1° de dezembro – Os Sex Pistols falam “fuck” pela primeira vez na TV, Neil Young é processado pela gravadora por mudar seu som e Kenny G segura uma nota por 45 minutos
2 de dezembro – Rod Stewart chega ao topo plagiando Jorge Ben, Bowie lança seu primeiro single e o porco inflável do Pink Floyd escapa
3 de dezembro – Os Beatles conhecem Brian Epstein, é exibido o 1968 Comeback Special de Elvis e Bono recupera seu laptop perdido – com o disco novo do U2
4 de dezembro – Um incêndio inspira a faixa-símbolo do Deep Purple, o Led Zepellin anuncia seu fim e morre Frank Zappa
5 de dezembro – Bob Marley faz show dois dias depois de ser vítima de um atentado, Black Flag lança o primeiro disco e Adele ultrapassa Amy Winehouse
6 de dezembro – O festival de Altamont encerra os anos 60 de forma trágica, morre Leadbelly e Elvis Costello se casa com Diana Krall
7 de dezembro – Otis Redding finaliza sua faixa-símbolo, os Beatles fecham sua Apple Store e Bowie aparece em público pela última vez
8 de dezembro – Nasce Sargentelli, morre John Lennon e o Metallica toca na Antártida
9 de dezembro – Vince Guaraldi põe jazz na trilha de Charlie Brown, o Chic chega ao topo das paradas e Ozzy sofre um acidente
10 de dezembro – A fundação do CBGB’s, a morte de Otis Redding e a queda que quase matou Frank Zappa
11 de dezembro – O primeiro show do Velvet Underground, Jerry Lee Lewis casa-se com prima de 13 anos e Mariah Carey leva o ringtone de ouro
12 de dezembro – O último show dos Doors, Ace Frehley quase morre eletrocutado num show e Mick Jagger vira Sir
13 de dezembro – Patti Smith lança Horses, o semanário inglês Melody Maker acaba e Beyoncé lança um disco-surpresa
14 de dezembro</strong> – O Clash lança London Calling, Os Embalos de Sábado à Noite estreia no cinema e morre Ahmet Ertegun
15 de dezembro – Dr. Dre lança The Chronic, morre Glenn Miller e Taylor Swift chega ao topo com seu 1989
16 de dezembro – O fim do The Who, o hit de Billy Paul e o seguro na língua de Miley Cyrus
17 de dezembro – Elvis Costello é banido do Saturday Night Live, Dylan chega à Inglaterra pela primeira vez e morre Captain Beefheart
18 de dezembro – Nasce Keith Richards, os Beatles iniciam sua última temporada em Hamburgo e Rod Stewart toca para 35 milhões de pessoas
19 de dezembro – Madonna ultrapassa Coldplay, Lady Gaga, Jay-Z e Kanye West, o roadie de Henry Rollins morre assassinado e Elton John emplaca seu primeiro hit nos EUA
20 de dezembro – Adele chega ao topo de 2012, Joan Baez é presa por protestar contra a guerra e morre Reginaldo Rossi
21 de dezembro – “Gangnam Style” é o primeiro clipe a bater um bilhão de views no YouTube, Elvis se encontra com Nixon e morre Júpiter Maçã
22 de dezembro – Morre o sambista e pesquisador Almirante, o pensamento vivo de Ronald Reagan em disco e a quase morte de um Motley Crue
23 de dezembro – É inaugurada a rádio pirata mais conhecida da história, Brian Wilson sofre um colapso nervoso e Ice Cube é expulso do N.W.A.
24 de dezembro – O último show dos Sex Pistols na Inglaterra, o primeiro show dos New York Dolls e o Nirvana começa a gravar seu primeiro disco
25 de dezembro – “White Christmas”, o single mais vendido de todos os tempos volta ao topo das paradas e morrem Dean Martin, James Brown e George Michael
26 de dezembro – Paul McCartney “morre” em um acidente de carro e os Beatles o trocam por um sósia, The Wall chega ao topo das paradas de discos e morre Curtis Mayfield
27 de dezembro – Show Boat inaugura o musical moderno, Leonard Cohen lança seu primeiro álbum e o Led Zeppelin, seu segundo
28 de dezembro – Dennis Wilson, dos Beach Boys, morre afogado no mar, Elvis Presley toma LSD e um câncer violento mata Lemmy
29 de dezembro – Morre Cássia Eller, o casal do Jefferson Airplane se separa e Aimee Mann casa-se com Michael Penn
30 de dezembro – Sinatra torna-se o primeiro ícone adolescente do mundo, o fim do Emerson Lake & Palmer e George Harrison é esfaqueado
31 de dezembro – Rod Stewart faz o maior show ao ar livre do mundo, o fim do Max’s Kansas City e Paul McCartney torna-se Sir
Um documentário narrado por John Peel. Já escrevi sobre o velho Don aqui e fiz um Vida Fodona especial pro mestre quando ele passou dessa pra outra.
Pule para os 1:15 e volte para 1974.
