para outra língua, mas como na batalha grime, percebe-se claramente todas as nuances que caracterizam um gênero musical. Nuances que são escancaradas quando, minutos à frente, o produtor Grandmaster Raphael arenga um arremedo de vocal para encaixar-se nas bases pré-gravadas, igualmente inconfundíveis.

Esse é o grande trunfo de “Sou Feia…”, que ameaça falar do papel da mulher no funk do Rio, para dar uma pequena aula sócio-cultural sobre o fenômeno pop. “Meu interesse no funk começou em 2000”, lembra Denise, “quando os bondes de mulheres começaram a aparecer na imprensa. Porém, sempre que o assunto vinha à tona, era um tal de ‘esta música denigre a imagem da mulher’, ‘a mulher está se deixando tratar como objeto…’. Eu, como mulher, não achava isso”.

“Foi quando comecei a perceber essa barreira que separa a favela do asfalto. A coisa toda de mulher-objeto era uma desculpa para o preconceito que rola com o pessoal da favela, pois uma cidade que se orgulha do carnaval que faz, não podia estar falando sério. Era falso moralismo mesmo. Aí que comecei a pensar em fazer um documentário”, explica a diretora, que começou o filme através da emblemática Tati Quebra-Barraco, que registrou se apresentando grávida de oito meses.

“Comecei pelas mulheres porque estava fascinada com a coragem, cara de pau, senso de humor das funkeiras. Porém, quando comecei a conhecer e entender o movimento melhor, vi que não fazia sentido deixar de lado a história que eles todos iam me contando, então resolvi abrir geral”, continua a diretora. “Fiquei com vontade de me meter a tentar explicar o contexto. A única certeza que eu tinha desde o início é que, fosse o recorte que fosse, essa história seria contada por funkeiros, sem filtro acadêmico”.

Mas a grande estrela do documentário, que ainda conta com uma estarrecedora versão à capella para “O Rap da Felicidade” com Cidinho e Doca (soul na veia), é Deise da Injeção, que conquista pela simplicidade. “A primeira entrevista que ela me deu foi emocionante porque ela estava numa fase que pensava que nunca mais iria poder viver de fazer música. Ela foi muito sincera e me cativou. Desde então, sempre que me entrevistavam, eu sugeria que entrevistassem a Deise, pois ela era a única do filme que não estava fazendo shows. E, hoje, nem precisa falar né: tá fazendo muitos shows, largou o emprego de doméstica, foi pra França, tocou com a M.I.A.”.

“Mas a maior emoção foi ter enfiado uma coisa na cabeça e ter ido até o fim mesmo sem ter tido um centavo para realizar”, desabafa a diretora. “Eu não acho que a gente deva se orgulhar de trabalhar sem grana porque é um trabalho e é preciso poder sobreviver dele, mas deixar de fazer um projeto que se está a fim porque nenhuma empresa quis entrar, isso não! Nós aprovamos R$ 450 mil reais na Lei do ICMS, mas nos contatos que fizemos a resposta era sempre a mesma: ‘achamos que o assunto do seu projeto não se enquadra no perfil de nossa empresa’. Vai entender isso: empresa operando em pleno Rio de Janeiro funkeiro, como é que não se enquadra?”.