Impressão digital #0010: J.J. Abrams e Steven Spielberg

O novo Spielberg?
J.J. Abrams homenageia seu mestre

J.J. Abrams não quer ser reconhecido apenas como um novo Midas do pop do século 21. Há algumas dezenas de candidatos – a escritora J.K. Rowling, Sergey Brin e Larry Page do Google, o DJ Dangermouse, Steve Jobs, o diretor Michael Bay, a dupla Daft Punk, Shigeru Miyamoto da Nintendo são apenas alguns deles. J.J. Abrams quer ser “apenas” o novo Spielberg.

Rebobinando (que expressão arcaica) para quem chegou agora: criador da badalada série Lost, J.J. Abrams não poderia existir há alguns anos. Produtor e diretor de séries e filmes, ele partiu da plataforma televisão e começou a expandi-la para outras mídias. Marcas como os seriados Alias, Lost e Fringe e os filmes Cloverfield e o novo Jornada nas Estrelas saem das telas para games, livros, sites e celulares. Não parece muito diferente do que outros produtores fazem, criando versões paralelas para um título principal. A diferença é que, para J.J. Abrams, isso tudo não é acessório – e sim peças de um quebra-cabeças que pode ser montado pelos fãs. Assim, ele faz com que os espectadores deixem de ser passivos, deitados em suas poltronas, para se tornarem ativos, inclinados em frente de seus monitores.

Agora que sua principal grife está prestes a acabar (o último episódio de Lost vai ao ar no próximo domingo, nos EUA), ele começa a ativar seu novo projeto secreto, de que falei na coluna da semana passada, chamado Super 8. E, para isso, ele não deixou por menos – e se aliou ao próprio Spielberg para a realização do filme que estreia em 2011.

Mas associar-se ao diretor que deu ao mundo os filmes de Indiana Jones não foi o suficiente. No trailer que foi lançado na semana passada (e que logo caiu no YouTube), o diretor apresentava uma única cena durante um minuto e meio. Nela, vemos uma caminhonete entrar nos trilhos de uma ferrovia e chocar-se com um trem. Após o acidente, a câmera foca em um vagão que tem sua porta esmurrada de dentro para fora, como se algo muito grande quisesse sair.

Nestes 90 segundos, Abrams faz referência a vários filmes de Spielberg. Seu primeiro filme, Encurralado, tem uma cena em que um carro quase é destruído por um trem. Em Contatos Imediatos do Terceiro Grau, o governo americano noticia um acidente ferroviário como forma de encobrir o pouso de uma nave alienígena. Em E.T., um trem de brinquedo liga sozinho quando agentes invadem a casa em que o extraterrestre está.

Fora o fato de que, quando era adolescente, Spielberg dava seus primeiros passos no cinema filmando acidentes com seu trenzinho de brinquedo. E filmando com uma câmera, er… super 8. E J.J. fez isso só em um trailer. Imagine num filme inteiro.

Impressão digital #0009: GloNet 2010

Local e global
Um evento em cinco cidades

“O aspecto mais excitante da cultura digital é a combinação de uma internet global com tecnologias que detectam localização, permitindo que você conheça lugares ao seu redor. Estamos conectados globalmente de formas diferentes e ao mesmo tempo descobrimos novos lugares e pessoas que estão próximos a nós mesmos e que passariam despercebidos se não fosse a rede. As pessoas estão cada vez mais conectadas e mais regionalizadas, ao mesmo tempo. ‘Glocal’ e ‘lobal’”.

Assim Drew Hemment, diretor do festival inglês FutureEverything, se anima com as possibilidades de uma nova geografia pós-internet. Ele é um dos idealizadores do evento GloNet, que será realizado na próxima quinta-feira, 13, em São Paulo e em outras quatro cidades do mundo. Além de São Paulo, Manchester na Inglaterra, Istambul na Turquia, Vancouver no Canadá e Sendai no Japão também sediam simultaneamente o evento, cujo mote é Geografia Imaginária.

