Anna Vis + Jeanne Callegari: Fogo Fogo

Encerramos a temporada de abril no Centro da Terra com o espetáculo Fogo Fogo, concebido pela cantora, compositora, produtora e instrumentista Anna Vis e pela poeta e performer Jeanne Callegari, que traz sua já conhecida Máquina de Pesadelo para dar início no palco a uma parceria que começou em uma residência artística no mês passado e mistura ritmo, ruído e palavra em um forno criativo. A primeira apresentação da dupla acontece nesta terça-feira a partir das 20h e os ingressos estão à venda neste link.

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Na beirinha

Chegou ao fim nesta segunda-feira a jornada que Thiago França, Rômulo Froes e Rodrigo Campos se propuseram ao encarar a temporada 3 na Ribanceira que tomou conta das segundas de abril no Centro da Terra – e a quarta noite foi de pura celebração, com os três lembrando diferentes momentos de suas carreiras ao mesmo tempo em que recebiam dois cúmplices de encruza, ninguém menos que Juçara Marçal e Marcelo Cabral. A apresentação começou com Thiago segurando a respiração do público com seu mantra de fôlego circular no saxofone, abrindo caminho primeiro para Rômulo (com sua “Pra Comer”), depois para Rodrigo (que entrou com sua “Meu Samba Quer Se Dissolver”) e os três tocaram a marchinha “Adeus Saudade”, feita para um dos primeiros desfiles da Charanga do França. Depois entrou Cabral, tocando baixo elétrico, para acompanhá-los primeiro numa versão pagode para “Muro”, de Rômulo, e depois com a faixa-título do primeiro disco do baixista, Motor, esta já com a presença da segunda convidada, Juçara. Juntos os cinco, passaram por “Três Amigos” (do Metá Metá), “Ladeira” (do trio Sambas do Absurdo), “Queimando a Língua” (do primeiro disco da Juçara), “Presente de Casamento” e “Espera” (de Rômulo), “Califórnia Azul” e “Velho Amarelo” (de Rodrigo). A ausência da noite foi Kiko Dinucci, que não pode comparecer por questões pessoais e foi lembrado quando tocaram a bela “São Paulo de Noite”, do Thiago – ou “Dinucci”, como brincaram. Também foi sentida a ausência de qualquer canção do grupo Passo Torto, que tinha 3/4 de sua formação no palco. Entre as músicas o tom era de conversa de bar, com Thiago brincando que Juçara tinha o colocado no time dos saxofonistas compositores ao lado de Milton Guedes e Jorge Israel enquanto Rômulo fazia a genealogia de cada uma das canções. Ele ainda brincou que estava chegando na beira da ribanceira, “olhando o precipício e ele olhando de volta” pouco antes de um deslize de memória (quem viu viu) que veio antes do encerramento da noite e da temporada, quando emendaram “Fim de Cidade” e “Mulher do Fim do Mundo”. Uma noite especial – e Juçara ainda soltou um spoiler do que vem por aí…

Assista abaixo:  

O encontro de Anna Vis com Jeanne Callegari

Uma mudança súbita de percurso nos obrigou a adiar a apresentação que a cantora cearense Soledad faria no Centro da Terra no último dia deste mês e em seu lugar receberemos o encontro dessa dupla de artistas que acompanho desde o começo. Embora tenham trajetórias diferentes – uma é musicista, compositora e cantora, a outra é poeta e performer -, Anna Vis e Jeanne Callegari se conectaram a partir de uma residência artística que participaram no mês passado e vieram me procurar para apresentar uma proposta que queriam desenvolver juntas bem quando a Soledad me avisou que não poderia fazer seu espetáculo. Assim, aproveitei o calor da hora para aquecer esse match e as duas apresentam na próxima terça-feira Fogofogo, espetáculo que mistura poesia, ruído, texto, beats, samples e palavras. Os ingressos já estão à venda neste link. Em breve anuncio a nova data da Sol.

Pedro venceu o Abismo

Noite linda com Pedro Pastoriz encerrando o ciclo de seu Pingue-Pongue com o Abismo no espetáculo Replay, que teve vários momentos foda, desde a participação de Tomas Oliveira tocando taças, à ótima combinação entre os produtores do disco (Charles Tixier e Arthur Decloedt, ambos na eletrônica) e o baixista que atualmente acompanha Pedro (Otávio Cintra), que renderam versões excelentes tanto para os momentos mais delicados do disco (“Alzira”, “Chicletes Replay” e “Janela”), os mais pop (como “Dolores” e “Fricção”), as vinhetas e os mais intensos (como “Boogaloo” e “Faroeste Dançante”). Pedro ainda aproveitou para mostrar uma música inédita (“A Lua”) tocada apenas ao violão, além de “Assovio”, que tocou nesse formato. E mesmo temperando o show com seu humor entre o nonsense e a aparente falta de noção (que ele domina como poucos, principalmente ao conversar com o público), o momento mágico aconteceu quando chamou sua companheira Talita Hoffman – gravidaça – para dividir o palco tocando baixo enquanto ele seguia no violão, cantando duas músicas alheias que refletem o momento do casal, “Now Is Better Than Before”, de Jonathan Richman, e “Man in Me”, do Bob Dylan, que Talita disse ser uma piada muito boa para deixar passar, afinal, ela carrega um homem dentro dela. Foi a coroa para uma noite de astral altíssimo.

