Bob Dylan, 70 anos

A Raq escreveu a capa do Caderno 2 de hoje sobre o aniversário de 70 anos do velho Bob e eu escrevi o texto abaixo, que foi no pé da página dela.

O último nome de um dos grandes legados norte-americanos

A importância de Bob Dylan pode ser medida de muitas formas. Ele foi um dos personagens centrais na luta pelos direitos civis nos anos 60, ajudou o rock a entrar na maturidade e se tornar o principal gênero musical da segunda metade do século passado, misturou alta e baixa cultura em letras que citavam a Bíblia, Shakespeare e os beats, expandiu a duração da música pop, fez a country music sair da Disney particular em que estava se enfiando (Nashville) e reabilitou Johnny Cash, apresentou maconha aos Beatles, duvidou (várias vezes) da religião, da cultura de seu tempo e dos próprios fãs. Montado no cavalo da contradição, foi o último caubói do Velho Oeste chamado Estados Unidos – ironicamente um judeu de Minnesota que fez sucesso entre os intelectuais nova-iorquinos.

Mas Dylan talvez mereça ser lembrado como o sujeito que salvou um dos maiores legados do século passado: a canção norte-americana.

Uma tradição que se iniciou quando definiram que os novíssimos discos de vinil não podiam carregar mais do que quatro minutos de música – e, portanto, não serviam para gravar música erudita. Foi inventado um gênero que misturava a tradição popular ao modelo fordista de produção – e logo os cânticos do povo eram enquadrados ao formato introdução-estrofe-refrão-estrofe-solo-refrão, que funcionou como terreno fértil para novos mestres como os Gershwin, Cole Porter, Irving Berlin, Johnny Mercer e Louis Armstrong. A canção popular, como o carro, o jeans, o cinema e o computador, é um dos grandes legados da cultura americana do século passado para a História.

Mas aí veio o rock, que começou truculento e rude como uma espécie de baião ianque, e a música começou a perder sutileza e nuances. Com o rock veio a guitarra elétrica e o barulho – e em menos de dez anos após a aparição de Elvis Presley, a canção norte-americana estava fadada a sumir sob uma avalanche de microfonia, berros e quadris sacolejantes.

E depois veio Dylan, a princípio quietinho com seu violão e voz mirrada, e chamou a responsabilidade para si. E fugindo do óbvio, detectou as principais tendências de seu tempo como forma de fugir delas. Negou o título de porta-voz de uma geração, foi elétrico quando ser elétrico era sinônimo de adolescência, se isolou no campo quando o movimento hippie veio bater à sua porta, não teve medo de expor seus sentimentos e ansiedades numa persona arredia, canta – até hoje – as mesmas músicas cada hora de um jeito diferente. Mas ainda são canções. Ainda seguem a tradição inventada no tempo em que o vinil era uma novidade tecnológica tão excitante quanto a música digital hoje em dia. Comemorar seu aniversário é obrigação de todos nós.

Impressão digital #0057: O DJ e as redes sociais

A minha coluna no Caderno 2 foi sobre o debate sobre música eletrônica e redes sociais que mediei no YouPix, semana passada.

O DJ e a internet
Redes sociais e vida noturna

No dia 2 de abril, a colunista do C2+Música Claudia Assef publicou o artigo A Música Eletrônica Cresceu Demais?, em que comentava que os hábitos noturnos de São Paulo haviam mudado e como a noite paulistana havia deixado de se importar com música. Conversando com Facundo Guerra, empresário da noite e dono de casas como o Lions e o Vegas, ela ouviu que “os clubes já não são mais templos de música. São extensões das redes sociais, ponto de encontro. O cara vai na boate pra encontrar aquela menina que ele cutucou no Facebook. A música virou trilha de fundo”. E com as redes sociais, o artigo correu sozinho pela internet, gerando comentários acalorados e discussões enfurecidas.