“A cultura digital permite que possamos viajar sem nos movermos”, continua Hemment. “Cada vez mais pessoas têm acesso à internet e a serviços gratuitos como o Skype, que nos permite pular entre fusos horários e culturas apenas apertando um botão. Isso faz com que o mundo fique mais unido e pode criar choques culturais interessantes.”

Esta geografia digital não é apenas o tema de palestras e workshops que ocorrerão no Masp, mas também faz parte da própria dinâmica do festival, que pressupõe a interação entre os participantes das cinco cidades do evento.

Hemment é especialmente entusiasmado com o Brasil e diz que o País é conhecido mundialmente como o epicentro da cultura livre e da filosofia open source. O artista já passou pelo País, onde fez amigos, e adaptou a ideia dos Pontos de Cultura do Ministério da Cultura brasileiro em sua cidade-natal, Manchester. Ele se diz “fã” do Brasil e de São Paulo e diz que a cidade preserva muitos aspectos locais mesmo sendo uma metrópole global.

E é essa uma das principais questões levantadas pelo GloNet: como os âmbitos globais e regionais sobreviverão em uma sociedade totalmente conectada. “Prevejo a emergência de um novo tipo de regionalismo”, explica. “A cultura digital permite tanto conexões locais quanto globais. Em muitos lugares do mundo há um renascimento de estabelecimentos comerciais e comunidades regionais, que atualmente compete com a tendência de uma globalização ruim, sem os prazeres e diferenças que cada região pode ter.”

GloNet 2010
Realizado pelo Vivo Arte.mov em parceira com o British Council e o festival inglês FutureEverything, o evento será realizado na próxima quinta-feira, a partir das 11 h, no Masp em São Paulo. O programa conta com palestras de Lucas Bambozzi (Geografias Transitórias), Guilherme Wisnik (Cidade genérica x site-specific), Jorge Menna Barreto (Especificidade e (in)traduzibilidade), Giselle Beiguelman (Estéticas do Open Source), além de videoconferência e workshop com os artistas ingleses Paul Sermon e Dave Mee. O Masp fica na Avenida Paulista, 1.578 (telefone: 11 3251-5644) e a entrada para o GloNet é gratuita.

DEPOIS DE LOST
www.scariestthingieversaw.com. O endereço do site A Coisa Mais Assustadora Que Eu Vi apareceu em um microssegundo no trailer de Super 8, produção de Steven Spielberg com o criador da série Lost J.J. Abrams. Ainda vazio, o site deve iniciar mais uma mania online.

Impressão digital #0008: O novo clipe da M.I.A.

Holocausto vermelho
M.I.A., Romain Gavras e o videoclipe

Um batalhão de choque entra em um prédio com truculência. Armas em riste, os soldados todos de preto atravessam corredores e abrem portas de supetão, em busca de suspeitos. Arrastam-nos para um ônibus cheios de pessoas da mesma etnia e seguem para um terreno baldio. Crianças atacam o veículo com garrafas. Ao chegar em seu destino, o pelotão tira todos os passageiros do ônibus à força e os põe para correr. Muitos percebem que serão alvejados e hesitam em fugir, até que um dos soldados atira à queima-roupa na cabeça de uma criança. A cena grotesca faz que todos saiam correndo – e, um a um. vão sendo mortos, culminando com uma imagem de uma pessoa sendo despedaçada em frente às câmeras.

Sim, câmeras. O novo clipe da cantora cingalesa Mathangi “Maya” Arulpragasam – ou simplesmente M.I.A – é uma bordoada nos sentidos. Chocante ao extremo, o vídeo de Born Free, divulgado online na segunda-feira da semana passada, não impressiona só por suas imagens fortes. Há uma série de símbolos e valores que permitem alguns níveis de leitura. Os soldados remetem tanto à SS nazista quanto a batalhões de choque do terceiro mundo ao mesmo tempo em que ostentam a bandeira dos Estados Unidos no braço. Os perseguidos pelos quase dez minutos do clipe são todos ruivos.