Penúltimo Vintedez de todos os tempos, o programa da vez começa ao som de gorjeios de aves silvestres, que dão ar para dois vinis classe: Mother Nature’s Son em que o Ramsey Lewis toca apenas versões para músicas do Álbum Branco dos Beatles e o primeiro e esperamos que não o único disco do Little Joy. E aí o papo vai da morte de Don Van Vliet à vinda do filho do Fela, passa por um documentário chamado Piranha e comenta sobre a ascensão de uma nova safra da música brasileira, não sem jogar João Gilberto, João Donato, Jorge Ben, Erasmo Carlos e John Lennon no meio da fumaça, as usual. E você já sabe que o seu programa de rádio falado favorito já tem RSS, né. Olhaê.
http://anosvintedez.podomatic.com/rss2.xml
Baixe ou dê play, mas junte-se à conversa. E quem ouvir até o fim ainda ganha uma intimação pessoal.
Ronaldo Evangelista & Alexandre Matias – “Vintedez #0006“ (MP3)
Um réquiem para um gênio incompreendido.
Captain Beefheart & His Magic Band – “Sure ‘Nuff ‘n Yes I Do”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Woe-is-uh-Me-Bop”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Dachau Blues”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Safe as Milk”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Abba Zabba”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Big Eyed Beans from Venus”
Captain Beefheart & His Magic Band – “I’m Gonna Booglarize You Baby”
Captain Beefheart & His Magic Band – “The Smithsonian Institute Blues (or the Big Dig)”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Tropical Hot Dog Night”
Captain Beefheart & His Magic Band – “My Human Gets Me Blues (Instrumental)”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Trust Us”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Ella Guru”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Electricity”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Flash Gordon’s Ape”
Captain Beefheart & His Magic Band – “She’s Too Much for My Mirror (Instrumental)”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Nowadays a Woman’s Gotta Hit a Man”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Zig Zag Wanderer”
Captain Beefheart & His Magic Band – “Grow Fins”
Depois do fracasso no festival em Mount Tamalpais, em Los Angeles, tudo ia mal para Captain Beefheart & His Magic Band. Tocando pela última vez com Ry Cooder, o grupo enfrentava seu primeiro grande público, uma preparação para o festival de Monterey, que aconteceria em pouco tempo. Estamos em junho de 1967 e quando a banda entra no meio de “Electricity” e o vocalista Don Van Vliet é acometido de pânico de palco devido a uma viagem de ácido errada: o rosto de uma garota da platéia transformara-se num peixe e começava a soltar bolhas. Por algum motivo estranho, Don teve medo daquela visão bizarra e travou. Não conseguia mais cantar. Olhava pra cima, tentando desviar o olhar da menina, mas só conseguia inclinar-se para trás, andando vagarosamente de costas à medida que se afastava do microfone. Os outros músicos nada entenderam, mas continuaram tocando. Até que notaram pela ausência completa do vocalista. Deitado com as costas no chão atrás do palco, Vliet tremia com os olhos arregalados, sentindo um medo mortal. Depois deste incidente, o imaginário marítimo passa a fazer parte do universo das letras do Captain Beefheart. Depois deste incidente, Trout Mask Replica começou.
Todas as tentativas em transformar a Magic Band numa banda psicodélica que ao menos fosse sucesso de crítica sucumbiam na personalidade forte e controversa de Vliet, que gostava de fazer as coisas ao seu modo, fosse ele qual fosse. Depois do relativo sucesso do disco de estréia, Safe as Milk, a gravadora Buddah resolveu apostar no grupo e lhe deu orçamento para um disco duplo. It Comes to You in a Plain Brown Wrapper começou a ser ensaiado em 1967, mas logo os caras da gravadora perceberam que Don havia ido longe demais. Sua nova mania insistia que os músicos procurassem os limites da música e os ultrapassassem, uma diretriz provavelmente saída de suas viagens de ácido ouvindo discos de free jazz. A forma com que o vocalista conduzia os ensaios passou a irritar os músicos e o guitarrista Doug Moon foi o primeiro a sair, antes mesmo do disco ser lançado. Passaram a tesoura e transformaram-no no amorfo Strictly Personal, um disco abortado às pressas, sem os devidos cuidados finais. Chutados da Buddah, a banda viu-se sem dinheiro e sem perspectiva de carreira. Foi a vez do ex-baterista (e agora na guitarra) Alex Snouffer e do baixista Jerry Handley deixarem a Magic Band.
Os músicos que os substituíram eram devotos do trabalho de Don e seriam a base para o seu novo projeto musical. O baterista John French e o baixista Mark Boston tinham em Don uma espécie de modelo de artista, enquanto o guitarrista Bill Harkleroad havia acabado de sair de um culto de LSD (o único remanescente da antiga Magic Band era o guitarrista Jeff Cotton). Todos tinham a mesma idade, eram um pouco mais novos que Don, e se entendiam musicalmente muito bem. Uma química que iniciou-se entre French e Cotton (meros caçulas para Snouffer, Moon, Handley e Vliet) e se estendeu a Harkleroad e Boston à medida que eles entraram. Assim, Captain Beefheart passava a ter uma aura de líder, uma espécie de chefe comunitário que guiava, sem ter sua autoridade questionada, todo o grupo para um novo horizonte artístico.
