Um big bang chamado Twin Peaks

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Escrevi para a revista Bravo sobre como o seriado de David Lynch mudou a relação do cinema com a TV – e continua mudando em sua terceira temporada.

Quem matou o cinema?
À parte o exagero da pergunta, foi ‘Twin Peaks’ quem, nos anos 90, levou a estética do cinema para a TV, inaugurando a atual era de ouro das séries. E agora pode estar dando um salto ainda maior

Se hoje chamamos a atual produção televisiva norte-americana de “nova era de ouro da TV”, e se o formato seriado parece abrir níveis de complexidade difíceis de serem atingidos no cinema comercial, não há dúvida que estas duas vertentes foram inauguradas há um quarto de século, quando David Lynch e Mark Frost inseminaram em um formato tido como estéril e emburrecedor a semente para que ele se tornasse uma das principais expressões da cultura contemporânea. Twin Peaks, o seriado que criaram juntos no início dos anos 90, é o big bang da atual safra de seriados. E seu improvável retorno neste ano parece abalar as estruturas do meio da mesma forma que sua primeira vinda há um quarto de século.

Antes de Twin Peaks, seriados norte-americanos eram um formato raso. Produzidos em massa como passatempo para serem consumidos nas horas vagas, contavam histórias triviais em que todos seus contratempos eram resolvidos em um episódio. Você não precisava acompanhar o seriado para saber o que estava acontecendo, e as mudanças – casamentos, divórcios, novos personagens – ocorriam com o passar dos anos. A televisão não se misturava com o cinema – era um subproduto cinematográfico que Hollywood preferia evitar.

Foi quando David Lynch e Mark Frost foram convidados para contar a história de Marilyn Monroe em um filme feito para a televisão. Frost já havia feito história na TV com o seriado Hill Street Blues (1981-1987), que acompanhava o dia-a-dia de uma delegacia que não necessariamente seguia os mesmos personagens todos episódios. Foi a partir deste seriado que a TV começou a mudar sua noção de continuidade narrativa, com personagens que apareciam e desapareciam da série sem dar notícias. A série não era sobre personagens, mas sobre um ambiente em que aqueles personagens viviam.

Lynch, por sua vez, vinha aos poucos conseguindo se equilibrar como um diretor comercial. O estranhíssimo Eraserhead (1977) continuava um alienígena em sua filmografia, que aos poucos ia acomodando sua bizarrice em filmes sobre um homem deformado (O Homem Elefante, 1980) e uma ficção científica (Duna, 1984) até achar no quintal do white trash norte-americano o melhor ninho para suas alucinações surreais, primeiro em Veludo Azul (1986) e depois em Coração Selvagem (1990). Ele sabia que conseguiria desenvolver melhor aquilo se tivesse mais tempo.

Lynch e Frost abortaram o projeto sobre Marilyn quando começaram a pender demais para as teorias de conspiração que indicavam que sua morte estaria ligada ao caso que a atriz teria tido com os dois irmãos Kennedy. Mas a partir dessa premissa começaram a escrever uma história parecida só que em uma escala bem menor – como um assassinato em uma pequena cidade do interior dos EUA poderia esconder uma série de segredos sobre essa mesma cidade.

Assim eles criaram Twin Peaks, uma cidade fictícia no noroeste norte-americano que é abalada pela notícia da morte de uma de suas adolescentes mais populares, a perfeita Laura Palmer, vivida por Sheryl Lee. Quando seu corpo é retirado amarrado em um saco plástico de dentro de um rio, a garota dá origem a uma série de desdobramentos de diferentes naturezas, que se desenvolvem a partir da chegada do agente do FBI Dale Cooper, vivido por Kyle MacLachlan, à cidade.

Até aí, tudo bem, nada indicava que Twin Peaks poderia ser algo mais profundo do que uma série policial em busca do assassino de uma personagem carismática. Mas a estranheza de David Lynch começa a tomar conta quando, aos poucos, outros elementos começam a se misturar com a história principal. Aos poucos descobrimos que os moradores da cidade são bem esquisitos e têm manias improváveis. Ao arranhar a superfície da pequena cidade, Lynch aos poucos vai nos revelando um universo de perversões, maldades e desvios de caráter que misturam a pacata cidadezinha com sexo, drogas, violência, rock’n’roll e sobrenatural.

Cabe a Frost costurar os devaneios de Lynch, mostrando as amarras improváveis entre personagens distintos. E a usar Twin Peaks como uma espécie de paródia das telenovelas norte-americanas, os únicos seriados que tinham uma narrativa contínua e que, talvez justamente por isso, eram ridicularizados como pior que os seriados da época. A dupla mergulha no coração tradicional dos Estados Unidos para mostrar pessoas desvirtuadas, estranhas e malucas fazendo coisas sem o menor sentido, atendo-se a superstições e paranoias, enquanto um universo em outra dimensão – de cortinas vermelhas, chão de ziguezague, anões que falam de trás para frente, gigantes, anéis e creme de milho – parece observar tudo à distância, monitorando e eventualmente intervindo em nosso plano de realidade.

A série teve duas temporadas e foi um fenômeno de audiência, uma febre popular que nunca tinha alcançado aquele formato. Em tempos pré-internet, o boca a boca elevava a dúvida sobre o assassino de Laura Palmer para os estranhos caminhos traçados pelo seriado, que misturava os anos 80 aos 50, criando uma sociedade norte-americana ingênua mas ao mesmo tempo bizarra e suspeita.

Mitologias

O sucesso repentino do programa fez a emissora ABC intervir cada vez mais no seriado, querendo faturar em cima de algo que nem tinha ideia como fazia sucesso, e obrigou David Lynch e Mark Frost a revelar o assassino de Laura Palmer, algo que os dois não queriam fazer por achar que a resposta enfraqueceria o mistério. A revelação, no início da segunda temporada, fez Lynch abandonar a série no meio, retornando apenas para o último episódio, que terminou de um jeito ainda mais estranho e culminou com o cancelamento da série.

A decisão da emissora ABC fez Lynch buscar outro fio condutor para aquela história, criando o filme Fire Walk with Me (1992), em que contava a história dos últimos dias de Laura Palmer ao mesmo tempo em que se afundava ainda mais na estranheza da série. O filme até hoje divide opiniões – foi vaiado ao ser exibido em Cannes e fez muitos fãs torcerem o nariz. Mas aprofundou-se em questões que tornaram o seriado cult – como, por exemplo, ter Chris Isaak e David Bowie como integrantes do elenco.

Esse estranho caleidoscópio narrativo pariu praticamente todo o universo de seriado em que navegamos hoje. Não dá para imaginar séries como Lost, The Killing, Alias, Westworld, Fargo, Mr. Robot, True Detective, Buffy – A Caça-Vampiros, Arquivo X e Desperate Housewives sem a falsa ingenuidade white trash, a construção de mitologias, os personagens excêntricos, as investigações sobrenaturais e o suspense policial criados em Twin Peaks. Mesmo o hiperrealismo, a tensão paranoica, o surrealismo e a violência do seriado abriram brechas para a existência de Walking Dead, Breaking Bad, 24 Horas, The Wire e Sopranos. Fora o fato da série existir em nosso inconsciente de diversas formas.

O que Lynch e Frost fizeram foi levar a estética do cinema de arte para a televisão. Se assistidas hoje as duas primeiras temporadas de Twin Peaks não parecem tão bizarras, é porque elas mudaram completamente a paisagem da televisão no início dos anos 90. Borraram as fronteiras entre gêneros, ultrapassaram expectativas, apelaram para o surrealismo e a psicodelia e abandonaram a racionalização e o sentido, preferindo jogar os espectadores em um mar de imagens e sons que por si só já se bastava.

Foi esse movimento de levar o cinema para a televisão que proporcionou o movimento inverso. Antes de Twin Peaks apenas Michael J. Fox havia conseguido fazer a transição da televisão para o cinema. Depois da série, atores que hoje figuram entre os maiores de Hollywood – como Will Smith e George Clooney – puderam tentar o cinema comercial a partir de suas incursões na TV. Essa tendência aconteceu ao mesmo tempo em que Hollywood passou a apostar cada vez menos no risco e em desafios narrativos, resumindo suas principais produções a remakes, continuações ou adaptações de sucessos de outras mídias (livros, quadrinhos e TV, principalmente) para as grandes telas.

Não por acaso as temporadas das principais séries hoje em dia são vistas como filmes de algumas horas de duração – mesmo obras ousadas e ambiciosas, como Game of Thrones, True Detective e Westworld, até outras menos sérias, como Stranger Things. E não por acaso Lynch resolveu retomar Twin Peaks 25 anos depois com essa mesma premissa: é um filme de 18 horas (por ser uma temporada de dezoito episódios).

E até agora Lynch está superando o esperado. Se começou a terceira temporada de Twin Peaks confundindo todo mundo com cenas fora da cidade e esvaziando seu principal trunfo (o Agente Cooper, que voltou à série completamente fora de si), aos poucos foi juntando os pontos e entregando o ouro, concretizando expectativas que os fãs esperavam há décadas.

Mas com o episódio 8, batizado de Got a Light?, ele subverte mais uma vez os rumos da televisão, e pode ter iniciado uma revolução ainda maior que a que começou há um quarto de século, principalmente porque agora qualquer um com acesso à tecnologia digital consegue produzir seus próprios filmes e séries sem muito custo ou esforço, e pela série estar sendo exibida globalmente através do Netflix.