Mas o assunto aqui não é a mensagem por trás do clipe dirigido pelo filho do cineasta grego Constantin Costa-Gavras, Romain Gavras – mas o fato dos dois artistas (a cantora e o diretor) terem escolhido disponibilizar o clipe (um formato velho) na internet (um suporte novo) para divulgar suas obras.

Porque Born Free não é apenas o primeiro single do próximo disco de M.I.A., ainda sem título, como também é um teaser do próximo filme de Gavras, batizado de Redheads, que deverá ser lançado ainda neste ano. Numa só tacada, os dois chamaram atenção para uma questão política em aberto – a eterna disputa entre os mocinhos oprimidos indefesos e vilões truculentos militarizados – e viraram o centro dos holofotes online e, consequentemente, da mídia.

No que diz respeito ao digital, o principal ponto neste episódio, pelo menos no que diz respeito à cultura e ao entretenimento, é o fato de seus protagonistas terem usado um formato típico dos anos 80 (o videoclipe) como único veículo para essa autopromoção.

O motivo? YouTube, claro – que, ironicamente, tirou o clipe do ar por considerá-lo “violento e pornográfico”. Mas a onipresença do site de vídeos online do Google no dia a dia fez que fosse respondida uma pergunta que ecoava há dez anos: com a ascensão do MP3 o single tornou-se maior que o álbum? Não. Como Lady Gaga havia dito em fevereiro com seu curta Telephone, o clipe é mais importante do que a música em si.

DJ
500 Essential Mix

Criado em 1993, o programa Essential Mix da rádio londrina BBC 1 é um dos mais tradicionais palcos para DJs e produtores de música eletrônica do mundo todo e revelou nomes como Daft Punk, Tiga, DJ Hell e brasileiros como DJ Marky, Twelves e Gui Boratto. Nesta semana o programa chegou às quinhentas edições e a rádio fez um especial para comemorar a data em seu site, disponibilizando versões enxutas dos principais sets para download além de uma linha do tempo com as atrações. Confira em www.bbc.co.uk/radio1/essentialmix/essentialmix500.

Impressão digital #0007: George Lucas e o sonho de Hitchcock

Coluninha do 2 de domingo.

Uma nova trilogia
George Lucas e o sonho de Hitchcock

No fim de semana passado, na convenção C2E2 em Chicago, nos EUA, o diretor de relações com fãs da Lucasfilm, Steve Sansweet, deixou escapar uma ponta de esperança para os fãs da maior saga da história do cinema, Guerra nas Estrelas. Ao responder a questões de fãs sobre os lançamentos dos filmes em Blu Ray, ouviu uma pergunta sobre possíveis “novas aventuras depois do Retorno de Jedi (o terceiro filme da série) com nossos personagens favoritos, Luke, Han e Leia”. Sem pestanejar, ele respondeu: “E você verá, com um novo tipo de animação.”

Guerra nas Estrelas (1977) mudou completamente a história do cinema e do entretenimento do fim do século passado ao colocar o fã como prioridade. Assistente de Francis Ford Coppola, seu criador George Lucas começou a chamar atenção quando seu segundo filme, American Graffiti (1973), recebeu indicações para o Oscar de melhor filme, direção e roteiro original. Foi o suficiente para que o estúdio Fox o contratasse e lhe desse liberdade para fazer o filme que quisesse.

Lucas não deixou barato. Imaginou um filme que tivesse a sensação de ficção científica sem que necessariamente fosse cientificamente verossímil. Sua intenção era recuperar a excitação que tinha ao frequentar as matinês de sua infância, em que sagas espaciais como Flash Gordon, aventuras de capa e espada como as de Robin Hood e filmes sobre a Primeira Guerra Mundial faziam crianças e adolescentes delirar na sala escura.

Depois da nouvelle vague francesa nos anos 60, o cinema tornou-se sério e adulto e perdeu o encantamento daqueles dias. Lucas recuperou estes elementos em uma história que muitos achavam que ia dar com os burros n’água. Gastou a maior parte do orçamento de US$ 10 milhões em efeitos especiais e deu maior ênfase a naves, alienígenas e robôs do que a atores. De quebra, conseguiu os direitos de marketing dos filmes e – com o sucesso da saga – fatura alto até hoje com a venda de produtos licenciados.