Foi o suficiente para que a publicitária Lalai Luna, que também produz festas, resolvesse entrar na discussão, incentivando-a. Lalai estava na curadoria de uma das áreas do festival YouPix, que cresce ano após ano e que pode ter fôlego para disputar com a Campus Party o título de principal evento de cultura digital do País. E resolveu convidar algumas pessoas para continuar a discussão iniciada nas páginas do caderno. Além da Claudia e de Facundo, Lalai também participou da mesa e chamou a blogueira e produtora de festas Flávia Durante, o produtor e publicitário Bruno Tozzini e o jornalista e DJ Camilo Rocha e este nada modesto missivista para mediar a mesa. O título da discussão era propositalmente polêmico – As redes sociais estão matando a música eletrônica? –, mas o debate fugiu de rusgas fáceis e a discussão chegou a alguns pontos interessantes, que resumo aqui.

Sim – a noite virou uma extensão das redes sociais. As pessoas estão realmente mais interessadas em “reencontrar” pessoalmente os amigos com quem passaram o dia conversando, seja no Twitter, via Gtalk, no Facebook ou pelo MSN. E não é que as pessoas deixaram de se interessar por música, mas é que elas querem ouvir músicas que já conhecem, daí um fenômeno recente – de uns dez anos para cá – do frequentador que pede música para o DJ, algo considerado profano nos tempos em que o DJ era o soberano da noite. Talvez isso ocorra porque as pessoas estão ouvindo menos rádio e encontram, na noite, uma alternativa à zona de conforto que era o rádio em seus dias de glória.

Acontece que o DJ está perdendo a importância vertical que tinha sobre a pista – algo que afetou qualquer área que tenha sido invadida pela internet. Do mesmo jeito que as indústrias da música, do cinema, dos games, das notícias, entre outras, a cultura noturna também foi afetada pela horizontalização imposta pela rede. Agora é hora de aprender a lidar com isso para seguir a história.

Beastie's back

Escrevi sobre o disco novo dos Beastie Boys no Caderno 2 de hoje.

Beastie Boys volta a atacar
Trio nova-iorquino reafirma sua importância na história do pop com o autorreferente Hot Sauce Committee Part Two

Faz um quarto de século em que três branquelas boca-suja deixaram de ser uma banda de hardcore fuleira para assumirem um dos papéis mais cruciais na história da música pop recente: ensinar para moleques bem nascidos como eles qual era a graça daquele novo gênero chamado hip hop. E 25 anos depois de mudarem o curso da música moderna com o disco Licensed to Ill, o trio nova-iorquino volta a reafirmar sua importância com o autorreferente Hot Sauce Committee Part Two, seu oitavo disco.

A história do novo disco começa no início de 2009, quando o grupo começou a mostrar algumas faixas novas em shows e festivais após o bem sucedido álbum instrumental The Mix Up, de 2007. Mas Hot Sauce Committee tem um prefácio a curto prazo, quando o grupo anunciou que o lançamento do disco seria simultâneo ao lançamento do média metragem Fight For Your Right Revisited. No filme, os Beastie Boys são interpretados pelos atores Danny McBride, Elijah Wood e Seth Rogen e revivem seus dias de arruaça quando entraram para a história da música moderna com sexo, cerveja e hip hop misturado com rock’n’roll. Até que encontram outros Beastie Boys, vividos por Jack Black, Will Ferrel e John C. Reily, que os desafiam para um concurso de break que acaba de forma tristemente infame, bem ao estilo das grosserias originais do grupo.

O filme de meia hora serviu como não apenas como aperitivo para o disco como foi lançado online poucas horas antes do disco vazar na internet, no fim de semana passado (seu lançamento “oficial” chega às lojas estrangeiras no início de maio). A reação do trio ao vazamento foi exemplar – e antes de eles mesmos deixar o disco inteiro para ouvir em streaming em seu site oficial (www.beastieboys.com), o trio também anunciou a audição do novo disco direto do Madison Square Garden, no sábado passado. E transmitiu ao vivo, do meio da quadra do ginásio, o disco sendo tocado em um velho aparelho de som portátil, típico dos rappers dos anos 80. Além do boombox, alguém fantasiado de gorila dava as caras na transmissão, vez por outra.