A revolução já pode estar acontecendo – e só vamos perceber seu impacto daqui uns anos.

Jornalismo Cultural na Web

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A revista Bravo está organizando, ao lado do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, um curso sobre Jornalismo Cultural na Web e eu fui convidado para participar de uma das aulas, sobre jornalismo independente, ao lado do Bruno Torturra, da Helena Bagnoli (da própria Bravo) e Marina Amaral (diretora de redação da Agência Pública). Abaixo, o programa do curso, que já abriu inscrições:

No novo cenário, o jornalismo cultural se reinventa e aumenta suas possibilidades, os recursos multimídia disponíveis aproximam notícia e leitor e proporcionam experiências quase reais. Nunca houve tanto espaço para falar de livros, peças, discos, exposições, movimentos estéticos. Artistas se comunicam diretamente com fãs, opiniões pulverizadas tomam o lugar da crítica tradicional. Contar boas histórias, escrever bons textos, fazer conexões relevantes e colocar o leitor no centro de tudo, ainda continua sendo o caminho a perseguir.

Como então conciliar excelência editorial, com o gosto pela síntese, pela fragmentação e generalidade que povoam nossos tempos? Como manter o pensamento reflexivo nesse mundo apaixonado por opiniões consensuais e ainda sendo sustentável financeiramente?
Essas são as questões centrais que a Bravo! pretende discutir nestes encontros.

10/04 – Retrospectiva do jornalismo cultural
Dos clássicos cadernos de cultura ao impresso premium. Marcas amadas x um mercado arisco. Formatos consagrados x necessidade de reinvenção. Revista Bravo: a definição do novo formato
Com Helena Bagnoli.

12/04 – Novo jornalismo e as mídias sociais
Como trabalhar com redes sociais. A presença nas redes sociais – como existir. O desafio de ser lido. O jogo do vídeo para cada plataforma, uma narrativa
Com Guilherme Werneck.

17/04 – Como sobreviver além da publicidade
Projetos on demand. Patrocínio x publicidade. Como ser mais do que apenas mídia. Oportunidades de negócio cultural. Cultura colaborativa. Movimento makers.
Com Paulo Carmossa, Manoel Brasil e Helena Bagnoli.

19/04 – Curadoria: Como fazer uma seleção que empolgue as redes?
O que é relevante? Relevância x alcance. Ferramentas de curadoria online. Curadoria cultural versus curadoria do conhecimento
Com Dante Felgueiras, Pedro Dória e Guilherme Werneck.

24/04 – A leitura em profundidade está em desuso?
O cenário mundial do jornalismo de leitura longa. Reportagem multimídia, casos e prática. Conteúdo não-perecível. Novas abordagens narrativas.
Com Armando Antenore e Guilherme Werneck.

26/04 – O papel da crítica de arte
Por onde começar. Crítica acadêmica x crítica jornalística. Qual a importância? Existe uma boa crítica?
Com Almir Freitas.

03/05 – Jornalismo independente
Do fanzine às plataformas digitais. Tipos diferentes de independência. Financiamento coletivo. Como ser viável financeiramente.
Com Marina Amaral, Alexandre Matias, Bruno Torturra e Helena Bagnoli.

08/05 – Jornalismo cultural na prática
Como escrever um bom texto?
Com Ronaldo Bressane.

As inscrições pela internet podem ser realizadas até um dia antes do início da atividade. Após esse período, caso ainda haja vagas, é possível se inscrever pessoalmente em todas as unidades. Após o início da atividade não é possível realizar inscrição.

A imagem que ilustra este post é uma foto de Henk Nieman da obra Ttéia1C, de Lygia Pape.

O absurdo de Rodrigo Campos, Juçara Marçal e Gui Amabis

sambaabsurdo

Eis o primeiro samba absurdo composto pela parceria tripla de Rodrigo Campos, Juçara Marçal e Gui Amabis.

A ideia do projeto nasceu de Rodrigo Campos que, inspirado pelo livro O Mito de Sísifo, de Albert Camus, resolveu encarar o absurdo como tema – e para isso chamou Juçara Marçal para cantar e Gui Amabis para disparar beats e samples no palco. As letras das canções foram compostas por Nuno Ramos. Os três contam como Sambas do Absurdo – que vai virar disco – nasceu no vídeo abaixo:

Vi na Bravo.

Tom Zé pelado na capa da Bravo!

Quer mole ou quer mais?

As capas tão no Feice da revista

O que Lourenço Mutarelli achou do filme do Tintim

E assim o velho quadrinista reagiu ao filme de Spielberg:


Vi na Bravo.

A Bravo da Lady Gaga

…mas eu juro que isso eu não entendo. Vou até comprar pra tentar entender. Vai ver o truque é esse – só um truque. Afinal é a Lady Gaga, né – mais da metade é truque.

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