Tímido, George Lucas enfrenta até hoje a crítica de que é um péssimo diretor por não saber lidar com pessoas. A atriz Carrie Fischer, que vive a princesa Leia, ironizava nos bastidores que o elenco humano era conhecido como “efeito especial de carne”.

E desde o segundo filme, O Império Contra-Ataca (1980), começou uma lenta mudança ao transformar bonecos em atores, ao criar o guru alien Yoda. Quando resolveu fazer a segunda trilogia de filmes (1999- 2005), criou outros tantos personagens em animação computadorizada e, com a anunciada nova trilogia, deve levar isto às últimas consequências, dispensando atores para usar apenas computação gráfica.

Não é apenas um capricho de um nerd que se tornou ícone de várias gerações. Filmes sem atores remetem à máxima de Alfred Hitchcock, que dizia invejar Walt Disney. “Quando ele não gosta de um ator, simplesmente o apaga.” Agora George Lucas pode tentar realizar a tão sonhada utopia do mestre do suspense.

Impressão digital #0006: LCD Soundsystem 2010

Minha coluninha que saiu ontem no Caderno 2

Os blues dos anos 10
O drama do LCD Soundsystem

Às vésperas de lançar seu terceiro disco em maio, o grupo nova-iorquino LCD Soundsystem fez um show surpresa no Webster Hall, em sua cidade-natal, na última segunda-feira. Em dado momento da apresentação, o líder e vocalista da banda, James Murphy, caiu de joelhos no palco e se dirigiu ao público com seriedade. “Se você receber uma cópia do disco e tiver vontade de compartilhá-la com mundo, por favor não faça isso”, disse. “Passamos dois anos fazendo este álbum e queremos lançá-lo quando acharmos que é a hora de lançá-lo. Não estou preocupado com o dinheiro – depois que o disco for lançado, você pode dá-lo de graça para quem você quiser, mas até lá, guarde-o consigo.”

O desabafo vem de um dos artistas que melhor souberam usar a internet para se estabelecer. Mais do que um simples astro lançado no MySpace, o LCD Soundsystem se lançou em singles que foram distribuídos primeiro via MP3 e depois foram remixados por DJs e produtores tanto do selo de Murphy (a DFA) quanto de fora – remixes que corriam a internet afora.

Oito anos depois de lançar sua primeira música (“Losing My Edge”), a banda cresceu o suficiente para se incomodar com aquilo que antes foi seu principal canal de divulgação.

Não é exclusividade deles. Grande parte da geração que se estabeleceu graças à internet agora se vê às voltas com os mesmos problemas dos artistas que já eram grandes quando a internet se popularizou. Em entrevista à revista Rolling Stone brasileira, o vocalista do Franz Ferdinand, Alex Kapranos, comentou que a cantora “Lily Allen foi destruída pela imprensa por dizer que as bandas mais novas sofrem mais com isso”.

Ouvindo This is Happening, o terceiro disco do LCD Soundsystem, percebe-se que a tensão inquieta dos anteriores segue presente, mas misturada com uma tristeza e desilusão que não havia antes. Talvez James Murphy esteja sentindo um novo tipo de blues, uma tensão digital típica dos novíssimos anos 10.

“Cortem a cabeça!”
Alice no iPad

A versão de Tim Burton para o clássico Alice no País das Maravilhas estreia na próxima quarta no Brasil, mas a menina entrou em outro ambiente fantástico na semana passada. Alice in the iPad é um aplicativo em que é possível ler o livro de Lewis Carroll com ilustrações em movimento, que invadem o texto e mudam conforme se mexe com o aparelho, deixando o leitor tão perdido quanto Alice. O aplicativo custa US$ 9.

Impressão digital #0005: South Park e o Facebook

O episódio da semana do South Park foi o gancho da minha coluna de domingo no Caderno 2.