Assista abaixo:  

Pedro Pastoriz: Replay

Imenso prazer de receber o Pedro Pastoriz nessa terça-feira para encerrar a fase Pingue Pongue com o Abismo, nome de seu terceiro disco, lançado em 2020, que foi iniciada nesse mesmo palco há quase cinco anos, quando ele apresentou o primeiro rascunho ao vivo deste trabalho no espetáculo Este Show é um Teste. Agora ele volta ao teatro do Sumaré para encerrar esse ciclo com a apresentação Replay, que reúne seu atual círculo musical, com os dois produtores que o conduziram por esse processo – Charles Tixier e Arthur Decloedt -, os músicos que estão tocando com ele atualmente (o baixista Otávio Cintra e a tecladista Bibiana Graeff), o tocador de taças Tomas Oliveira (que também esteve no disco) e sua companheira, Talita Hoffmann, que toca baixo em algumas músicas, além da luz de Olívia Munhoz. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos podem ser comprados neste link.

Pérolas (ainda) desconhecidas

A terceira noite da temporada que Rodrigo Campos, Rômulo Fróes e Thiago França estão fazendo no Centro da Terra era um salto no escuro – e provou-se a melhor da temporada até aqui. Apresentando um repertório composto apenas por músicas inéditas, a noite contou com um elemento de experimentação que fez o trio baixar a guarda e assumir o aspecto laboratorial desta temporada chamada de 3 na Ribanceira. Pois lá estavam os três, soltando pérolas arquivadas no passado e músicas que tiraram da gaveta do período pandêmico sem pudor de recomeçar faixas, discutir letras, arranjos e melodias (“se o Ed Motta falou…” foi um comentário recorrente) e soltar farpas apenas para espezinhar uns aos outros, como quando Thiago lamentou que sua “Bodeado” havia ficado de fora do Barulho Feio de Rômulo ou quando este reclamou que uma música sua não entrou no Elefante que gravou com Rodrigo ano passado porque tinha “muita letra”. A pegação no pé mútua ajudava a dissipar o clima sério e por vezes soturno (pois algumas faixas haviam sido compostas durante a pandemia) de parte daquele repertório, que ainda trouxe uma composição de Ròmulo e Ná Ozzetti que havia sido tocada apenas uma vez exatamente naquele palco, em março do ano passado e a mesma “Cadê Meu Dinheiro?” que Campos lançou na primeira noite da temporada. A noite terminou com um aperitivo da próxima segunda, quando receberão Marcelo Cabral e Juçara Marçal para revisitar clássicos próprios, e Rômulo puxou sua “Espera”, que também havia sido tocada na primeira segunda-feira desta safra de shows.

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É sobre

Ao propor um jogo musical, literário e cênico cujas regras não estavam definidas, Juliana Perdigão conduziu com seu clarinete e palavras um grupo formado pelos teclados de Chicão, pelo contrabaixo acústico de Ivan “Boi” Gomes e os eletrônicos do produtor Barulhista a um universo em que som e palavra fundiam-se numa mesma coisa. O espetáculo-experimento Fraga?, que aconteceu nesta terça-feiro no Centro da Terra, abriu com Perdigão lendo o início do poema-livro Odisséia Vácuo de Renato Negrão, cheio de pausas e lacunas, como se fosse música, para depois passear por seu próprio texto Dúvidas (base de seu disco de 2020) e depois por versões deste mesmo texto feitas pela autora através do Chatgpt. E enquanto ela lia os textos, os instrumentos musicais trabalhavam como se estivessem construindo uma base que ficava entre o ambient e o jazz de improviso ao mesmo tempo em que soavam como se estivessem falando – fossem sozinhos ou conversando entre si -, criando uma atmosfera de sonho surrealista que seduzia, hipnotizava e ninava o público para algum lugar entre o consciente e o inconsciente, algo que era reforçado pelas projeções sutis e sombrias de Filipe Franco. Foi mágico.

Assista abaixo:  

Juliana Perdigão: Fraga?

