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Before and After Science, 40 anos

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Um disco que consolidou a reputação de Brian Eno completa quatro décadas – escrevi sobre ele no meu blog no UOL.

Brian Eno é um dos principais nomes da música popular contemporânea, embora não seja reconhecido do grande público. Pensador e provocador, o “não-músico” (como gostava de se referir) teve uma breve carreira de popstar ao integrar a formação clássica do Roxy Music no início dos anos 70, mas logo sairia da banda rumo a experimentações estéticas que consolidariam a reputação de grandes ícones do pop do final do século passado, como David Bowie, Talking Heads e U2, além de viajar em seus próprios trabalhos solo, seja ao lado de músicos de alto calibre (como Robert Fripp, John Cale, Kevin Ayers, David Byrne, Jah Wobble, Daniel Lanois, entre outros), seja estabelecendo os parâmetros para sua grande contribuição autoral para a música moderna, firmando os paradigmas do que hoje chamamos de ambient music. Mas se passou parte dos anos 70 rascunhando o futuro da música moderna como a conhecemos hoje, estes traços musicais atingiram o ápice no dia 2 de dezembro de 1977, quando, há quarenta anos, lançava o quinto disco com seu nome, que cravava sua importância com o espetacular Before and After Science.

Eno ficou conhecido por provocar seus companheiros de banda a buscar novas alternativas para além das convenções musicais estabelecidas. Brincava que se tivesse se atrasado ou adiantado no dia em que conheceu o saxofonista Andy McKaye no metrô de Londres talvez nunca tivesse entrado no ramo da música e seria um acadêmico das artes sem nenhum vínculo com a música comercial. A passagem pelo Roxy Music, que durou apenas dois anos, foi o suficiente para que ele aplicasse, na prática, conceitos estéticos que explorava enquanto era universitário. Só foi subir no palco com a banda – fazendo vocais de apoio ao vivo e tocando teclados – depois de começar apenas na cabine de som, mixando o som da banda ao vivo. Ao ir para a ribalta, aproveitou a estética glam de sua banda para levar ao extremo suas aparições ao vivo, transformando-se em um modelo cênico radical dos conceitos que aplicava na música, vestindo-se de forma extravagante. Gostava de dizer que seu principal instrumento era o gravador de fitas (e orgulhava-se possuir mais de trinta aparelhos desse tipo) à medida em que estabelecia sua carreira solo, dizia que não tocava músicas e sim músicos.

Brian Eno

Brian Eno

Seus primeiros quatro discos solo reforçariam essa mentalidade. Os dois primeiros, Here Come the Warm Jets e Taking Tiger Mountain (by Strategy), ambos de 1974, forçavam os limites sônicos da música pop sem precisar desestruturá-la. Nos dois discos, Eno liderava um grupo de músicos que reunia titãs da música europeia dos anos 70, como todos integrantes do Roxy Music (à exceção de Bryan Ferry), membros do King Crimson, Hawkwind, Pink Faries, Genesis, Soft Machine e Winkies, enquanto Eno aparecia tocando instrumentos batizados como “piano simplista”, “laringe elétrica” e “guitarra-cobra”. Gravados em pouco tempo, seus dois primeiros discos também consolidariam uma técnica criativa que ele materializa como um conjunto de cartões chamado Oblique Strategies (Over One Hundred Worthwhile Dilemmas) (Estratégias Oblíquas – Mais de Cem Dilemas Que Valem a Pena), que traziam desafios estéticos para os músicos com quem estava gravando. Chamava um músico e puxava uma carta, que vinha com instruções simples e desafiadoras, como “tente fingir”, “apenas um elemento de cada tipo”, “o que aumentar? o que reduzir?”, “honre o erro como uma intenção oculta”, “pergunte ao seu corpo” e “trabalhe em uma velocidade diferente”. Além disso, ele usava o próprio corpo – dançando ou fazendo gestos – para guiar as experiências musicais que queria introduzir, mas sem nunca deixar as canções soando experimentais ou esquisitas.

Os dois discos seguintes, Another Green World e Discreet Music (ambos gravados em 1975), iam para o outro extremo, justamente ao descartar o formato canção. Apenas cinco das quatorze músicas de Another Green World (considerado seu principal álbum) tinham letras e as melodias se estendiam em longas texturas horizontais minimalistas, que começariam a definir o conceito de música ambiente (concebido a partir de outra ideia ousada, do compositor Erik Satie, a “música-mobília”), que aos poucos seria toda uma nova vertente desde a incipiente música eletrônica do período até hoje. Discreet Music ia ainda além, principalmente a partir da faixa-título, que ocupava todo o lado A do vinil com trinta minutos de contemplação sonora.