“Minha avó no Facebook”
A criação de um ambiente virtual

“Até a minha avó está no Facebook!”, comentou com espanto o repórter Filipe Serrano durante o fechamento do Link da semana passada. Na quarta-feira anterior, nos EUA, o desenho animado South Park dedicava um episódio inteiro (You Have 0 Friends) à maior rede social do mundo – e o personagem Stan também ficava impressionado com o fato de suas tias e parentes mais velhos também terem perfis no site.

Criado em 2004 pelo estudante de Harvard Mark Zuckerberg, o site é uma rede social nos moldes do Orkut, só que com layout elegante e uma série de funcionalidades que o transformam em mais do que uma mera rede de relacionamentos.

Ancorado nos aplicativos (pequenos programas criados para rodar dentro do site), o Facebook é uma espécie de ambiente virtual, semelhante ao Windows. Nesse sentido, a grande diferença é que, como o sistema operacional da Microsoft foi criado antes da popularização da internet, foi criado para ser utilizado por uma pessoa por vez, sem conectar-se às outras – é um recinto quase privado. O Facebook age como um grande Windows online, que conecta estes universos virtuais em uma grande área de comunicação e troca de informações e experiências. “Queremos que as pessoas não precisem sair do Facebook para fazer o que quiserem na internet”, me disse seu criador quando veio ao Brasil em agosto do ano passado.

E o site é todo organizadinho. Sua interface clean facilita entender todos os níveis de interação da rede social. É isso que tem tornado o Facebook tão forte e onipresente. Ao contrário do Orkut, do Twitter ou do MySpace, que exigem que o usuário gastasse algum tempo online para entender a lógica por trás dos sites, o Facebook é didático e facilita a vida de quem não queria estar online, mas teve de mudar de planos por motivos óbvios.

Para quem vê de fora, o site parece uma alegoria da vida real, ironizada no episódio de South Park – em certa passagem, o pai de um personagem questionava a amizade com o filho só pelo fato dos dois não serem amigos no Facebook. Mas, seja na rede de Mark Zuckerberg, seja no Google ou em contas de redes fechadas como as da Apple, Nintendo, Sony ou Microsoft, é através dessas redes que aprendemos como funcionará a cultura e a sociedade num futuro próximo.

Por isso, não se espante se a sua avó aparecer no Facebook. Ela não está querendo ser moderninha – ela só percebeu que é na internet que as pessoas se comunicam, se divertem e se informam hoje em dia.

No mural
O Estado de S. Paulo e o Link também estão lá

E por falar em Facebook, esta semana foram inauguradas as páginas do Estado de S. Paulo e do caderno Link na rede social. Ao se tornar fã da página, você passa a acompanhar as notícias publicadas pelo jornal e por seu suplemento de cultura digital direto em seu perfil no site, além de poder comentar e discutir os assuntos abordados nas reportagens. Para adicionar as páginas à sua conta no site é só clicar em http://www.facebook.com/estadao e http://www.facebook.com/linkestadao.

Tudo online
Southparkstudios.com
No ar desde 2008, o site South Park Studios é uma aula de como a televisão pode usar a internet a seu favor. Todos os episódios da série estão disponíveis em streaming – até mesmo “You Have 0 Friends”, que acabou de ser exibido nos Estados Unidos.

De volta ao vinil

Materinha que fiz pro C2 Música, a edição semanal do Caderno 2 do Estadão dedicada ao tema, sobre a visita que fiz há menos de um mês à Polysom, a tão falada única fábrica de vinis da América Latina, que finalmente lançou seus primeiros discos. Ela conversa com o Personal Nerd que fiz pro Link há duas semanas.


Sulcos do acetato, primeira etapa na fabricação do vinil, vistos no microscópio da sala de corte

Fotos: Tasso Marcelo/AE

Fazendo disco: o pó de PVC é posto na extrusora…


…que depois sai pelo cilindro à direita, como uma massa mole…


…as matrizes do disco são postas na prensa, que é calibrada a cada prensagem…


…a massa de vinil é posta entre os dois rótulos do futuro LP e depois posta na prensa…


…que, uma vez fechada, é aberta para revelar o disco idêntico ao que você vai pegar na loja, ainda quente…


…Tcharã!