Mas o excesso de referências e de citações à própria carreira em todo o material promocional do disco se contrapõe à linha direta adotada pelo grupo no novo disco. Segunda parte de um disco cuja primeira parte foi adiada após o câncer de um de seus MCs (Adam Yauch, o MCA) ter sido diagnosticado e curado, o novo disco é primo de Hello Nasty, do final dos anos 90, em que voltavam ao hip hop old skool sem abandonar o humor e as visitas a gêneros diferentes. Nas e Santigold temperam Hot Sauce com participações incisivas e precisas, convidados mínimos da nova edição de um clube que já tem 25 anos de história. Longa vida aos Beastie Boys!

Impressão digital #0056: Aplicativos

E a minha coluna de ontem no 2 foi sobre aplicativos, antecipando o especial que fizemos nesta segunda-feira no Link…

Outros programas
Vivemos a era dos aplicativos

Houve um tempo em que dizia-se que o celular não era só um telefone móvel, mas também um dispositivo portátil de acesso à internet. Esse tempo já era. Estamos vivendo uma fase de transição que culmina com a extinção do computador pessoal, mas que começou justamente com a possibilidade de conectar um aparelho portátil à internet, inaugurado para as massas quando Steve Jobs apresentou o iPhone para o mundo, em janeiro de 2007.

O clichê que chamava o aparelho de “supertelefone da Apple” levava a crer que a revolução acontecia no hardware do celular, enquanto na verdade a grande novidade era seu sistema operacional, que funcionava online. Assim, seus programas ofereciam muito mais do que se fossem apenas instalados no próprio aparelho. Online, esses programinhas – chamados aplicativos – deixavam de fazer tarefas simples para ganhar funções impensáveis até mesmo para tradicionais programas de computador.

Fácil entender o porquê. Uma vez móvel, o aparelho ganhava qualidades impossíveis de serem aproveitadas num computador de mesa. Para começar, a mobilidade do aparelho permitia usar programas em que sua localização – e, portanto, de quem o usa – pudesse ter alguma utilidade. O mesmo pode ser dito aos sensores de movimento, que fazem o celular perceber se, por exemplo, você está o segurando com a tela na vertical ou horizontal. Una isso à câmera que filma e fotografa, microfone, sensores de luminosidade, a tela sensível ao toque e o fato de caber no bolso e, voilà, os programas de celular são muito melhores que seus companheiros dos velhos PCs.

Vivemos uma era em que o celular não é mais só um aparelho para fazer ligações ou conectar-se à internet. Com programas específicos, ele se metamorfoseia em todo tipo de ferramenta. Há aplicativos para achar o carro no estacionamento, que traçam o percurso que você precisa percorrer para chegar a algum lugar, que diz quais constelações estão acima de sua cabeça, que convertem medidas e moedas, que permitem edição de fotos e vídeos, entre um sem-número de opções.

A chegada dos tablets, que também usam esses aplicativos, e a popularização dos smartphones (celulares que acessam a rede) tornam esses programinhas cada vez mais onipresentes. E para quem quer saber por onde começar e quais os mais úteis e fúteis (afinal, lazer também está na agenda do celular móvel), basta ler a edição desta segunda do Link, o caderno de tecnologia e cultura digital do Estadão, que traz um guia para quem quer entrar nessa nova realidade móvel.

Impressão digital #0055: Rir na internet

Minha coluna de ontem no Caderno 2 foi sobre formas de rir por escrito, em tempos digitais.

“Kkkk”, “rs” ou “AHAHAH”?
Como é que você ri na internet?

Como você ri na internet? A pergunta parece não ter sentido se pensarmos na pessoa que está utilizando a rede sendo vista do lado de fora. Mas, uma vez online, o sorriso, o riso e a gargalhada pouco têm de biológico e são traduzidos em versões por escrito – e, não custa lembrar que, mesmo com vídeo, áudio, animações e links, a internet ainda é um meio primordialmente escrito. Assim, em e-mails, bate-papos por MSN, comentários em blogs, redes sociais e onde mais a conversa por escrito possa ser travada informalmente, a informação que avisa que o interlocutor está rindo ou brincando é sempre uma palavra, um emoticon ou uma sigla.