Receoso de se repetir, Brian Eno deixou os holofotes e passou para o estúdio, começando sua bem-sucedida carreira como produtor de artistas estabelecidos, ajudando David Bowie a se reinventar em sua trilogia gravada em Berlim, onde o músico inglês abraçou completamente os conceitos estéticos de Eno, principalmente no lado B do disco Low. Nos dois anos entre seus quatro primeiros álbuns e o vindouro Before and After Science, Eno começou a trabalhar no equilíbrio entre essas duas personas: o experimentalista pop e o compositor de vanguarda.

O disco de 1977 é praticamente um manifesto de suas duas metades. O lado A é composto por canções baseadas em ritmo, que, além de ajustar o formato canção para uma novidade que vinha se desenvolvendo do outro lado do Atlântico (a disco music que seria o big bang para toda a dance music do final do século passado) também conectava-se com seus novos colaboradores alemães. Eno chamaria integrantes de bandas como Can, Cluster e Harmonia da mítica versão alemã para o rock progressivo da época (conhecidos pelo termo pejorativo krautrock) e em músicas “No One Receiving” e “Kurt’s Rejoinder” anteciparia em décadas a cena disco punk nova-iorquina puxada pelo grupo LCD Soundsytem.

Na faixa “King’s Lead Hat” saudava os novatos Talking Heads no título da música (um anagrama para o nome da banda de David Byrne), estreitando o contato que o tornaria produtor daquele grupo em seus três próximos álbuns (More Songs About Buildings and Food, Fear of Music e Remain in Light), ajudando a banda de Nova York ultrapassar o pós-punk e abraçar as músicas eletrônica, caribenha e africana. O lado B do disco, uma obra-prima por si só, elevava os conceitos de ambient music para além, aos poucos dissolvendo-os com a música pop experimental que havia lapidado em seus dois primeiros discos.

Before and After Science é o disco que marca o fim de sua carreira como popstar e sela seu destino como tutor para bandas em ascensão, além de experimentalista conceitual. A partir deste disco, Brian Eno passa a usar sua discografia como exercícios de estética ao mesmo tempo em que auxiliava artistas como Devo, James, Slowdive, Laurie Anderson, Grace Jones, Coldplay e, principalmente, o U2 a explorar novos territórios musicais. É o produtor da coletânea de noise vanguarda No New York e gravou ao lado de nomes como John Cale, David Byrne, Robert Fripp, Cluster e Harold Budd, entre outros. É o álbum que demonstra para os anos 70 como seria a música pop do futuro ao mesmo tempo em que consolida sua reputação, tornando-o livre para fazer o que quiser sem precisar dar nenhuma satisfação – comercial ou não.

Brian Eno e Kevin Shields juntos

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Dois mestres da ambiência sonora – Brian Eno e o criador do My Bloody Valentine Kevin Shields – se encontram para um mergulho espetacular de nove minutos em camadas de som, na faixa “Only Once Away My Son”. Ouça com fones de ouvido, por favor.

Low, 40 anos

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Escrevi lá no meu blog no UOL sobre Low, o disco que mudou a carreira de David Bowie e inaugurou sua trilogia de Berlim, que completa quatro décadas neste sábado.

À beira de um colapso mental, David Bowie fugiu de Los Angeles para Berlim, no final de 1976, para escapar de uma possível tragédia. O inglês vivia seus dias mais intensos e pesados, atraindo para perto de si todo tipo de má referência e carga negativa enquanto encarnava mais um personagem inventado artisticamente: o Thin White Duke era uma espécie de versão má do próprio David Bowie e ao mesmo tempo em que se entupia de cocaína e estudava o satanista Aleister Crowley, aplaudia o fascismo, chamava Hitler de “o primeiro rockstar” e aprofundava-se nas ciências ocultas. O resultado daquele período, o disco Station to Station, é uma das obras-primas do artista, que ele não alegava não ter nenhuma recordação do período de sua gravação ao mesmo tempo em que declarava ser sua obra com mais referências ao ocultismo, conexão que ele lamentava ter sido solenemente ignorada pela crítica.