Sem empresário nem gravadora, os cinco passavam por maus bocados. Mudaram-se todos para a mesma casa, em Woodland Hills, um subúrbio pacato e classe média de Los Angeles, que tornou-se o caldeirão de onde todas as idéias de Trout Mask Replica ebuliram. A única coisa que tinham a fazer da vida era tocar continuamente, para esquecer que estavam desempregados e sem dinheiro. De vez em quando alguém conseguia comida, que era distribuída de forma racionada e depois dos longos ensaios, para não acabar logo. O consumo de ácido, fácil de conseguir naqueles tempos pré-Woodstock, e a situação precária da banda fizeram com que eles se dedicassem praticamente de forma integral à música. Durante as noites, não era raro sumir um pedaço de pão ou uma parte da manteiga. “Eu cheguei a beber xarope de panqueca”, confessou French.
Diariamente, dedicavam-se a horas a fio tocando as músicas que Don cantava, assobiava ou tocava ao piano. Sem nenhum conhecimento técnico musical, ele imaginava as frases e pedia para que a banda tocasse, gravando os ensaios e empilhando as fitas num canto da casa, ouvindo-as procurando determinados trechos enquanto a banda se matava para encaixar diferentes frases em tempos e tons diferentes que cada instrumento tocava. “Não toco músicas, toco músicos”, gabaria-se mais tarde. Até que um dia o gravador quebrou. O baterista John French sugeriu que, em vez de gravar, eles deveriam escrever as partes musicais em partituras. Se oferecendo para transcrever todas as partes, o jovem e inocente baterista mal sabia a enrascada que estava se metendo.
Pois passaria a transcrever tudo que Beefheart tocava ao piano, além de escrever as partes de cada um dos instrumentos e ensiná-las a cada um dos músicos. Todo este trabalho transformava French no sujeito que mais trabalhava na banda, transcrevendo partituras por pelo menos quatro horas depois dos ensaios acabarem, quando todos já haviam ido dormir. Mas o colocou como peça-chave no processo de composição do álbum: era ele quem arranjava os delírios musicais de Van Vliet para o resto do conjunto.
Os ensaios que ajudaram a compor o disco eram tensos e caóticos. Cada um dos músicos tinha seus dias de sofrimento, quando Don o escolhia para ser crucificado em público, massacrando-o mentalmente até conseguir, graças à raiva injetada, performances terrivelmente apaixonadas. As brigas eram constantes e os ensaios normalmente tinham um intervalo de três horas em que a banda se engalfinhava entre si, todos paranóicos por culpa do excesso de ácido e pela falta de recursos. Usavam a música como terapia, mas eram constantes as crises de choro e as tempestades de emoção pelos corredores da casa na Estrada Drive. Cotton, French e Boston tentaram fugir várias vezes, descobertos em cima da hora por um intimidante Don. Boston escondeu suas roupas num buraco na calçada no fim da rua, para fugir enquanto dava uma escapada, mas foi impedido. French saiu da banda no meio de um ensaio, mas Don o obrigou a escrever todas as suas partes de bateria e percussão antes de deixar o grupo, durante quatro horas seguidas.
Foi quase um ano sob a pressão maníaca exercida pela personalidade de Don Van Vliet e pela obsessão em entrar naquele novo mundo musical. Pouquíssimas pessoas tinham contato com os músicos da banda e a convivência diária os tornou inimigos mortais porém inseparáveis, como piratas num mesmo navio. Entre os poucos que visitaram aquela casa, estava um primo de Vliet, Victor Hayden, que passou a fazer duetos de sax e clarineta com Don, sendo que nenhum dos dois tocava os instrumentos. Hayden foi incluído no grupo e se tornou o favorito de Beefheart, numa clara intenção de deixar os outros músicos enciumados. Outro visitante foi Doug Moon, que tocou uma guitarra base de blues sobre a qual Don improvisou China Pig (na versão que ouvimos no próprio disco). Ao serem perguntados por Don sobre o porquê eles não conseguiam tocar da mesma forma que Moon, um ácido Harkleroad respondeu pelo grupo: “Talvez porque estejamos há nove meses tocando por 12 horas por dia justamente o contrário disso”.
Mas nenhuma presença naquela casa foi tão decisiva quanto a de Frank Zappa. Foi ele quem viu e ouviu o que acontecia naquela casa e decidiu lançar um disco. Contratou a Magic Band em seu novo selo, Straight (“careta”), e deu-lhes carta branca para gravar um disco duplo, registrando todas as músicas que pudessem. Zappa se dispôs a gravar o grupo em casa, registrando, em vários cômodos, a banda tocando como se estivesse filmando um documentário e não produzindo um disco. Estas gravações podem ser ouvidas no terceiro disco da caixa Grow Fins. Mas Beefheart não achou que Frank estivesse produzindo um disco e queria ir para o estúdio. Em quatro horas, tinham todo material gravado. Tudo que se ouve em Trout Mask Replica foi gravado de uma só vez; a banda só fazia um segundo take se por acaso se perdia no meio do caminho. Mas estavam há tanto tempo ensaiando que não precisaram de muito tempo para gravar tudo. O mesmo aconteceu com Beefheart, que dispensou os fones de ouvido para cantar suas letras absurdas, que misturavam clichês de blues com alegorias nonsense inspiradas na poesia beat e em viagens de LSD, todas tirada de seu “saco de letras”, um saco de pano onde guardava guardanapos, pedaços de papel e papelões onde anotava trechos de letras e imagens surrealistas a todo momento. Seu vocal estava mais afiado que nunca, atingindo diferentes oitavas, com um timbre seco e rasgado.
