Depois do show catártico de lançamento de seu Novella no mês passado, quando reuniu o maior público para uma apresentação somente sua na Áudio, Céu fez um show irrepreensível ao apresentar-se no Sesc Vila Mariana neste sábado. Ao contrário do show anterior, em que pode passear pelo repertório de toda sua discografia e contou com participações especiais, desta vez a noite focava no disco recém-lançado e abria exceções apenas alguns hits dos quase vinte anos da carreira da cantora paulistana. O fato de ter feito uma série de shows internacionais antes de lançar o disco no Brasil a colocou em sincronia perfeita com a banda que já a acompanha há quase dois anos, com Thomas Harres na bateria e disparando efeitos, Leo Mendes no cavaquinho e na guitarra, Sthe Araújo nas percussões e o fiel escudeiro Lucas Martins no baixo, os dois últimos dividindo os vocais com Céu – e cantando muito! – sem se sentirem intimidados pela voz da dona da noite. Com um vestido preto longo chiquérrimo e de cabelo preso, esta mostrava completo domínio do palco, ainda mais com o auxílio de duas feras do backstage – o som perfeito do mestre Gustavo Lenza e o jogo de luzes mágico de Franja, cada vez mais conversando com o ritmo da banda. Mesmo com o foco em Novella, o show teve momentos dedicados a outras joias de sua coroa, como um momento dedicado ao disco Tropix e quando “Bubuia” transformou-se em “Cangote”, ambas pinçadas de seu melhor disco, Vagarosa. Seu disco de estreia, que ela lembrou que completa duas décadas no ano que vem, também foi visitado, primeiro quando “Mora na Filosofia” de Monsueto invadiu o hit “Malemolência” e depois quando ela desenterrou “Mais Um Lamento” no bis. Os dois únicos lapsos que aconteceram durante a noite (quando Céu cantou antes da hora na introdução de “Contravento” e quando Thomas não disparou os efeitos no início de “Reescreve”) não chegaram a macular a apresentação, primeiro por terem sido discretos e rapidamente corrigidos (e com bom humor) como pareceram sublinhar a natureza humana do novo disco, que Ceú fez questão de frisar logo no início do show. A noite terminou com “Rotação” e Céu despediu-se do palco certa de que é dona de um dos melhores shows do Brasil.
Quem também fez bonito nessa sexta-feira foi a Céu, que lançou seu novo disco Novella num Áudio que talvez tenha reunido o maior público em um único show em sua carreira (apesar da Áudio não estar lotada). Ela só pecou por ter começado o show muito tarde e por chamar o produtor deste novo disco, o norte-americano Adrian Younge, para discotecar antes de sua apresentação (sério que a gente ainda precisa ouvir gringo mostrando que manja de música brasileira em pleno 2024?). Fora isso, o show foi preciso. Foi um acerto fazê-lo em São Paulo depois de uma turnê pela Europa, o que deixou a banda em ponto de bala e a própria Céu seguríssima de si para mostrar as novas canções – sem esquecer seu excelente repertório, que já vinha mostrando na turnê anterior, Fênix do Amor. A apresentação ainda contou com a presença de Liniker, que brilhou em dois números ao lado da protagonista da noite (“Gerando na Alta” e na parceria que lançaram em 2020, “Via Láctea”, se não me engano tocada pela primeira vez ao vivo) e derreteu-se para sua antiga ídola que agora chama de amiga. Foi um bom momento para retomar sua trajetória depois do erro que foi seu disco de versões (o decepcionante Um Gosto de Sol, de 2021) e isso estava claro quando não só quando mostrou as músicas do disco novo, mas principalmente num dos grandes momentos da noite, quando voltou a um dos ápices de seu Apká, de 2019, ao cantar a excelente “Pardo”, que pediu para Caetano Veloso, mostrando que, mesmo com o deslize passado, ainda mantém a majestade de uma das maiores cantoras do Brasil. Fodona.
Terça passada aconteceu mais uma premiação da Associação Paulista dos Críticos de Arte (desta vez transmitida online, dá pra conferir aqui) e esta semana a comissão de música popular da APCA, da qual faço parte ao lado de Adriana de Barros (TV Cultura), Bruno Capelas (Programa de Indie), Camilo Rocha (Bate Estaca), Cleber Facchi (Música Instantânea), Felipe Machado (Istoé), Guilherme Werneck (Meio e Ladrilho Hidráulico), José Norberto Flesch (Canal do Flesch), Marcelo Costa (Scream & Yell), Pedro Antunes (Estadão e Tem um Gato na Minha Vitrola) e Pérola Mathias (Poro Aberto), escolheu os 25 melhores discos do primeiro semestre deste ano. Uma boa e ampla seleção que não contou com alguns dos meus discos favoritos do ano (afinal, é uma democracia, todos têm voto), mas acaba sendo uma boa amostra do que foi lançado neste início de 2024. E pra você, qual ficou faltando?
Céu postou essa imagem borrada em suas redes sociais e saiu correndo, sem por legenda nem nada. Sinal que tem disco novo vindo aí…?
Mesmo com ótimos shows (pra mim: Haim, Mars Volta e Lana Del Rey) e uma diminuição de público que tornou o segundo dia apenas tolerável, o festival Mita terminou sua edição 2023 no débito, criando uma sensação de descaso com o público mesmo que trouxesse boas apresentações em boas condições. Essa impressão desfez-se no Mita Day, evento realizado neste domingo (uma semana após a versão maior do festival), no Auditório Simon Bolívar, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Reverenciando a obra do maestro Arthur Verocai partindo de seu clássico disco de 1972 e contando com a presença de convidados ilustres, o festival estendeu o tapete vermelho tanto na parte artística quanto no tratamento ao público, numa noite pop de gala raramente vista em festivais por aqui. À frente de um conjunto híbrido de big band com orquestra, o compositor e arranjador carioca pode apresentar seu trabalho mais uma vez ao vivo em condições ideais de temperatura e pressão. Talvez a distribuição da banda, dos vocalistas e dos convidados no palco pudesse ser pensada de outra forma, uma vez que o auditório estava aberto em sua versão completa, com as duas plateias à frente e às costas dos músicos (como uma versão gigante do teatro do Sesc Pompéia) e isso comprometia a visão do palco.
Mas foi bonito assistir Verocai regendo aquela pequena orquestra com a leveza informal de quem pertence à música popular, estalando os dedos para marcar os compassos, sem batuta nem fraque, cantarolando baixinho o começo de cada música antes de contar o tempo de entrada (“um, dois, três e já!”) e conversando à vontade com o público. E se entre os convidados da noite haviam nomes de peso como Céu, Mano Brown e Ivan Lins, foi bonito ver que alguns dos melhores momentos da noite tiveram à frente velhos colaboradores do maestro, como o soulman Carlos Dafé, Clarisse Grova e Paula Santoro. O DJ Nuts subiu junto com Brown e não entendi se ele estava tocando algo, mas foi bom vê-lo reconhecido em público pelo próprio maestro (mais uma vez) sobre o papel do seletor em sua redescoberta, afinal foi Nuts quem apresentou para o mundo o disco clássico de Verocai, que era desconhecido mesmo no Brasil até outro dia – e se estávamos reunidos naquele belo evento para celebrar um aventureiro da nossa cultura, era culpa deste historiador e discotecário sensacional. Uma bela noite.
Tá achando que tinha acabado? Agora o Caramuru resolveu fazer capas expandidas por inteligência artificial a partir de discos independentes brasileiros… E acho engraçado que as pessoas pegam birra de algo só por ter virado tendência, sem perceber que as implicações desta nova ferramenta vão além da própria tendência em si…
A minha Virada Cultural de 2023 ficou reduzida a um único show, um dos três que a Céu fez no Sesc Consolação, finalmente levando aos palcos seu disco acústico, lançado no segundo ano da pandemia “com a intenção de trabalhar, de ver um horizonte, de voltar a cantar e fazer música”, como ela explicou ao público da segunda sessão de suas apresentações. Gravado em um único dia ao lado de seu velho compadre Lucas Martins (que a acompanha desde a adolescência – e que para este projeto deixou o baixo de lado para abraçar o violão acústico), o disco preparou a chegada de seu disco de intérprete Um Gosto de Sol, lançado no final daquele 2021, indo para o caminho oposto: só músicas autorais da cantora paulistana em arranjos enxutos e precisos, com o violão de Lucas partindo de lugares menos óbvios para o formato voz e violão do que o samba ou a bossa nova. Retomado no palco, o disco funciona como uma versão minimalistas para o novo show da cantora, Fênix do Amor, em que prefere dedicar-se ao seu próprio repertório do que a um disco mais específico, com o agravante de deixar Céu ainda mais à vontade para contar histórias e causos e brincar com a longa amizade com o amigo músico. No meio do caminho, lembrou que fez “Coreto” para Gal Costa cantar, mas tomou-a de volta quando percebeu que o refrão (que canta “Alpha by night” em homenagem à versão clássica rádio de sala de espera paulistana) a conectava com o universo do karaokê, que é adepta, rindo sem graça quando lembrou que cantou uma música sua num destes estabelecimentos e ganhou a pior pontuação. Lembrou também de Rita Lee, quando tocou “Menino Bonito” logo após tocar sua “Malemolência”, cujo refrão repete o título da clássica da rainha do rock brasileiro com o grupo Tutti Frutti. Um domingo maravilha.
E essa que o Mita soltou hoje? O festival compensou a ausência do maestro Arthur Verocai, que tocará na versão carioca do evento ao lado do grupo Badbadnotgood no dia 27 de maio, em sua versão paulistana ao revelar que o levará para o Auditório Simon Bolívar, no Memorial da América Latina, para recriar seu clássico homônimo de 1972 ao lado de grandes parceiros como Mano Brown, Ivan Lins, Céu, Paula Santoro, Clarisse Grova e Carlos Dafé no mesmo fim de semana em que o festival acontece no Vale do Anhangabaú, no dia 11 de junho. Coisa fina!
Céu e Vanessa da Mata abriram a quarta temporada dos Encontros Históricos realizados na Sala São Paulo, acompanhadas da orquestra Brasil Jazz Sinfônica, regida pelo maestro João Maurício Galindo. Além do prazer de ter suas próprias composições arranjadas para uma orquestra e interpretadas neste espaço maravilhoso que é a Sala São Paulo, as duas tiveram o privilégio de abrir a edição 2023 de um projeto que visa tornar o local e o formato mais aberto ao público, trazendo uma nova audiência e popularizando um espaço que é visto como elitizado pela programação constante de música erudita. As duas tocaram acompanhadas pela orquestra primeiro sozinhas, quando desfilaram parte de seu repertório solo, e cantaram juntas dois clássicos da música brasileira (“Carinhoso” de Pixinguinha e “Dindi” de Tom Jobim), além de dividir vocal em duas faixas próprias: “Malemolência”, de Céu, e “Ai, Ai, Ai”, de Vanessa, que encerrou a noite. O Encontros Históricos promete outros grandes momentos no decorrer do ano reunindo Tom Zé e Lívia Nestrovski, Alaíde Costa e Fernanda Takai, Chico César & Mariana Aydar, Gaby Amarantos & Xênia França, Tulipa Ruiz & Liniker, entre outros.