Era um artista no auge. Depois de anos tentando entrar no panteão do rock clássico vestindo diferentes personas, ele finalmente tornou-se um ícone pop ao inventar a história do alienígena Ziggy Stardust, que vem para o planeta Terra e torna-se um popstar. O personagem criado em 1972 dera ao artista inglês as possibilidades de explorar os limites da música, como a geração da qual era caçula, compondo, tocando, cantando e produzindo as próprias músicas. Mas, além disso, lhe conseguira permissão para reinventar-se quando queria, elevando as transformações de personalidade que a geração do rock dos anos 60 atravessou em declarações estéticas. Cada disco era uma nova chance de começar tudo de novo e reunir novas referências, novas inspirações, novos padrões artísticos. Seus inúmeros interesses pessoais eram a desculpa perfeita para criar uma múltipla personalidade em público, encarnando, como um ator pós-moderno, as tendências que pairavam sobre o inconsciente coletivo.

E foi o instinto artístico de Bowie que o salvou de se tornar Elvis de si mesmo nos proverbiais cinco anos da faixa que abria o disco Ziggy Stardust. Em vez disso, mudou-se de Los Angeles para Berlim com Iggy Pop a tiracolo, querendo mudar radicalmente a paisagem. E apesar dos inúmeros excessos que a dupla inevitavelmente causaria na cidade alemã, à época ainda dividida pelo muro construído após a Segunda Guerra Mundial, ninguém ligava. O que causava ultraje e gerava manchetes na capital do showbusiness norte-americano era visto de forma trivial pelos habitantes da cidade alemã. Era só um roqueiro inglês e seu amigo americano fazendo besteiras. Tanto faz.

Iggy Pop e David Bowie

Iggy Pop e David Bowie

Essa reação quase esnobe foi um choque para David Bowie. Em Berlim ninguém se interessava por ele, sua fama era artificial, um sucesso de plástico criado e alimentado pela indústria de entretenimento visto como um teatro vazio que não impressionava uma cidade escorraçada por duas guerras mundiais. Aquilo fez que Bowie começasse a repensar quem ele realmente era, por baixo de tantas máscaras. O fato de Berlim ser uma cidade intocada pela cocaína obrigou o artista a parar de cheirar e a droga preferencial da cidade, heroína, não batia com a cabeça do inglês. Foi o início de um processo de introspecção e amadurecimento que ficou conhecido anos depois como “a trilogia Berlim”, formada pelo conjunto de três discos inspirados pela cidade e o primeiro deles foi lançado há exatos 40 anos. Low, que chegou às lojas menos de uma semana após o aniversário de 30 anos de seu autor, mudou o pop definitivamente, embora esta mudança não tenha sido assimilada de uma vez só.

Gravado em sua maioria no Castelo de Hérouville, na França (onde Bowie havia gravado, em julho de 1973, o disco de versões Pin Ups e produzido o primeiro disco solo de Iggy Pop, The Idiot), e parte no Hansa Studio em Berlim, Low é um disco cujas raízes já podem ser encontradas em Station to Station. O disco do ano anterior funciona como um preâmbulo à trilogia Berlim e a paixão de Bowie pela sonoridade alemã daquele período – de grupos de rock progressivo tortos como Neu!, Can, Tangerine Dream e o essencialmente eletrônico Kraftwerk – já podia ser ouvida nas composições da fase Thin White Duke. É aquele tipo de som – sintético, metronômico, intenso e absorto que os alemães chamavam de Kosmiche Musik e os ingleses de krautrock – que faz Bowie escolher Berlim como sua visão de futuro – ou pelo menos de seu próprio futuro.

Brian Eno e David Bowie

Brian Eno e David Bowie

Mas Bowie foi pego de surpresa ao descobrir uma cidade e um elemento estético que não queriam ser emulados. Para isso, chamou dois velhos amigos para encarar esta nova jornada: Brian Eno, ex-tecladista do Roxy Music que estava começando a compor seus primeiros discos solo criando um gênero chamado ambient music (compondo obras para funcionarem como trilhas sonoras para aeroportos e supermercados), e Tony Visconti, produtor com quem Bowie já vinha trabalhando desde o final dos anos 60 (e que produziria seu derradeiro disco, ★).

Apesar dos dois terem créditos de produção, o papel de ambos foi bem diferente durante as gravações. Eno trabalhou mais como um diretor artístico do disco, conduzindo David Bowie para uma sonoridade que transcendia as amarras do rock – e até mesmo da canção. Personificada principalmente no lado B do disco, a presença de Brian Eno aludia justamente às condições frias e sem rodeios da personalidade alemã, mas sem ritmo, sem letra, sem refrão. O experimento que os Beatles fizeram no final de seu álbum branco, quando John Lennon, George Harrison e Yoko Ono superpuseram vários pedaços de fita emulando uma colagem de vanguarda musical chamada “Revolution 9”, atingia um novo patamar no segundo lado de Low. As faixas “Warszawa” (a faixa mais embleática do disco, composta por Eno e com vocais sem letra improvisados por Bowie), “Art Decade”, “Weeping Wall” e “Subterraneans” pareciam vir de um outro planeta, uma outra dimensão, desenhando um horizonte improvável para o futuro da música pop.

David Bowie, em 1977

David Bowie, em 1977

O lado A voltava-se para o soul plástico do Thin White Duke do ano anterior, mas a presença pesada da erma paisagem criada por Bowie e Eno no lado B pairava sobre os momentos mais tradicionais do disco, como as faixas “Breaking Glass”, “What in the World” – com vocais de Iggy Pop -, “Always Crashing in the Same Car” e “Be My Wife”, além de, claro, o hit “Sound and Vision”. O lado era cercado por duas instrumentais que não deixavam dúvida sobre o rumo do disco: as deliciosamente repetitivas “Speed of Life” e “A New Career in a New Town”, que respectivamente abrem e fecham o primeiro lado de Low são as tentativas mais próximas da banda de Bowie – formada à época pelos guitarristas Carlos Alomar e Rick Gardiner, o baixista George Murray, o tecladista Roy Young e o baterista Dennis Davis, além do próprio Bowie (que tocava de saxofone e xilofone a “violoncelos de fita”) e de Brian Eno (tocando diferentes tipos de sintetizadores) – de soar como as bandas alemãs. Acrescente isso a produção de fato de Tony Visconti, que, auxiliado por um aparelho chamado Eventide Harmonizer (que repetia partes recém-gravadas, como um pré-sampler, criando um eco alienígena por todo o disco), criava naquele e nos dois discos seguintes da trilogia (“Heroes” lançado ainda em 1977 e Lodger, de 1979) toda uma sonoridade que ficaria reconhecida na década seguinte como pós-punk. Os timbres de bateria cheios de eco e peso às guitarras cruas e reluzentes ao baixo quase sempre pronunciado depois encontrariam discípulos em bandas tão diferentes e contemporâneas como Cure, R.E.M., Joy Division, Sonic Youth, Echo & the Bunnymen, Talking Heads e Smiths.

À capa, Bowie, de perfil, aparecia em uma imagem tirada do filme de Nicolas Roeg O Homem que Caiu na Terra, estrelado por ele no ano anterior, repetindo a mesma fórmula de Station to Station. Mas ao chamar o disco de Low e colocar-se de perfil logo abaixo do título, Bowie criava um trocadilho visual para explicar que naquele disco ele preferia a estética minimalista, em busca de sua essência como cantor e compositor ao mesmo tempo em que ampliava os próprios limites estéticos – e, simultaneamente, os da cultura pop. Seu lado B revela-se a cada ano mais eterno e profético, mostrando que até a sonoridade de vanguarda pode ser pop – e não necessariamente agressiva. Um disco que não só salvou David Bowie de uma possível tragédia pessoal como reinventou sua carreira – e, mais uma vez, ampliou os horizontes do pop.

2017, por Brian Eno

brianeno

O mau agouro de 2016 inevitavelmente paira sobre o início de 2017 e o lado bom desse ceticismo grave deste janeiro é começar a se preparar para o pior – e estar a postos para tudo. Hora de ressuscitar o bom e velho mote “paranóia é precaucação”, pensar sempre nos piores cenários, que tudo que vier é lucro. O Brian Eno vai além e cogita que os sustos que tomamos no ano passado (e não estou falando nem dos mortos conhecidos, que, inevitavelmente, tendem a aumentar a cada ano) possam ser o inicio do tal despertar da consciência coletiva que começa a repensar conceitos básicos para o convívio humano e rotula os últimos quarenta anos (minha existência inteira e da maioria dos que lerão este texto) como um período de descivilização, que começamos a sair agora. Traduzi o post que ele escreveu em sua página do Facebook:

2016/2017
O consenso entre muitos de meus amigos parece ser que 2016 foi um ano terrível e o começo de um longo declínio rumo a algo que nós nem queremos imaginar.

2016 foi de verdade um ano muito duro, mas imagino que seja o fim – e não o começo – de um longo declínio. Ou pelo menos o começo do fim… Pois acho que estamos num declínio por cerca de 40 anos, atravessando um lento processo de decivilização, mas sem realmente perceber isto até agora. Lembro-me daquela história do sapo dentro de uma panela cheia de água que vai esquentando devagar…

Este declínio inclui a transição da segurança do emprego ao emprego precário, a destruição de sindicatos e a diminuição dos direitos trabalhistas, contratos de risco, o desmantelamento de governos locais, serviços de saúde caindo aos pedaços, um sistema de educação mal pago governado por resultados de testes sem sentido e rankings de escolas, a cada vez mais aceitável estigmatização dos imigrantes, o nacionalismo impulsivo e a concentração de preconceitos permitida pelas mídias sociais e pela internet.

Este processo de descivilização nasceu de uma ideologia que esnobava a generosidade social e festejava uma espécie de egoísmo direito (Thatcher: “A pobreza é um defeito de caráter”. Ayn Rand: “Altruísmo é mau”). A ênfase em um individualismo irrestrito teve dois efeitos: a criação de uma enorme quantidde de riqueza e o afunilamento desta na mão de um número cada vez menor de mãos. Hoje as 62 pessoas mais ricas no mundo têm tanto dinheiro quanto o de toda a metade de baixo da população reunido. A fantasia de Thatcher/Reagan que toda essa riqueza iria “escorrer” e enriquecer a todos simplesmente não aconteceu. Na verdade aconteceu o oposto: os salários reais da maioria das pessoas está em decadência há pelo menos duas décadas, ao mesmo tempo em que suas perspectivas – e as perspectivas para seus filhos – parecem cada vez mais obscuras. Não é à toa que as pessoas estão com raiva e dando as costas para soluções dos governos que tratam tudo como sempre. Quando governos prestam atenção àqueles que mais têm dinheiro, as enormes desigualdades de riquezas que vemos agora fazem troça da ideia de democracia. Como George Monbiot disse: “A pena pode ser mais forte que a espada, mas a bolsa é mais forte que a pena.”

No ano passado as pessoas começaram a acordar para isso. Muitas delas, com raiva, pegaram o primeiro objeto parecido com um Trump que viram e o usaram para acertar o Sistema na cabeça. Mas estes foram os despertares mais notáveis, mais agradáveis à mídia. Enquanto isso há uma movimentação quieta mas igualmente poderosa: as pessoas estão repensando o que quer dizer democracia, o que quer dizer sociedade e o que precisamos fazer para que elas possam funcionar novamente. As pessoas estão realmente pensando e, mais importante, pensando em voz alta, coletivamente. Acho que passamos por uma desilusão em massa em 2016 e finalmente percebemos que é hora de sair da panela.

Isso é o começo de algo grande. Que envolverá engajamento: não só tweets e likes e swipes, mas ação política e social criativa e inspiradora também. Envolverá perceber que algumas destas coisas que tomávamos como certas – alguma aparência da verdade nos relatos, por exeplo – não podem mais vir de graça. Se você quer boas reportagens e boas análises, você deve pagar por isso. Isso quer dizer DINHEIRO: apoio financeiro direto para publicações e sites que lutam para contar o lado não corporativo e fora do sistema da história. Da mesma forma que se quisermos crianças felizes e criativas, temos que tomar conta da educação, não deixá-la para ideológos ou simplificadores. Se quisermos generosidade social, devemos pagar nossos impostos e nos livrar dos paraísos fiscais. Se quisermos políticos sérios, devemos parar de escolher os que são meramente carismáticos. A desigualdade come o coração de uma sociedade, faz nascer o desdém, o ressentiento, a inveja, a suspeita, os maus tratos, a arrogância e a insensibilidade. Se quisermos qualquer tipo decente de futuro, temos que nos livrar disso e acho que já começamos a fazer isto.

Há tanto para fazer, tantas possibilidades. 2017 deverá ser um ano surpreendente.

Eu discordo um tanto sobre esse papo de dinheiro em caixa alta e sobre “você deve pagar”. Este mesmo período de descivilização que ele diz é o período de produtização de tudo, inclusive das pessoas – sempre regido pelo denominador comum mais raso possível, o dinheiro. Acho que enquanto não pensarmos em um futuro pós-capitalista, continuaremos a repetir os mesmos erros de sempre.

Mesmo assim, feliz ano novo. Mais foco, mais disciplina, mais saúde e mais sossego pra todo mundo.

Vida Fodona #533: Frio e sol

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Mudança de estação.