Irritado por ser o único do grupo com um apelido esquisito (que fez o engenheiro de estúdio Dick Kunc o batizar de Beerfart – peido de cerveja), Don colocou um nome em cada um de seus músicos. Assim, Mark Boston tornou-se Rockette Morton; Harkleroad, Zoot Horn Rollo; French, Drumbo; Hayden, The Mascara Snake; e Cotton, Antennae Jimmy Semens, criando uma tradição que reservaria para cada um dos futuros membros da Magic Band. Tiraram as fotos do encarte no enorme quintal da casa em Woodland Hills. Vestidos de forma esdrúxula, pareciam ter assaltado um armário de uma produção de cinema: Don com uma cartola e um sobretudo de pelúcia, Bill usando um poncho e uma calça três números menor que o seu; Cotton de boné e vestido; Drumbo com um enorme boné e um óculos robótico; Boston era o mais comportado, com seu cabelo black power. Para a capa do disco, o fotógrafo Ed Caraeff sugeriu que Don usasse uma cabeça de peixe como a réplica de máscara de truta que sugeria o título. O que vemos na capa é Vliet segurando uma cabeça de carpa (e não de truta) na frente de seu rosto, numa sessão de fotos que durou duas horas e o deixou enjoado com o cheiro do peixe. A audição do disco aconteceu na casa de Zappa, que, em sua autobiografia, lembrou que a banda compareceu à sessão bem vestida, “como se fossem à missa”.
Desde a desconexa “Frownland”, que abre o disco, todas as faixas de Trout Mask Replica são o produto de horas infindáveis de ensaio em condições psicologicamente instáveis e um desejo único de transpor os limites conhecidos da música através do rock. O álbum atravessa por delírios a capella de Van Vliet (“The Dust Blows Forward ‘N The Dust Blows Back”, “Well”, “Orange Claw Hammer”), ataques iconoclastas (“Hobo Chang Ba”, “Neon Meate Dream of a Octafish”, “The Blimp”, “Old Fart at Play”, “Bills Corpse”, “Fallin’ Ditch”, “Steal Softly Thru Snow”), blues surrealistas (“Sugar ‘N Spikes”, “She’s Too Much for My Mirror”, “Moonlight on Vermont”, “Ant Man Bee”, “Dachau Blues”, “China Pig”), boogies tribais (“When Big Joan Sets Up”, “Pachuco Cadaver”, “My Human Gets Me Blues”, “Ella Guru”, “Sweet Sweet Bulbs”, “Hair Pie: Bake 2”), um dueto entre Beefheart e Mascara Snake (“Hair Pie: Bake 1”), desconstruções detalhadas (“Dali’s Car”, “Pena”, “Wild Life”, “Veteran’s Day Poppy”) e outras idiossincrasias. Jeff Cotton assumiu os vocais em duas faixas (“Pena” e “The Blimp”), sendo que esta última foi gravada por Zappa pelo telefone, quando Don ligou desesperado procurando Frank para capturar o momento exato. Zappa topou e gravou, enquanto Art Tripp e Roy Estrada (coincidentemente, dois futuros membros da Magic Band) ensaiavam o groove tenso da faixa Charles Ives, de Zappa. A versão que ouvimos no disco é exatamente o que foi gravado pelo telefone.
Observadas como um todo, as faixas do disco formam um conjunto da música mais desafiadora feita por uma banda de rock. Como o free jazz fez com o jazz e a música de vanguarda erudita fez com a música clássica, Trout Mask Replica mostrou ao rock que não existem limites quando o que está em jogo é a arte, a manifestação individual do espírito através da música. Propositadamente desconfortável, o disco atinge uma atmosfera mágica depois que entramos em sintonia com seu universo, provando que a beleza está no olho de quem vê – e no ouvido de quem ouve.
Essa doeu – nem 70 anos… Peraê que eu vou desenterrar uns textos meus sobre o cara…
Aproveitei o lançamento de duas coletâneas em 1999 pra contar a história do velho capricorniano. Na época ele já era inacessível, excêntrico, incomunicável e, dizia-se, talvez doente terminal. E agora aproveito sua passagem para lembrar daquela história. E era mais ou menos assim…
Muito além da música
Duas coletâneas – a antologia The Dust Blows Forward e a caixa Grow Fins: Rarities 1965-1982 – traçam a carreira errática de uma das bandas mais influentes da música popular moderna: Captain Beefheart & His Magic Band
A fronteira final da música talvez seja a base de sua atual sustentação. Uma série de códigos e regras que, seguidos à risca com a porção certa de criatividade e talento, podem nos proporcionar momentos de prazer e diversão inigualáveis. Mas poucos percebem que a técnica, ao contrário de uma ferramenta, pode ser uma barreira que limita a criatividade. Noções de ritmo, afinação, arranjo, harmonia e melodia restringem as possibilidades humanas de exercer sua própria individualidade através da música. É aí que entram Captain Beefheart & His Magic Band.