O que ele está fazendo aí?
Passar um dia na Polysom, única indústria de vinil da América Latina, é como viver nos tempos em que CDs e música digital não eram mais do que ficção

Uma massa mole e preta sai quente de uma máquina chamada extrusora. Moldada numa pequena bola que cabe na palma da mão, ela é disposta sobre um dos rótulos de papel do futuro disco ? o outro é aplicado por cima, formando uma espécie de sanduíche de massa de pó de PVC e papel, que é colocado em uma enorme prensa hidráulica. A máquina faz seu trabalho em poucos segundos: espreme o bolinho engraçado entre duas chapas horizontais que, ao se afastarem uma da outra, revelam um disco de vinil recém-prensado.

Esta operação simples e quase artesanal é a etapa final de um processo que chega ao fim após quase um ano. “A gente achava que em um mês dava para colocar isso para funcionar e já estamos há oito meses, sempre fazendo testes para ficar direito”, explica João Augusto, dono da gravadora Deckdisc e agora proprietário da Polysom, a única fábrica de discos de vinil da América Latina.

A fábrica fica em Belford Roxo, região metropolitana do Rio, e a ida do Aeroporto Santos Dumont ao portão da Polysom dura quase o mesmo tempo que o do voo Rio-São Paulo. Ao volante, Rafael Ramos, filho de João Augusto e diretor artístico da gravadora ? um dos principais entusiastas da reativação da Polysom -, recorda o feito, com o sorriso largo. “Nem parece que até outro dia isso era só uma provocação que eu fazia com o meu pai”, revela enquanto atravessamos a Linha Vermelha saindo do Rio.

É importante entender o papel de Rafael nesse processo, uma vez que ele faz parte de uma geração que viu os vinis nas coleções dos pais, assistiu à ascensão e posterior queda do CD, viveu os primeiros dias da música digital, sem suporte e sem disco, e redescobriu o velho disco preto quase no fim da primeira década do século.


“As pessoas compram pelo fetiche”, diz João Augusto, um dos donos da Polysom

E Rafael está longe de ser o único. Só nos EUA, no ano passado, foram vendidos 2 milhões e meio de vinis, um número a que João Augusto acrescenta um dado interessante: “47% desses compradores sequer tem toca-discos”, enfatiza citando uma pesquisa feita pelo instituto Nielsen Soundscan. “As pessoas compram pelo fetiche.”

As megastores brasileiras não demoraram a perceber isso, tanto que algumas já exibem prateleiras com vinis recém-fabricados – todos importados. “Mas a maioria das lojas não tem nem espaço para receber os discos”, conta João. E ele traduz esse novo interesse pelo vinil ao contar como foi que a cantora Pitty reagiu ao ver seu disco na versão vinil: “Agora, sim, somos uma banda de rock.”

Pitty faz parte da primeira safra de discos saída da gravadora, todos da Deckdisc. Além do relançamento de Chiaroscuro, a primeira leva ainda inclui outros discos da gravadora carioca: o solo da vocalista do Pato Fu Fernanda Takai e os discos mais recentes dos grupos Cachorro Grande e Nação Zumbi. Mas João é enfático ao dizer que a Polysom não é a fábrica da Deckdisc. “É dos sócios da Deckdisc, cobramos da Deck o mesmo que cobramos de qualquer um.”

Ele acredita que a primeira etapa do processo está terminando agora, com a fabricação dos primeiros discos. “Só agora é que as pessoas vão ver que é verdade”, festeja. E não está falando apenas dos consumidores, mas também das gravadoras e dos artistas. “Acredito que os artistas vão motivar muito este movimento”, diz João, contando que alguns deles – Jorge Ben Jor e Lenine – já abraçaram a ideia.