No fim do mês passado, o tradicional dicionário britânico Oxford incluiu algumas dessas siglas em seu léxico. Termos como “LOL” (acrônimo em inglês para “laughing out loud”, que quer dizer “gargalhando”), “BFF” (“melhores amigos para sempre”), “OMG” (“Oh meu Deus!”) e IMHO ( “na minha humilde opinião”) já faziam parte do vocabulário inglês até mesmo antes de a internet existir, mas foram popularizados, consagrados e oficializados naquele idioma graças à sua onipresença no diálogo por escrito.

(Cabe um parêntese aqui: o fato de o texto por escrito não permitir inflexões emocionais é um dos principais fatores do uso desse tipo de recurso e, portanto, de sua popularização. É muito fácil confundir o que está sendo escrito por alguém do outro lado da tela. Sutilezas podem passar despercebidas se vierem escritas exatamente como se fala. Um simples emoticon – aquela carinha feita com dois pontos e um parêntese, por exemplo – já agiliza bastante o lado de quem lê.)

Mas em português, ou melhor dizendo, no Brasil, essas siglas não são tão comuns. Há até quem ria escrevendo “LOL” no fim da frase. Mas eles são poucos e, em geral, vêm de gente que é bilíngue ou tem hábitos digitais mais frequentes que a maioria das pessoas.

E é aí que volto à pergunta inicial do texto: como você ri na internet? Eu rio “AHAHA”, mas há quem ria “KKKK” ou usando apenas uma abreviatura pálida para o termo “risos” (“rs”). E essas palavras não entrarão para o Aurélio ou para o Houaiss tão cedo, como já sabemos da resistência dos linguistas da língua portuguesa a esse tipo de “invencionice”.

E há quem se comunique por escrito apenas usando esse tipo de linguagem. Uma das formas mais comuns de texto escrito na internet brasileira é tida como assassinato do idioma para os puristas. Batizado de “tiopês”, esse português mal escrito surgiu de erros de digitação comuns e da agilidade exigida pela conversa por escrito – o nome veio do excesso de vezes que a palavra “tipo” é escrita e, portanto, mal digitada (virando “tiop”). Consagrada por novos humoristas como Misto Eleazar e Cersibon, esse português tosco não é utilizado por gente que não sabe escrever – mas sim como código territorial, idioma próprio, para afugentar quem é de fora, funcionando como uma enorme piada interna. Como as formas de rir na internet também o são.

A conexão Andy Warhol / Galaxie 500

Entrevistei o Dean Wareham ontem sobre os shows de hoje e amanhã aqui em São Paulo, para o Caderno 2

Uma visita a Andy Warhol
Dean Wareham, líder do Luna, homenageia o papa da pop art

“Neste exato momento estou preso no trânsito de São Paulo”, disse Dean Wareham, em entrevista por telefone. Isso foi ontem de manhã, o tempo estava fechado e ele havia acabado de chegar à cidade, onde fará dois shows, hoje e sexta-feira, no Sesc Pompeia.

Líder da mítica banda indie norte-americana Galaxie 500, ele vem ao Brasil pela segunda vez, quando faz duas apresentações diferentes, duas homenagens, uma a Andy Warhol e outra à sua banda original.

O primeiro show é creditado a ele e à mulher, Britta Philips, que também o acompanha em sua banda atual, o Luna. Britta também toca na sexta, embora ele seja anunciado como um show mais de Dean do que propriamente do casal, uma vez que Britta não fazia parte do Galaxie 500.

“Os dois concertos têm a mesma formação e estamos tocando há tanto tempo que praticamente não ensaiamos mais”, explica Dean Wareham, antes de dizer que, para os shows brasileiros, retomaram músicas do Luna, com quem veio ao Brasil em 2001. “Tocamos aqui exatamente uma semana após o atentado do 11 de setembro, por isso tenho boas lembranças daqui. Mesmo com o trânsito e a quantidade enorme de pessoas em qualquer lugar, a comida e o calor humano local nos fizeram muito bem numa época bem difícil de estar em Nova York”, lembra ele.