Relembrados através de dois lançamentos recentes (a coletânea The Dust Blows Forward, da gravadora Rhino, e a caixa Grow Fins: Rarities 1965-1982, da gravadora Revenant), o mutante grupo californiano chefiado pelo excêntrico Don Van Vliet, “o único que merece o título de gênio nesta história de rock’n’roll”, segundo o respeitável radialista inglês John Peel. Com as duas antologias (dupla e quíntupla, respectivamente), o bando de Beefheart ganha duas versões distintas: uma bela história oficial (reunindo os singles antes do primeiro disco, trechos de gravações com Frank Zappa e versões raras) e uma extensa análise audiovisual através dos bastidores da Magic Band, com um livro de 110 páginas escritas por uma das armas secretas do grupo, o baterista prodígio e multiinstrumentista John “Drumbo” French.
Don nasceu no dia 15 de janeiro de 1941, num subúrbio de Los Angeles. Desde pequeno já mostrava talento para a arte, quando impressionava parentes e professores (e, mais tarde, outros artistas) com suas pinturas e esculturas. Temerosos que o mundo da arte pudesse engolir seu filho (principalmente seu pai, Glenn, que pensava em “gay” sempre que ouvia falar em “arte”), o casal Vliet mudou-se com seu filho único – então com treze anos – para o interior da Califórnia, em uma cidade chamada Lancaster, no meio do deserto Mojave.
Em Lancaster, as coisas começariam a mudar. Primeiro foram os discos de blues descobertos pelo jovem Don (que começaria a assinar com o “Van” do meio – que não é de batismo – a partir dessa época). Como para parte de seus contemporâneos, o rock’n’roll foi só a porta de entrada para o mundo mágico do blues, com suas lendas urbanas e mitos modernos. Nomes como Muddy Waters, Sonny Boy Williamson, John Lee Hooker, Howlin’ Wolf, entre outros, passaram a fazer parte de uma galeria de super-heróis inatingíveis, e, como a maioria de seus pares, Vliet passou a tocar um instrumento, no caso a gaita.
Nesta mesma época conheceu Frank Zappa, que mais tarde abriria seu primeiro estúdio (o Estúdio Z) na minúscula cidade de Cucamonga, perto de Lancaster. No estúdio de Zappa, sessões de rock’n’roll, country, doo-wop e surf music se arrastavam enquanto o jovem proprietário e aprendiz de empresário tentava apurar sua veia pop produzindo singles. Nas horas vagas, o estúdio funcionava como laboratório para as idéias bizarras de Zappa, entre elas a trilha sonora para um filme imaginário chamado Captain Beefheart versus The Grunt People. O nome Captain Beefheart fora inventado por Zappa a partir de uma história contada por Don, de um tio seu, um velho major do exército, que gabava-se do tamanho de seu pau, comparando-o a um pedaço de carne do tamanho de um coração humano. Em pouco tempo, Zappa passaria a chamar Vliet de Captain Beefheart e o apelido pegou – Vliet então passou a inventar explicações ainda mais absurdas (mas menos constrangedoras) para falar de seu nome.
O estúdio Z também servia de sala de ensaio para algumas bandas amigas de Zappa e alguns músicos ficavam lá direto, tocando com todos que aparecessem. A partir daí começava a surgir a Magic Band. A base desta estava no grupo The Omens, um supergrupo de rhythm’n’blues com 11 integrantes. Beefheart juntava-se ao grupo de vez em quando, tocando gaita e cantando. Sua voz era seca e rasgada, lembrando os velhos discos de Howlin’ Wolf e ele não apenas tocava gaita bem como sabia várias músicas de cor, a ponto de inventar seus próprios blues na hora em que cantava. Ele ganhou o respeito do baixista Jerry Handley e do guitarrista Alex Snouffer. Em pouco tempo, Snouffer e Handley se juntariam ao guitarrista Doug Moon e ao baterista Paul Blakely (ou mesmo Frank Zappa e mais tarde Vic Mortensen) em jams que mostravam que algo novo poderia sair dali.
Mortensen sairia e Snouffer assumiria a bateria, deixando a segunda guitarra nas mãos de Richard Hepner. Com esta formação, conseguiram um contrato com a gravadora A&M, com quem gravaram o single Diddy Wah Diddy, em 1965, uma velha canção de John Lee Hooker. Uma jovem banda de rhythm’n’blues, a já batizada Magic Band destoava das outras de sua época pelo vocal envelhecido de Don e pelo peso ao vivo, responsável por bem sucedidos shows. Mas mesmo tendo caído no gosto de um dos DJs mais cultuados dos anos 60, Wolfman Jack, o primeiro single do grupo encontrou um pequeno obstáculo pela frente: uma banda chamada Remains havia gravado a mesma música do outro lado dos Estados Unidos e o sucesso das duas versões fez com que ambos grupos falhassem em alcançar o sucesso em todo país.
Ao mesmo tempo, o grupo começava a experimentar. Trocando a cerveja por maconha e LSD, o grupo mergulhou na psicodelia como a maioria das bandas de então. Mas foi motivo suficiente para que Beefheart aos poucos assumisse o controle do grupo, escolhendo as músicas e compondo novas letras. Cada vez mais influenciado pela poesia beatnik e pela conexão da psicodelia com o surrealismo, Don queria soltar as suas idéias musicais, cada vez mais influenciadas por jazzistas como Ornette Coleman, John Coltrane e Albert Ayler. Mesmo sem saber tocar nenhum instrumento, começava a ensinar (cantando e assobiando as partes) para seus músicos o que queria. Esta nova opção musical os tirou da A&M, que os achou muito “negativos”. Mas eles encontraram novo lar na gravadora Buddah, de Los Angeles.
Sem Hepner, a segunda guitarra foi assumida por Ry Cooder (que tocava num grupo de Lancaster chamado Rising Sons). Nesta época, um velho fã do grupo entrou na banda tocando bateria e a entrada de John French liberou Alex Snouffer de volta à guitarra. Mas o novo som que Beefheart vinha conduzindo na banda, assustou o guitarrista Doug Moon, que deixou a banda antes que ela gravasse Safe as Milk em 1967. Bem recebido pela crítica, o disco logo se tornaria comercial demais para o amálgama de free jazz e blues tradicional que a banda vinha conduzindo. Ry Cooder deixou o grupo e Jeff Cotton entrou em seu lugar e a banda cada vez mais se afundava na versão particular e libertária que Beefheart tinha para a música. Sua música interior não tinha barreiras e provava isso ao começar a trazer instrumentos de sopro para o ensaio, tocando-os sem nunca ter aprendido uma nota na vida. O caos desordenado propulsionado pela música de Don começava a infectar os antigos músicos, que deixaram a banda pelo mesmo motivo de Moon (não sem antes lançar o desconexo Striclty Personal). Assim, Handley saiu para a entrada de Mark Boston e Snouffer deu seu lugar para Bill Harkleroad.
Começa a grande metamorfose da banda. Todos se mudam para a mesma casa em Entrada Drive, no subúrbio de Woodland Hills, em Los Angeles, e passam a ensaiar continuamente, seguindo as instruções de Don. Sem conhecimento musical nenhum, Beefheart ensinava seus músicos as partes que queria ouvir e para isso faz com que cada músico aprenda após repetir por horas a mesma frase, sem com ele ao seu lado, assobiando o jeito certo. Isto gerava um nível de tensão que grudava na música, do mesmo jeito que a tristeza parecia sair do blues. A raiva com que os músicos tinham para contra a música tradicional era apimentada pela insistência insuportável de Vliet, que era visto pelos outros como um misto de maestro, guru e irmão mais velho. Respeitado e odiado, Beefheart ia aos ensaios só para dar palpites nas partes dos outros, passava a maior parte do tempo dormindo e ainda rebatizou os músicos com apelidos bizarros: Boston tornou-se Rockette Morton, Cotton era Antennae Jimmy Semens, French seria o Drumbo, Harkleroad tornaria-se Zoot Horn Rollo e o bicão Victor Hayden, The Mascara Snake. Era motivo de sobra para irritar a todos. Mas sempre que ele sugeria algo novo, os músicos – tomados por aquela tensão – respondiam com virulentas convulsões de ritmo, harmonia e melodia que se tornariam um dos mais ricos e subestimados álbuns de todos os tempos, Trout Mask Replica.
Lançado pelo selo de Frank Zappa na Reprise, Straight, o disco subvertia todas as noções de música tradicional conhecidas usando o rock’n’roll como base. Baixo e bateria travavam duelos constantes, preenchendo as lacunas deixadas pelos outros instrumentos com agressividade e ritmos atravessados. As guitarras zuniam frases que poderiam ser trechos de solo de blues, exercícios de atonalismo ou a simples repetição de notas desordenadas – muitas vezes as três coisas ao mesmo tempo. Por cima, Beefheart entoava seu canto primal, agressivo e multioitavado, em letras cujo nonsense parecia ter algum sentido, embora, como a música, indecifrável, amaldiçoado. Às primeiras audições, o disco afronta o bom gosto. Mas a intenção é justamente esta e logo ele está desafiando a sua lógica e lhe ensinando níveis de compreensão musical nunca alcançados antes na história da música popular moderna.
French (responsável com Harkleroad pela maioria das soluções para os problemas musicais sugeridos por Don) saiu da banda pouco antes do lançamento do disco e teve seu nome limado na capa. Em seu lugar, o músico erudito Art Tripp candidatou-se para a vaga. A aquisição de Tripp tinha como trunfo o fato do músico saber tocar teclados e instrumentos de percussão em geral e Don sugeriu que ele colocasse uma marimba (aquele parente caribenho do xilofone) na formação, tornando-se ele próprio Ed Marimba. Mas Drumbo voltou à banda no meio de 1970 e Ed ficou apenas no instrumento de seu sobrenome, que ganhou pontos com a saída de Jeff Cotton. Com a marimba fazendo as partes da segunda guitarra, gravaram Lick My Decals Off, Baby, o disco favorito do grupo e tão importante quanto Trout Mask Replica, cujo tema era basicamente sexo (“o sentido da vida”, segundo o dono da banda).
Contratados pela gravadora-mãe da Straight, a Reprise, o grupo grava dois discos quase seguidos e semelhantes, The Spotlight Kid e Clear Spot. Ambos discos foram rejeitados pelo conjunto por soarem muito blues, direção que a gravadora preferia que o grupo seguisse. Esta fase assiste a entrada de dois músicos da banda de Frank Zappa; o guitarrista Elliot Ingber, que torna-se Winged Eel Fingerling, e o baixista Roy Estrada, renomeado Orejón, além da volta de Alex Snouffer à terceira guitarra. A banda muda novamente de gravadora (indo para a inglesa Mercury) e lança outros discos sob a influência do empresário Andy DiMartino, que queria transformá-la numa banda comercial, Unconditially Guaranteed e Bluejeans & Moonbeans.