Resta saber como o mercado brasileiro reagirá aos lançamentos. A gravadora EMI é uma das que estão em conversações com a Polysom para o relançamento da discografia do grupo Legião Urbana. Se ainda é cedo para saber se o velho LP volta para valer às lojas, ao menos podemos comemorar que a única fábrica de vinil da América Latina fica no Brasil ? e já está funcionando.

Na linha de produção


Pré-análise do áudio. O operador mede a qualidade do som usando instrumentos específicos e sua experiência técnica, antes do áudio começar a se transformar num vinil.


Cabeça de corte. Esta máquina funciona como um toca-discos. A diferença é que, em vez de reproduzir o som, ela grava os sulcos no acetato.



Galvanoplastia. É a fase química do processo, em que o acetato original é colocado em tanques com nitrato de níquel. As partículas de níquel “grudam” no acetato, formando uma “capa”, que é retirada e funciona como um vinil em negativo.

Prensagem. A capa de níquel é colocada nas prensas, que depois recebem uma massa mole feita a partir de pó de PVC que, prensada, vira um disco.

Impressão digital #0003: O novo Photoshop

Photoshop para todos
A arte do século 21 em um software

Quem acompanha o mundo digital se surpreendeu na semana passada quando a Adobe revelou um novo recurso de seu tradicional programa de edição de imagens chamado “content-aware fill” (preenchimento com reconhecimento de conteúdo, em inglês).

Para quem não conhece, o Photoshop é o software de edição de imagens mais popular do mundo. Ele não apenas permite que se retoque ou melhore imagens depois de produzidas como também é ótimo para fazer montagens – algumas ficam tão boas que parecem que sempre foram assim. Essa manipulação já está tão incluída no inconsciente coletivo que, sempre que uma imagem parece bonita demais, ela vem seguida do comentário “rolou Photoshop, hein?”.

Voltando ao anúncio da semana, o novo recurso permite que os retoques se tornem automáticos. Nas versões anteriores, se você quisesse, por exemplo, tirar as celulites da coxa de uma mulher, bastava copiar um trecho da pele dela e ir repetindo-o várias vezes, cobrindo as deformações originais – num trabalho árduo, que, literalmente, dura horas. Com o preenchimento automático, basta você selecionar o pedaço que você quer mudar, escolher a função e, em questão de segundos, a mudança é feita.

A Adobe não confirma se o novo recurso virá na versão que foi anunciada para o próximo dia 12, mas garante que será implementada em atualizações futuras desta versão. A novidade deve melhorar, e muito, a qualidade do trabalho de designers, ilustradores e publicitários que lidam diariamente com o programa. Mas a melhor notícia desta mudança não é para eles – afinal, têm estagiários e funcionários que viram noites para fazer tais alterações.

Quem se beneficiará mesmo com o novo recurso são amadores, gente que mexe no Photoshop de brincadeira, para matar o tempo e divertir amigos. São pessoas que já fazem isso, mesmo com poucos recursos e sem intimidade com o software, mas que já mexem na paisagem cultural do novo século.

São montagens com personalidades, desconhecidos que se tornam onipresentes (procure “tourist guy” ou “disaster girl” no Google Images) e mashups de imagens de diferentes contextos. Parece brincadeira, mas no início do século 20, o cinema e o fonógrafo também pareciam. Foi preciso a intervenção da tecnologia para que ficasse mais fácil produzir músicas e filmes. E lá vem ela de novo…

“It’s a trap!”
Livros furados por um sabre de luz

Quem quer um sabre de luz para furar os livros na sua estante? E nem é preciso usar a Força para recuperá-los. A loja do site oficial de Guerra nas Estrelas lançou nesta semana este conjunto de aparadores de livros que faz que a clássica espada de Darth Vader (sabre vermelho, caso você não lembre) pareça que está atravessando sua biblioteca. O conjunto custa US$ 49,99 e já está à venda no site http://shop.starwars.com.

Impressão digital #0001: Maturidade digital

Eis a estréia da minha coluna sobre cultura digital ontem. A coluna Impressão Digital completa o meu blog no Link e sai todo domingo, no Caderno 2.