Enorme prazer em receber a querida Juliana Perdigão no palco do Centro da Terra. Mineira atualmente radicada na Alemanha, aproveitamos sua passagem pelo país para que ela nos propusesse uma apresentação e ela veio com um jogo – ou melhor, um jogo de perguntas sem respostas. Acompanhada por Ivan “Boi” Gomes no baixo acústico, Barulhista nos eletrônicos, Chicão no teclado e Filipe Franco nas projeções e luz, ela apresenta Fraga? nesta terça-feira e continua um trabalho com voz falada e clarinete que iniciou no disco Dúvidas, lançado no ano da pandemia. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos podem ser comprados neste link.

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Roda no palco

O título da noite era Samba no Tablado e Thiago França, Rômulo Froes e Rodrigo Campos foram literais ao colocar a mesa da roda de samba no palco do Centro da Terra, colocando cadeiras ao redor da mesa e puxando o público para participar da celebração junto com eles no palco – quem não quisesse poderia assisti-los das poltronas, assistindo aos poucos os outros integrantes da audiência cantarolar os sambas, bater palmas e acompanhar os la-la-laiás típicos deste formato. Os três donos da temporada dividiam os vocais com quatro convidadas, as já anunciadas Victória dos Santos, Fernanda Sangirardi e Bia Falleiros e a convidada surpresa Mari Tavares. Enquanto Thiago e Rodrigo puxavam harmonias com os cavaquinhos, Mari e Victória revezavam-se entre instrumentos de percussão enquanto o grupo desfilava clássicos eternos do samba (“Diz Que Fui Por Aí” do Zé Keti, “Ainda Mais” e “Argumento” do Paulinho da Viola, “Mora Na Filosofia” de Monsueto, “O Sol Nascerá” de Cartola e “Luz Negra” de Nelson Cavaquinho), reverenciavam as grandes damas Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Beth Carvalho e Clementina de Jesus (“Na Linha do Mar”, “Na Hora Da Sede”, “Acreditar”, “Sonho Meu”. “Alguém Me Avisou” e “Vou Festejar”) e novos clássicos do pagode (“Malandro”, “Eu e Você Sempre” e “Tendência” de Jorge Aragão, “Será Que É Amor” de Arlindo Cruz, “Conselho” e “Trilha do Amor” do grupo Revelação e “Ainda É Tempo Pra Ser Feliz” de Zeca Pagodinho), além de passar por Gil e Caetano (“Desde Que o Samba É Samba”) e uma do próprio Campos (“Fim da Cidade”). A empolgação da roda teve de chegar ao fim devido ao horário do teatro e a falta de cerveja no palco, mas tinha tudo pra varar horas de samba.

Assista abaixo:  

Cocção livre

Nesta terça-feira, o trio Música de Selvagem convidou o público do Centro da Terra para uma viagem densa que, ao mesmo tempo em que desbravava fronteiras de linguagem, lentamente aquecia sentimentos e neurônios ao apresentar o conceito de sua apresentação Cru/Cozido, inspirado no trabalho do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, inspirador do disco Pensamento Selvagem, lançado em 2021. O disco original, fruto do processo de isolamento do período pandêmico, misturou os instrumentos do trio (o baixo de Arthur Decloedt, os sopros de Filipe Nader e a percussão de Guilherme Marques) às incursões vocais de Inês Terra e às eletrônicas de Luisa Putterman – tudo gravado à distância e trabalhado em três partes de pós-produção dirigida por cada um dos integrantes do grupo. O trabalho de 2021, portanto dividido em três atos, foi seccionado em 94 partes, sendo que três delas apresentavam cada um dos atos. Para cada uma das 91 partes do trabalho, a artista gráfica Maria Cau Levy criou uma capa específica e todos esses 91 recortes visuais estavam espalhados pelo palco do teatro do Sumaré, de onde o público pode assistir à apresentação. Grudados na plateia, os instrumentistas não precisaram nem de microfones, deixando este apenas com Inês, que ainda processava sua própria voz no meio das diferentes camadas de improviso livre propostas pelo encontro. No lugar de Putterman, que não estava na cidade, o trio chamou o trompetista Rômulo Alexis, que alternou seu instrumento com apitos e flautas, complementando os malabarismos vocais de Inês. Como no disco, o espetáculo foi dividido em três partes, cada uma delas mostrando o processo de transformação da comida que mudou a cara da civilização, apresentando primeiro o estado cru para depois mostrar a metamorfose do momento de cocção para finalmente exibir a última etapa, já cozida. As três partes misturavam ataques coletivos com duos entre diferentes integrantes da apresentação, todos temperados pela luz que ia da penumbra ao calor de cores quentes, numa apresentação curta que ao mesmo tempo pareceu suspender nossa noção de tempo.

Assista abaixo: