O antigo sexteto australiano Avalanches, que agora é um duo formado por Robbie Chater e Tony Di Blasi, lança mais um novo single, ainda sem anunciar data para o lançamento de seu terceiro álbum, que segue sem título. O novo single, “Running Red Lights”, conta com as participações do vocalista do Weezer Rivers Cuomo e do rapper Pink Siifu, que canta uma letra do grupo mais recente do saudoso David Berman, Purple Mountains, que morreu no ano passado. Berman havia colaborado com os Avalanches em uma demo em 2013, (“A Cowboy Overflow of the Heart“) e na faixa “Saturday Night Inside Out”, do disco mais recente dos australianos, Wildflower, de 2016. A faixa mistura uma vibe Spacemen 3 com um clima gospel dado justamente pelo vocal de Cuomo e não atinge o mesmo patamar do single anterior, a bela “We Will Always Love You“, mas mantém a expectativa sobre o próximo álbum.
Que notícia triste – além de autor de um dos melhores discos dos anos 90 (American Water, dos Silver Jews) e um dos grandes compositores de sua geração, Dave Berman se despede deste plano logo após ter lançado um grande disco, o primeiro em dez anos, sob o nome de Purple Mountains. Abaixo, reproduzo a curta entrevista que fiz com ele, por email, em 1999, justamente quando estava lançando seu disco clássico.
O que é a Nova Abertura?
É um nome de mentira para uma iniciativa real: a rejeição da ironia como uma estratégia artística. No Estados Unidos, a ironia se tornou um gás sufocante que sai da boca de qualquer figura público. A idéia é simples: diga o que você quer, queira o que você diz.
E isso não te torna bastante público? Não é como se despir em público?
É justamente o contrário. Expressar seus sentimentos é uma necessidade que todos têm. Nossa cultura definharia e morreria sem isso. Todos viveriam melhor se pudessem andar sem as roupas na rua.
Você tem algo contra a ficção ou a fantasia?
Precisamos de música e de arte que cubra toda uma área. Fantasia é tão valiosa quanto a dura realidade. O conflito entre as duas é o impulso que nos faz progredir.
E como esta idéia lírica se encaixa com a música? Como você encara a música dos Silver Jews?
Eu gosto de acordes leves e machucados. Sons orgânicos feridos. Resoluções pacíficas. Paz que parece morte, mas que não é morte.
E sua relação com o Pavement? Você sente-se mal ao ficar na sombra do grupo?
Eu gosto, porque as pessoas descobrem a música. Não importa como eles cheguem, pra mim está bom. Se a associação com o Pavement persiste depois que as pessoas me conhecem é um tanto desolador, mas é minha culpa se a música não se destingue como própria o suficiente para ser percebida como própria.
O nome Silver Jews vem de onde?
É inventado. Ninguém se lembra direito. Apareceu num dia e parecia ser o ideal. São apenas duas palavras legais de serem ditas em voz alta.
E o nome do disco, American Water, como surgiu?
Tem uma raça de cachorros que se chama American Water Spaniel. Eu estava levando meu cachorro ao veterinário quando eu vi este nome num pôster sobre raças de cães. Aquela noite eu sonhei com este nome e ele ficou.
E qual sua relação com a crítica? Você lê suas resenhas?
Eu leio as resenhas. Eu não acho que a imprensa musical aqui consegue fazer seu trabalho. Aqui nos Estados unidos não existem críticos com suas próprias vozes. Eles são apenas cafetões do status quo. A escrita é muito semelhante à da publicidade. Eles são uma droga e é uma situação chata.
Por que você não faz shows?
São muitos motivos para serem listados. Não é digno, pra mim. Eu acho que os discos bastam. Turnês interromperiam o ritmo da minha vida. É como uma infância suspensa. Estou tentando viver como um adulto. Não nasci para estar sob os holofotes, num palco. Eu sou o observador, não o observado. É que parece errado para a minha natureza.
O que você está ouvindo hoje em dia?
Blue Öyster Cult, Jerry Jeff Walker, Jackson C. Frank, U.S. Maple e O Clube da Esquina, do Milton Nascimento.
Boa a hora em que o Dago (valeu!) me lembrou que o Dave Berman estava de volta com disco novo, anunciado no fim do ano passado, com o novo nome artístico de Purple Mountains. E como os singles iniciais (“All My Happiness is Gone” e “Darkness and Cold“) já vinham mostrando, é reconfortante encontrar o criador do movimento poético Nova Abertura que inventou no lançamento do clássico American Water de seu grupo Silver Jews, continua em ótima forma (mesmo que alguns teclados fuleiros sobrem em algumas faixas), depois de mais de dez anos sem gravar nada.
Discaço.
Vi aqui.
Dave Berman está aposentando os Silver Jews. Primeiro, ele postou uma nota na lista de discussão da banda:
Silver Jews End-Lead Singer Bids his Well-Wishers Adieu
Hello, my friend.Cassie and I went to the cave and it looks great. 58 degrees but the humidity makes it feel like 72.
I’m just going to play fifteen songs. My fifteen favorite ones.
A dollar per song. Plus Arnett Hollow. I don’t
want to keep you underground for too long. Fall Creek Falls State Park State Lodge is great by the way.
Yes I cancelled the South American shows. I’ll have to see the ABC Countries another way.
I guess I am moving over to another category. Screenwriting or Muckraking.
I’ve got to move on. Can’t be like all the careerists doncha know.
I’m forty two and I know what to do.
I’m a writer, see?
Cassie is taking it the hardest. She’s a fan and a player but she sees how happy i am with the decision.
I always said we would stop before we got bad. If I continue to record I might accidentally write the answer song to Shiny Happy People.
What, you thought I was going to hang on to the bitter end like Marybeth Hamilton?
love david
Sim, ele cancelou a turnê pela América do Sul que estava sendo ameaçada desde o início do segundo semestre do ano passado – e que passaria pelo Brasil. E, dois dias depois, outra mensagem de Berman falava dos motivos – resolver os problemas com o pai. Mas antes que você acha que lá vem outro chorão reclamar de “daddy issues”, saiba que as dele não são nada agradáveis. O senhor Richard Berman é referido pela mídia americana como “Dr. Evil“, por fazer lobby em defesa de produtos caros ao nosso dia-a-dia como o café, a fast food, o sal e o óleo nem que isso signifique defender apenas seus produtores e mandar a saúde de seus consumidores pro lixo, além de ter como inimigos ativistas pelos direitos dos animais, sindicatos e até mesmo um grupo de mães que é faz campanha contra beber e dirigir. E assim vinha a segunda nota:
My Father, My Attack Dog
Now that the Joos are over I can tell you my gravest secret. Worse than suicide, worse than crack addiction:My father.
You might be surprised to know he is famous, for terrible reasons.
My father is a despicable man. My father is a sort of human molestor.
An exploiter. A scoundrel. A world historical motherfucking son of a bitch. (sorry grandma)
You can read about him here.
My life is so wierd. It’s allegorical to the nth. My father went to college at Transylvania University.
You see what I’m saying.
A couple of years ago I demanded he stop his work. Close down his company or I would sever our relationship.
He refused. He has just gotten worse. More evil. More powerful. We’ve been “estranged” for over three years.
Even as a child I disliked him. We were opposites. I wanted to read. He wanted to play games.
He is a union buster.
When I got out of college I joined the Teamsters (the guards were union organized at the Whitney).
I went off to hide in art and academia.
I fled through this art portal for twenty years. In the mean time my Dad started a very very bad company called Berman and Company.
He props up fast food/soda/factory farming/childhood obesity and diabetes/drunk driving/secondhand smoke.
He attacks animal lovers, ecologists, civil action attorneys, scientists, dieticians, doctors, teachers.
His clients include everyone from the makers of Agent Orange to the Tanning Salon Owners of America.
He helped ensure the minimum wage did not move a penny from 1997-2007!
The worst part for me as a writer is what he does with the english language.
Though vicious he is a doltish thinker and his spurious editorials rely on doublethink and always with the Lashon Hara.
As I studied Judaism over the years, the shame and the shanda, grew almost too much. my heart was constantly on fire for justice. I could find no relief.
This winter I decided that the SJs were too small of a force to ever come close to undoing a millionth of all the harm he has caused. To you and everyone you know.
Literally, if you eat food or have a job, he is reaching you.
I’ve always hid this terrible shame from you, the fan. The SJs have always stood autonomous and clear.
Hopefully it won’t contaminate your feelings about the work.
My life has been riddled with Ibsenism. In a way I am the son of a demon come to make good the damage.
Previously I thought, through songs and poems and drawings I could find and build a refuge away from his world.
But there is the matter of Justice.
And i’ll tell you it’s not just a metaphor. The desire for it actually burns.
It hurts.
There needs to be something more. I’ll see what that might be.
DCB
if you want to know what evil Herr Attackdog is currently up to look here:
Bizarro, hein. Na onda, o Eduardo Vasconcellos, do Last Splash, fala um pouco mais sobre o fim da banda antes de começar uma retrospectiva uploadando os álbuns dos SJ – incluindo o meu clássico pessoal, American Water, linkando para a resenha e a entrevista que fiz com o Berman na época. Ele também linka a entrevista que o português João Lisboa (ri não!) fez com Berman em 2007, em que ele já fala do drama com seu pai.
Fico imaginando se a moda pega… Se cada filho de advogado que defende causas inomináveis ou parlamentar acusado de corrupção ou qualquer outro soldado da máquina de maldade que coexiste com o capitalismo global fizesse uma campanha para difamar o próprio pai… Taí uma forma de protesto impossível de conceber no século passado – e que pode se tornar uma nova fórmula.
Ah, pra quem quiser saber mais, a resenha do American Water tá aqui, o link pra baixar o disco que o Last Splash descolou é esse e a entrevista com Berman (feita há DEZ anos, hahaahah) tá aqui. Um trecho, do disco e da entrevista:
Por que você não faz shows?
São muitos motivos para serem listados. Não é digno, pra mim. Eu acho que os discos bastam. Turnês interromperiam o ritmo da minha vida. É como uma infância suspensa. Estou tentando viver como um adulto. Não nasci para estar sob os holofotes, num palco. Eu sou o observador, não o observado. É que parece errado para a minha natureza.
Ele só foi fazer shows a partir de 2007.
Silver Jews – “Random Rules“
Entrevista revisitada, atachada com a resenha acima…
***
Com quem Dave Berman resolver fazer música, ele é o Silver Jews. O rock desleixado e descompromissado coberto de letras francas e simples – a tal filosofia Nova Abertura – é tudo culpa de Dave, cujo vocal grave lidera os livros de contos que são seus discos. O problema é que entre os colaboradores de Dave estão Stephen Malkmus e Bob Nastanovitch, ambos do Pavement, o que faz muita gente pensar que o grupo é um projeto paralelo dos autores de Crooked Rain Crooked Rain. Segue um papo sobre isso e outras coisas com o cético Berman.
O que é a Nova Abertura?
É um nome de mentira para uma iniciativa real: a rejeição da ironia como uma estratégia artística. No Estados Unidos, a ironia se tornou um gás sufocante que sai da boca de qualquer figura público. A idéia é simples: diga o que você quer, queira o que você diz.
E isso não te torna bastante público? Não é como se despir em público?
É justamente o contrário. Expressar seus sentimentos é uma necessidade que todos têm. Nossa cultura definharia e morreria sem isso. Todos viveriam melhor se pudessem andar sem as roupas na rua.
Você tem algo contra a ficção ou a fantasia?
Precisamos de música e de arte que cubra toda uma área. Fantasia é tão valiosa quanto a dura realidade. O conflito entre as duas é o impulso que nos faz progredir.
E como esta idéia lírica se encaixa com a música? Como você encara a música dos Silver Jews?
Eu gosto de acordes leves e machucados. Sons orgânicos feridos. Resoluções pacíficas. Paz que parece morte, mas que não é morte.
E sua relação com o Pavement? Você sente-se mal ao ficar na sombra do grupo?
Eu gosto, porque as pessoas descobrem a música. Não importa como eles cheguem, pra mim está bom. Se a associação com o Pavement persiste depois que as pessoas me conhecem é um tanto desolador, mas é minha culpa se a música não se destingue como própria o suficiente para ser percebida como própria.
O nome Silver Jews vem de onde?
É inventado. Ninguém se lembra direito. Apareceu num dia e parecia ser o ideal. São apenas duas palavras legais de serem ditas em voz alta.
E o nome do disco, American Water, como surgiu?
Tem uma raça de cachorros que se chama American Water Spaniel. Eu estava levando meu cachorro ao veterinário quando eu vi este nome num pôster sobre raças de cães. Aquela noite eu sonhei com este nome e ele ficou.
E qual sua relação com a crítica? Você lê suas resenhas?
Eu leio as resenhas. Eu não acho que a imprensa musical aqui consegue fazer seu trabalho. Aqui nos Estados unidos não existem críticos com suas próprias vozes. Eles são apenas cafetões do status quo. A escrita é muito semelhante à da publicidade. Eles são uma droga e é uma situação chata.
Por que você não faz shows?
São muitos motivos para serem listados. Não é digno, pra mim. Eu acho que os discos bastam. Turnês interromperiam o ritmo da minha vida. É como uma infância suspensa. Estou tentando viver como um adulto. Não nasci para estar sob os holofotes, num palco. Eu sou o observador, não o observado. É que parece errado para a minha natureza.
O que você está ouvindo hoje em dia?
Blue Öyster Cult, Jerry Jeff Walker, Jackson C. Frank, U.S. Maple e O Clube da Esquina, do Milton Nascimento.
Entrevista feita em abril de 1999