O espetáculo de hoje já vem sendo exibido desde o início do ano passado. 13 Most Beautiful… Songs for Andy Warhol’s Screen Tests traz a banda tocando sobre a projeção dos testes de elenco do pai da pop art, closes extremos em nomes conhecidos como Lou Reed, Dennis Hopper, Nico e Edie Sedgwick.

Além de músicas compostas para o show, também há versões para Bob Dylan (“I’ll Keep It With Mine”, que Dylan compôs para Nico) e do Velvet Underground (a rara “I’m Not a Young Man Anymore”). Feito para ser apresentado em museus e exposições de arte, o show já passou por retrospectivas de Warhol na Opera House de Sydney, no Lincoln Center de Nova York e no Museu de Arte Contemporânea de Chicago.

Mas passar por esses palcos fez o casal e sua banda terem vontade de voltar às casas de show, criando o que será apresentado na sexta, Dean Plays Galaxie 500 Songs. Para combinar com as duas atmosferas diferentes, o concerto de hoje ocorre no Teatro do Sesc Pompeia e o de amanhã na Choperia.

Impressão digital #0054: Chillwave

E minha coluna no 2 de ontem foi sobre música.

O som de 2011
Strokes? Melhor ir atrás do chillwave

O excesso de expectativa a respeito do novo disco dos Strokes só foi superado pelo excesso de frustração. Pudera: seu novo disco, Angles, apenas repete a velha fórmula de seus primeiros singles, já com 10 anos de idade, de requentar riffs pós-punk para uma geração acostumada a ouvir rock na pista de dança. Acostumada, diga-se, pelos próprios Strokes e pela geração que surgiu em sua esteira – nomes como White Stripes, Interpol, Rapture e outros grupos inspirados em bandas dos anos 80, como Joy Division, Cure e Television.

No início do século, aquele som fazia sentido. O rock havia se transformado num arremedo pasteurizado e corporativo do rock alternativo apresentado ao mundo pelo Nirvana. Era uma época em que a dance music e a música eletrônica haviam conseguido se firmar no mercado e que o hip hop dominava. Britney Spears estava começando e o N’Sync ainda existia. Guitarras faziam sentido naquela época.

Dez anos depois, não mais. Mas a geração que tinha 20 e poucos anos quando os Strokes surgiram não liga. E espera o novo disco da banda como se eles pudessem se reinventar ou, pior, recuperar o brilho de seus primeiros dias. Esqueça. O rock dos Strokes em 2011 faz tanto sentido quanto o rock corporativo de bandas como Coldplay, Muse e Travis – o rock que o mundo ouvia quando eles apareceram.

E o que faz sentido em 2011? Não há uma só resposta, mas, na minha opinião, nenhum tipo de música pop parece fazer mais sentido neste ano uma cena chamada… chillwave.

Embora seja rejeitado por seus principais nomes, o rótulo chillwave caracteriza-se por unir duas qualidades: uma é etária, a outra, tecnológica. A primeira diz respeito à idade de seus protagonistas. Jovens que nasceram nos anos 80, ouvindo dance music rasteira, de instrumentos sintéticos e texturas de plástico. Cresceram, gostando ou não, ouvindo esse tipo de som. E ao começar a compor seus trabalhos, recorreram à tal palheta de timbres para compor músicas, mas acabaram optando por outra abordagem. Em vez da dance music farofa, aquela sonoridade agora dava espaço para construções mais etéreas e líricas, quase zen. E, em vez de serem produzidas em grupo durante ensaios, esses artistas – quase sempre bandas de um homem só – usavam a solidão do quarto e o computador para compor.

Nomes como Memory Tapes, Ariel Pink e Neon Indian aos poucos começam a sair da obscuridade dos blogs de MP3 e ganhar um público maior. Tanto que o segundo disco de um desses artistas, Underneath the Pine do Toro y Moi, está sendo lançado no Brasil. E outro, Washed Out, teve seu melhor single (I Feel It All Around) transformado em abertura de seriado neste ano (o ótimo Portlandia). É um início tímido, mas é bem mais interessante do que tentar reviver os dias em que os Strokes importavam.

Cansou do Cansei?

Eu não. Tanto que vou hoje lá ver os caras no Clash. Quem vai? Abaixo, a materinha que fiz com eles pro Caderno 2 de hoje.

Cansei de Ser Sexy não descansa
Uma das mais bem-sucedidas bandas brasileiras no exterior se apresenta hoje em São Paulo e anuncia turnê pelos EUA e novo disco para agosto

Hoje começa a fase três do Cansei de Ser Sexy. A banda, que começou como uma piada interna de uma turma de meninas sob olhares carrancudos de críticos sem humor, conseguiu provar-se como mais do que uma simples modinha paulistana ou hype de internet e hoje é um dos grupos brasileiros mais bem-sucedidos no exterior. E depois de dois discos, começa a mostrar como será seu 2011 no primeiro show que a banda faz fora de festivais no Brasil desde 2006, hoje, no Clash Club, na Barra Funda.

O CSS, como é conhecido no exterior, lançou-se no mercado em 2003 quase como uma banda de brincadeira, usando a internet como principal plataforma – a título de curiosidade, no início da banda, ela possuía um único MP3 e cinco fotologs. Nasceu no meio de um grupo de meninas que eram ligadas à moda e foram organizadas pelo músico Adriano Cintra, que já tinha construído sua reputação no underground paulistano em bandas como Thee Butchers’ Orchestra, I Love Miami e Ultrasom. Adriano assumiu a bateria e domou a espontaneidade das meninas de tal forma que, em pouco tempo, elas eram uma banda – ainda que de dance music – de fato.

Foi um dos artistas que ajudaram a gravadora Trama a consagrar seu site de bandas iniciantes, o Trama Virtual, que mais tarde viraria um selo que lançaria CDs de verdade – principalmente graças ao sucesso da banda no exterior. Algo impensável para quem chochava a banda em seus primeiros dias, que a colocou ao lado dos principais artistas da primeira década do século, tocando nos maiores festivais do mundo e ganhando capa de revistas de moda e de música.

Desde que começou sua carreira no exterior, a banda só voltou para o Brasil em férias, até que passou por uma montanha-russa de emoções, principalmente devido a problemas com o antigo empresário, que deram o tom amargo do segundo disco, Donkey, de 2008. Mas se os problemas se refletiram nas composições, eles não atrapalharam a maratona de shows feita pela banda, disposta a consagrar o nome que havia conquistado nos últimos anos. Nesse período, se apresentaram duas vezes no Brasil, apenas em festivais, no Planeta Terra de 2007 e no SWU do ano passado.

“Foi ótimo”, lembra a guitarrista Ana Rezende, em entrevista por e-mail, falando sobre o show do ano passado. “É sempre muito bom tocar no Brasil. O público aqui é diferente de qualquer outro lugar e sempre é meio nostálgico pra gente, no melhor sentido da palavra. Nós nos sentimos literalmente em casa.”

A guitarrista disfarça sobre o disco novo, que já está gravado. “A gente ainda não pode falar porque a gravadora tem de fazer o anúncio antes, mas ele já está gravado, masterizado e pronto para ir para a fábrica. O primeiro single sai em maio e o disco sai em agosto.” A apresentação no Clash contará com algumas músicas novas, além do repertório já conhecido da banda, que inclui hits como Move, Let’s Make Love and Listen to Death from Above e Alala. A banda se apresentou no fim de semana passado no Chile, quando também mostrou uma música nova.

O show de hoje é encarado como o início dos trabalhos no ano. No próximo dia 15, o Cansei de Ser Sexy começa uma turnê de um mês e meio pelos Estados Unidos, fazendo dupla com a banda Sleigh Bells, mas não deixa de cogitar uma turnê pelo Brasil, rumor que já vem sendo ventilado há pelo menos um ano. “Queremos muito fazer uma turnê por umas oito cidades por aqui”, continua Ana. “É difícil viabilizar, mas é uma coisa que queremos muito. Vamos ver se a gente consegue!”, anima-se.