Maturidade eletrônica

Depois de muita espera, o trailer da sequência do clássico de ficção científica Tron (1982) foi “decifrado” nesta semana. Explico: em vez de ser apenas lançado, o trailer do filme anunciado em 2008 na feira de cultura pop Comic Con (com nomes de peso como a dupla francesa Daft Punk na trilha sonora e Jeff “Lebowski” Bridges no elenco) teve de ser desvendado em uma espécie de competição online. As pistas foram espalhadas por sites com mensagens cifradas. Coletivamente, os fãs solucionaram os enigmas que, reunidos, revelavam o caminho para encontrar o trailer do filme.

O formato não é novo. Chama-se “narrativa transmídia” e é usado em quase todo grande lançamento hoje em dia. Filme, série, disco e livro ganham vida para além de seus formatos originais para se espalharem por outras mídias. O aclamado disco In Rainbows (2007), da banda inglesa Radiohead, só foi disponibilizado gratuitamente para download depois que pistas enigmáticas foram deixadas pelo grupo em seu site. O mesmo acontece com a série Lost, em que dicas deixadas pelos produtores tanto nos episódios quanto em sites estimulam a interação com o telespectador.

Toda esta complexidade parece intransponível para quem apenas observa de fora. A chegada do computador e da internet à indústria cultural fez que este processo múltiplo fosse acelerado. E o que estamos assistindo nestes novos anos 10 é a maturidade da cultura pop.

O pop surgiu durante a Depressão norte-americana, quando diversões baratas como quadrinhos, cinema, discos, literatura pulp e fliperamas se difundiram como opção de entretenimento para as massas.

No pós-Guerra, esta mesma cultura tornou-se jovem, e o adolescente – encarnado em nomes como James Dean e Elvis Presley -, público-alvo. Desde os anos 60, contudo, este mercado já não é composto apenas por sucessos descartáveis. E graças a nomes como Beatles, Bob Dylan, Zappa, Velvet Underground, Crumb e as revistas Mad e Rolling Stone, o pop foi engrossando a sua voz.

Diferentes autores localizam momentos específicos em que o que parecia ser banal ficou sério. O escritor Steven Johnson define que este momento é a série policial Hill Street Blues, dos anos 80, em que pela primeira vez os protagonistas não tinham a obrigação de aparecer em todos os episódios. O crítico Chuck Klosterman aponta para os anos 90, quando, na terceira temporada do reality show Real World, da MTV, o elenco começou a perceber que poderia atuar num programa que primava pela espontaneidade. Há outros: a chegada da geração inglesa (Neil Gaiman, Alan Moore) à HQ americana, a ida de David Lynch para a TV (em Twin Peaks), o momento em que DJs tomaram consciência do que poderiam fazer com a música alheia e o excesso de referências de Matrix, além da própria contracultura.

A era digital fez que os muros entre os nichos do pop desabassem e a paisagem cultural se tornasse eletrônica no novo século. Nela, todos estão conectados entre si e os polos emissores e receptores da comunicação se confundem. Não é à toa que Lady Gaga lançou nesta semana um clipe (“Telephone”) que não é só um vídeo promocional mas um curta, com direito a citação literal de Tarantino – e que foi lançado, como o trailer de Tron Legacy, direto na internet.

“I’m out and I’m gone!”
Beastie Boys x ‘Galactica’

O dono do login katamaran78 no YouTube fez um mashup reeditando o clipe de “Sabotage”, dos Beastie Boys, com imagens do seriado de ficção científica Battlestar Galactica. Busque pelos termos “Sabotage” e “Galactica” no site. Ele ainda editou um vídeo em que mostra as versões – o clipe original e seu mashup – para comparar as duas.

“Play it again”
A segunda vinda do Keyboard Cat

Fatso, hit no YouTube tocando teclado, morreu vinte anos antes de virar mania. Esta semana seu dono revelou sucessor para o bichinho, chamado Bento.