Insatisfeitos com a forma que Vliet vinha tocando a banda, a Magic Band deixou Beefheart sozinho às vésperas da turnê de lançamento de Unconditionally…. DiMartino juntou uma banda às pressas para acompanhá-lo, recrutando músicos de rock da noite de Los Angeles, sujeitos com calças jeans e jaquetas de couro, que não tinham a menor noção do que se passava na cabeça de Don. Esta versão da Magic Band entrou para a história corretamente como a Tragic Band. A antiga Magic Band lança alguns discos com o nome de Mallard (Harkleroad, Boston e Tripp, ao lado do vocalista Sam Galpin, um projeto paralelo que não deve nada aos bons momentos com o velho capitão.
O ano de 1975 assiste a reconciliação de Vliet com Frank Zappa, com quem havia brigado após sua saída da Straight. Conhecido pelos fãs de Zappa por seus vocais em uma de suas faixas mais conhecidas (Hot Rats, de 1971), Vliet torna-se membro honorário da banda do velho amigo, os Mothers of Invention, no disco One Size Fits All, e entra em turnê com o grupo em shows que mais tarde viriam ao público com o nome de Bongo Fury, creditado aos dois artistas. No mesmo ano, Don volta a reativar a Magic Band recrutando velhos comparsas (French e Ingber) e novos cúmplices, antigos fãs do trabalho do grupo: o percussionista Jimmy Carl Black (Indian Ink), o trombonista (que tocava as partes do baixo) Bruce “Fossil” Fowler e o guitarrista Greg Davidson (Ella Guru). Com esta formação, a Magic Band toca um lendário show no festival de Knebworth, na Inglaterra, sendo aclamada por mais de 25 mil pessoas, antes dos shows do Pink Floyd e da Steve Miller Band. O show tornou-se um dos mais conhecidos discos pirata da banda.
Em 1976, reúne uma nova banda, formada por jovens entusiasmados pela então explosão de possibilidades do punk rock. Além de Don e French, a nova Magic Band é formada pelos guitarristas Jeff Morris Tepper (White Jew) e Denny Walley (Walla Walla) e pelo tecladista John Thomas. Novamente, Frank Zappa surge na história de Beefheart, desta vez como produtor do disco Bat Chain Puller, um álbum abortado em cima da hora pelo próprio Zappa, que queria ter controle sobre as fitas master do disco (embora o próprio Frank afirmasse que não havia produzido o disco, que teria sido bancado – através de seu recém-demitido advogado, Herb Cohen – com os royalties dos discos de Zappa). Arquivado, o material do disco só veria a luz do dia oficialmente nos próximos três discos do grupo, embora a versão original seja outro conhecido pirata de Beefheart.
Bat Chain Puller se tornou o subtítulo do novo disco de Beefheart, Shiny Beast, que contou com uma nova Magic Band. Tanto a versão pirata como a oficial mostravam a banda expurgando os dias de Andy DiMartino com gosto, voltando às experimentações dos primeiros discos e indo além. Com o sangue novo de músicos como o baixista e tecladista Eric Drew Feldman (Black Jew Kitaboo), o baterista Robert Williams (Wait for Me), o guitarrista Richard Redus (Mercury Josef), Shiny Beast marca a volta de Beefheart aos bons tempos e a boa forma ainda lhe daria paciência e disposição para outros dois ótimos discos, Doc at the Radar Station (de 1980) e Ice Cream for the Crow (de 1982), ambos lançados pela Virgin. Passou a se dedicar à pintura e, devido a conselhos de gente do meio, largou a música para se dedicar exclusivamente às telas, terreno em que foi recebido com os mesmos elogios que tinha na música, tendo exposições freqüentes com seu nome. Nunca mais gravou nada e se recusa a dar entrevistas – principalmente se o assunto for música.
As duas compilações traçam com perfeição sua extravagante e criativa carreira. The Dust Blows Forward traz desde as faixas dos tempos da A&M (as ótimas Diddy Wah Diddy e Frying Pan) até trechos de Bongo Fury e da trilha sonora do filme Blue Collar, que Vliet participou em 1978 e é o melhor cartão de visitas para a discografia errática de Beefheart. Já Grow Fins é para iniciados. O primeiro CD traz várias demos e versões inéditas para faixas da fase pré-Safe as Milk. O segundo é dedicado à transição de banda psicodélica ao combo esquizofrênico que o grupo se tornaria. O terceiro – um dos melhores – nos presenteia com vários trechos de ensaios do mágico Trout Mask Replica, quase todos sem vocais, nos deixando livres para apreciar às mudanças climáticas das canções. O quarto disco traz trechos em vídeo de algumas apresentações da banda, em shows, na TV e até na praia (!). O último CD compila raridades da década de 70, com vários shows, demos e outtakes, além de entrevistas para rádios em que Beefheart dá canjas por telefone. Qualquer um dos lançamentos faz jus à importância que Beefheart tem para a música moderna, embora esta ainda esteja longe de ser medida em toda sua amplitude. Escolha um e vá fundo – se você gosta de música moderna, não há como se arrepender.
Safe as Milk (Buddah, 1967)
A estréia em álbum do grupo traz mais uma banda branca de rhythm’n’blues cedendo às extravagâncias da psicodelia. A encarnação mais pesada do grupo alça vôos consideráveis em faixas como “Electricity”, “Abba Zabba”, “Zig Zag Wanderer” e “Call On Me”, mas era apenas o começo. É a única aparição oficial de Ry Cooder como guitarrista do grupo.
Strictly Personal (Blue Thumb, 1968)
Renegado pelos músicos originais, este disco marca a transição fundamental que transforma a Magic Band para sempre. Guiado pelo free jazz, ele faz com que todos os músicos sigam seus instintos (a regra subliminar da narcótica “Trust Us”) enquanto Beefheart transforma seu surrealismo beat num blues de um universo paralelo. É a primeira vez que um personagem básico do novo som da banda aparece em público: o baterista John “Drumbo” French.
Trout Mask Replica (Straight, 1970)
“Composto em oito horas e meia”, como reza a lenda, Trout Mask Replica é o resultado de um ano inteiro vivendo na lendária casa de Entrada Drive, em Los Angeles, e o começo da estranha química e da tensão negativa imposta por Vliet aos outros músicos. Vivendo a pão e água, eles passavam tardes e noites inteiras ensaiando sem parar. Drumbo saiu antes do disco ser lançado e seu nome foi cortado dos créditos, mas sem ele (e a guitarra de Zoot Hoot Rollo e o baixo de Rockette Morton), o disco seria completamente diferente.
Lick My Decals Off, Baby (Straight, 1970)
Com Ed Marimba no lugar de Antennae Jimmy Semens, a mesma banda de Trout Mask Replica embala mais um álbum duplo cheio de desafios à compreensão mediana dos limites da música. Faixas como “The Smithsonian Institute Blues (The Big Dig)”, a cubista “Woe-Is-Uh-Me-Bop”, “Flash Gordon’s Ape” e “Doctor Dark” nos levam aos mesmos confins da criatividade do disco anterior. O disco marca o envolvimento de Don com sua esposa Janet (que dura até hoje), o que pode ter contribuído para o tema ser basicamente sexo.
Mirror Man (Buddah, 1971)
Strictly Personal originalmente seria um álbum duplo e se chamaria It Comes to You in a Plain Brown Wrapper (referência ao envelope de papelão que acabou se tornando a capa de SP). Mirror Man é a parte gravada do que seria o segundo disco do original de 68, caso a gravadora não tivesse pedido para reduzir os custos. O disco é composto por longas faixas com poucos acordes, uma espécie de Velvet Underground californiano tocando um blues de Muddy Waters no lugar de “Sister Ray”. Lançado em 1971 devido ao sucesso cult experimentado pelo grupo, que foi até capa da Rolling Stone no ano anterior.
The Spotlight Kid (Reprise, 1972)
Novamente com um segundo guitarrista (no caso Winged Eel Fingerling), cujo estilo contrastava com o de Zoot Horn Rollo. O choque entre as duas guitarras torna-se semelhante ao do bateria com o baixo e a presença da marimba é tão hipnótica quanto a do vocal inspiradíssimo do líder do grupo. Mais blues que os discos anteriores, The Spotlight Kid é uma obra-prima menor, cheia de grandes momentos, como a assustadora “Grow Fins”.
The Clear Spot (Reprise, 1972)
Começa a pior fase do grupo, por influência do empresário Andy DiMartino e do produtor Ted Templeman (que já havia trabalhado com Van Morrison e os Doobie Brothers). Mesmo os bons momentos – como a memorável “Big Eyed Beans from Venus” – não conseguem evitar fiascos como “Too Much Time”” e My Head is My Only House Until It Rains”, os momentos mais comerciais (no mau sentido) da história da banda.
Unconditionally Guaranteed (Mercury, 1974) / Bluejeans & Moonbeans (Mercury, 1974)
Os dois discos da Mercury são tidos como a pior fase da carreira de Beefheart, iludido com a possibilidade de sucesso comercial. As poucas músicas que se salvam desta época não dariam um EP decente, sequer.
Shiny Beast (Bat Chain Puller) (Warner, 1978)
Novamente sombrio e caótico, mas sem perder os vínculos com estruturas quebradas de ritmo e soluções musicais improváveis, o disco traz Van Vliet mais complacente com os novos músicos que, talvez por isso mesmo, soem tão à vontade através das canções. Além da faixa título, um dos grandes momentos é “Tropical Hot-Dog Night”, que traz o mágico casamento das marimbas de Art Tripp com o trombone baixo de Bruce Fowler.
Doc at the Radar Station (Virgin, 1980) / Ice Cream for the Crow (Virgin, 1982)
Don deixa-se influenciar pelo espírito jovem de seus novos músicos e volta à velha forma. Colhendo os frutos de seu legado em artistas tão diferentes quanto Sonic Youth, Devo e Pere Ubu, o velho Beefheart se aposenta após dois grandes discos, para apenas mostrar-nos o quanto era importante enquanto estava na ativa.