Jane Weaver – “Don’t Take My Soul”
Ladyhawke – “Paris is Burning (Cut Copy Remix)”
JJ – “Things Will Never Be The Same Again”
Lemon Jelly – “The Stauton Lick”
Yumi Zouma – “Catastrophe”
Helvetia – “Old, New Bycicle”
Bees – “Listenig Man”
Mild High Club – “Note to Self”
Of Montreal – “The Party is Crashing Us”
Guilherme Arantes – “Deixa Chover”
Mahmundi – “Desaguar”
Daryl Hall + John Oates – “You Make My Dreams”
Dumbo Gets Mad – “Future Sun”
Boogarins – “Mario de Andrade/ Selvagem”
Brian Eno – “St. Elmo’s Fire”
Jupiter Apple – “Bridges of Redemption Park”
Tatá Aeroplano – “Outono à Toa”
Built to Spill – “Bad Light”
Arcade Fire – “Flashbulb Eyes”
Melody’s Echo Chamber – “Some Time Alone, Alone”
Good Morning – “Warned You”
Elliot Smith – “A Passing Feeling”
Lupe de Lupe – “Colgate”

Filmes e debates no Sónar São Paulo 2015

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A versão paulistana do festival espanhol terá documentários sobre Frank Zappa e Brian Eno e debates sobre impressão 3D, cultura startup e música latina. Escrevi mais sobre a programação extra do festival, que acontece no fim de novembro, lá no meu blog no UOL.

Damon Albarn e Brian Eno celebram Terry Riley com o Africa Express

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A paixão do líder do Blur Damon Albarn pela música africana vem de longa data e uma de suas encarnações é o projeto Africa Express, que já inclusive se materializou em uma turnê de trem por seis dias no continente africano em 2012, com shows ao lado de nomes como Paul McCartney, John Paul Jones e Nick Zinner, do Yeah Yeah Yeahs (que virou um integrante fixo da iniciativa). Agora o Africa Express comemora o aniversário de 50 anos de um marco da música erudita contemporânea – “In C”, composta por Terry Riley em 1964, será celebrado com o lançamento de uma versão de 41 minutos (!) gravada no ano passado no clube Bamako, em Mali, em uma versão regida pelo jovem maestro André de Ridder, acompanhado por Damon e pelo produtor Andi Toma (do Mouse on Mars), com participações de Brian Eno, Nick Zinner e músicos do Mali, como malinês Adama Koita, Bijou, Cheick Diallo, entre outros. E o casamento de minimalismo de laboratório com as intrincadas harmonias africanas soou bonito, como dá pra ver pelo aperitivo de cinco minutos abaixo:

Damon Albarn + Graham Coxon + Brian Eno + Kano + De La Soul

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Não foi um festival e sim o show de Damon Albarn no Royal Albert Hall, em Londres, na Inglatera, neste sábado. Divulgando seu primeiro disco solo Everyday Robots, o líder do Blur deu uma geral na própria carreira tocando músicas de diferentes fases de sua carreira (The Good, The Bad & The Queen, Gorillaz, Mali Music e Blur). Para visitar as músicas de sua clássica banda, ele chamou o velho comparsa Graham Coxon para tocar “End of the Century”, o lado B “The Man Who Left Himself” e “Tender” no primeiro bis:

No segundo ele chamou dois convidados para cantar músicas dos Gorillaz. Primeiro o De La Soul para tocar “Feel Good Inc.”:

E o rapper Kano para cantar “Clint Eastwood”:

E encerrou o show chamando Brian Eno para ajudá-lo em uma música de seu disco mais recente, “Heavy Seas of Love”:

Alguém se dispõe a trazer esse show pro Brasil? Olha o setlist aí embaixo:

 

Vida Fodona #444: Brechas no meu tempo livre

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Sempre tem.

Ty Segall – “Connection Man”
Adamski + Seal – “Killer”
Lexx – “Turning Tides”
Nicolas Jaar – “Keep Me There”
Elo da Corrente – “Koan”
Pipo Pegoraro – “Aiye”
Perfume Genius – “Queen”
Max Frost – “White Lies”
Thurston Moore – “The Best Day”
Courtney Barnett – “History Eraser”
Spoon – “They Want My Soul”
Mosby Family Singers – “The Lord Is My Shepherd”
Cookies – “Chains”
Brian Eno – “St. Elmo’s Fire”
O Terno – “Eu Vou Ter Saudades”
Rita Lee – “Ando Jururu”
Dexy’s Midnight Runners – “Come On Eileen”

Vem cá.