Miami em São Paulo

Publiquei a entrevista que fiz com o Miami Horror, que toca hoje em São Paulo, na edição de Caderno 2, que comemora 25 anos nesta quarta.

Sem nenhum complexo
“Estamos satisfeito por sermos pequenos”, diz Ben Plant, líder da banda Miami Horror, que se apresenta no Brasil

“Estamos satisfeitos com o nosso tamanho”, explica Ben Plant, vocalista e fundador do grupo australiano Miami Horror, que passa esta semana pelo Brasil em miniturnê. “Não somos uma banda grande, acho que não dá para dizer que não somos nem uma banda média. Somos uma banda pequena, que está em seu primeiro disco, tem alguns singles e remixes conhecidos por um público que é pequeno mas não é minúsculo, o que nos deixa à vontade para tocar uma carreira do jeito que nós queremos e sermos conhecidos fora de nosso país.”

O Miami Horror faz parte de uma cena de dance music que vem mexendo com a paisagem sonora da Austrália há cinco anos. São artistas cuja formação vem tanto do indie rock quanto da música eletrônica, uma cena que misturou alternativas para sobreviver no mercado pós-internet que vinham tanto da cena de rock independente local como da rotina das casas noturnas de Melbourne, principal centro urbano dessa nova safra de bandas. Entre os nomes da mesma geração do Miami estão Bag Raiders, Van She, Midnight Juggernauts, Empire of the Sun e Cut Copy. De todos esses, apenas o último não se apresentou por aqui (vem em junho), numa prova de que o Brasil já se firmou como polo para essa nova dance music da chamada era MySpace.

Mas hoje se o MySpace já não é lá grandes coisas (demissões afetam o portal e especula-se que ele seja vendido para o braço da música corporativa no YouTube, o Vevo), o mesmo não pode ser dito sobre essa geração. São artistas que se estabeleceram mesmo à revelia de uma crise no negócio da música que poderia ter tanto a ver com a chegada da internet e a popularização do MP3 quanto com a má administração econômica dos grandes grupos contratadores de música. Esses fatores fizeram com que uma fábrica de computadores (Apple) se tornasse um dos principais nomes no negócio da música no século 21.

O Miami Horror é um dos milhares de nomes desta geração, artistas que vivem na fronteira da canção tradicional com a cultura DJ, remixando e sendo remixado por outros tantos artistas. Foi graças a dois remixes (da velha “Music Sounds Better With You”, do Stardust, e da nova “Walking With a Ghost”, da dupla Tegan & Sara) que o grupo conseguiu chamar atenção. Sua geração, mais do que viver grudada a um site popular, se espalhava por toda a internet em uma plataforma que surgiu na virada do século, mas ganhou novo formato a partir do meio da década passada: os blogs de MP3. Feitos por amantes de música, eles simplesmente comentavam artistas novos de que gostavam sem o ranço das rádios ou gravadoras.

Os blogs de MP3 funcionam quase como organizadores da nova música na internet. E foi graças a um desses, o IM//UR feito por um brasileiro e uma australiana, que Ben Plant veio ao Brasil pela primeira vez, há dois anos, para discotecar representando sua banda, no já consagrado formato DJ set.

“Devo muito aos blogs de MP3 e ao download indiscriminado da música pela internet”, ele explica. “Tenho certeza de que nem 10% das pessoas que sabem o que é Miami Horror compraram o meu disco, o que, por um lado, é uma pena. Mas por outro, não, porque se dependessem da compra para conhecer nossa música, não estaríamos fora da Austrália e provavelmente não estaríamos vivendo apenas de fazer música. Não vou dizer que não devam fazer isso. Lamento, mas sei que é uma característica desta época.”

A entrevista foi realizada por telefone na semana passada, quando eles terminavam a turnê norte-americana e se preparavam para passar a atual semana no Brasil. Os shows desta semana fazem parte do lançamento do único álbum do grupo, Illumination, do ano passado, que chega às lojas brasileiras este mês pela gravadora EMI.

Pergunto se Ben não vê contradição ao lançar um álbum em uma época que parece ser movida pelos singles, devido ao aspecto viral do MP3, e ele concorda meio a contragosto. “Gosto da ideia de um disco, com uma capa, com um nome, que reúne um número determinado de canções. Pode ser que seja um conceito defasado ou que eu já esteja ultrapassado, mas cresci ouvindo música dessa forma, é assim que quero fazer música e espero que influencie gente a continuar fazendo música assim.”
A banda passou por Porto Alegre ontem e hoje toca em São Paulo em uma festa fechada, em uma casa noturna na Rua Augusta. Amanhã se apresenta no Circo Voador, no Rio, onde toca graças ao financiamento prévio barganhado pelos fãs do grupo – é o conhecido movimento Queremos, que aproveita a vinda de bandas estrangeiras para o Brasil para, reunindo uma quantia mínima de cariocas interessados no show, conseguir trazer a atração para a cidade. Plant elogia a iniciativa: “É mais um motivo para que eu queira estar envolvido nisso, vai ser uma experiência incrível.”

Formada em Melbourne, há quatro anos, o Miami Horror é cria da cabeça de Ben, hoje com 24 anos, que reuniu músicos para dar forma ao seu conceito musical, uma dance music sintética e sinuosa, com elementos da virada dos anos 70 para os 80, quando a disco music se metamorfoseava em house, com elementos de Giorgio Moroder, Prince, Michael Jackson e Electric Light Orchestra, mas atualizando essa linguagem para composições enxutas como as das bandas da geração pós-Strokes. Sua música mais conhecida é “Sometimes”, mas não toca no rádio, embora pareça ter sido feita para isso. Procure por ela no YouTube e confira.

Impressão digital #0053: Curtir

Minha coluna no Caderno 2 essa semana foi sobre o “Curtir” do Google.

A guerra dos botões
Google copia “Curtir” do Facebook

O início de 2011 tem sido tenso para o Google. Nada que abale sua moral – atualmente. Mas uma série de acontecimentos mexeram com o site mais conhecido do mundo e não há dúvidas sobre o motivo dessas mudanças – chama-se Facebook. A rede social de Mark Zuckerberg não é apenas um Orkut global – mais do que ambiente digital de relacionamento pessoal, o “Feice” (como os brasileiros chamam o site) se tornou uma espécie de território seguro que abriga toda a internet.

As mudanças no Google começaram em fevereiro, quando seu CEO, Eric Schimdt, anunciou que deixaria o cargo em abril, ficando a vaga para Larry Page, um dos fundadores do site. No mesmo mês, o Google também se viu obrigado a mudar seu algoritmo de buscas, pois alguns sites conseguiam entender como trapacear o ranking de páginas oferecido a cada pesquisa, subindo degraus e figurando entre os primeiros resultados.
Na semana passada, o site apresentou mais uma novidade para melhorar suas buscas, um botão chamado “+1”. Após fazer uma busca sobre qualquer assunto e descobrir entre os primeiros resultados obtidos qual é o link que melhor se encaixa à pesquisa, basta clicar o “+1” para mostrar que o link é confiável e que alguém o recomendou.

Familiar? Demais. O botão “+1” é idêntico ao “Curtir” do Facebook, botãozinho mágico que ajudou o Feice a crescer ainda mais no segundo semestre de 2010. Mas por que o Google está copiando o Facebook?

A página inicial do Google pergunta para quem o visita o que ele quer da rede. Isso fazia sentido na virada do século. Hoje em dia, com a tonelada de informações que recebemos, não. Não queremos descobrir coisas novas. Nos anos 10 do século 21, queremos que nos digam o que vale a pena. Eis a sacada do Facebook, que, em vez de perguntar o que quer, oferece dicas de amigos. O Google tenta correr atrás, mas será que o “+ 1” pega?