Bom saber #008: Vinte anos de uma lógica aberta
Na minha coluna desta semana no site da Galileu, explico como a web – cujo primeiro site foi publicado há vinte anos – conseguiu popularizar a internet.
Vinte anos de uma lógica aberta
O primeiro site da web e o porquê da internet ter levado décadas para se popularizar
Sabemos que a internet foi criada há quase meio século, mas, ao mesmo tempo, nosso passado recente nos lembra que nosso uso da rede começou a acontecer há bem menos tempo que isso. Afinal, até quem foi criança nos anos 90 lembra-se de quando usou a rede pela primeira vez. Aqueles que nasceram de 1995 pra cá – e têm hoje, em 2013, menos de 18 anos de idade – podem ter crescido em ambientes que já dispunham de acesso à internet. Mas se você é maior de idade é bem provável que você lembre do primeiro contato que teve com hábitos que hoje fazem parte de nossa rotina.
Depois de ligar o computador – que, naquele tempo, ainda trazia a ancestral versão 3.1 do Windows, que exibia as tais “janelas” que batizavam o sistema operacional em sua área de trabalho -, era preciso conectar-se à internet através de um modem de conexão discada (aquele barulhinho específico provoca reações nostálgicas – não necessariamente boas – em que o utilizou). Um ícone que unia dois computadores surgia num canto da tela para mostrar que a conexão havia sido feita. Era a hora de, usando um browser de interface gráfica, utilizar a tal rede. E ela nos era apresentada na forma de páginas de texto com poucos recursos visuais e uma novidade que não demorou para ser aprendida: palavras sublinhadas indicavam que elas podiam ser clicadas com o mouse e, a partir deste clique, poderíamos visitar outra página com tantas outras palavras sublinhadas. Mais tarde nos disseram que este conceito chamava-se hipertexto – uma palavra-mágica que, ao ser invocada (com um clique), nos transportava para outros ambientes. Esse teletransporte virtual só era possível graças ao conceito de hyperlink que, rotineiramente, teve seu nome encurtado simplesmente para “link”.
Havia outras formas de se conectar à internet antes desta invenção, mas elas eram burocráticas e pouco inspiradoras. A rotina de clicar no ícone do modem, esperar o computador conectar-se à rede, abrir o programa de navegação e perder-se ao sair clicando nos links que surgiam está tão impregnada em nosso inconsciente que nem sequer percebemos que fazemos isso diariamente. A tecnologia melhorou esse tempo: hoje você não precisa avisar ao computador que quer conectar-se à rede, ele já está online ao ser ligado – e a rede é de uma velocidade incomparável (mesmo quando falamos do 3G brasileiro). Às vezes não é preciso nem abrir o browser para sair clicando em links – o sistema operacional já trabalha em rede, atualizando-se sozinho. A própria expressão “entrar na internet” parece não fazer mais sentido – afinal, estamos online o tempo todo, conscientes ou não. Checar um email ou se informar sobre alguma coisa específica já não levam os minutos que levavam antes de 1995. Fazemos isso em segundos atualmente. E por mais que nossos hábitos possam ter evoluído em relação àquele tempo, eles ainda são essencialmente os mesmos. Algumas siglas nos ajudam a identificar a semelhança.
Grande parte dos sites que frequentamos nessas duas últimas décadas começavam com o http e terminavam com html. O “h” que inicia as duas siglas é o mesmo do citado hipertexto. O primeiro é o protocolo de transferência de hipertextos, o segundo é a linguagem de marcação de hipertexto. Juntos, eles permitiam que o texto clicável, o tijolo que tornou a construção da web como a conhecemos hoje, pudesse existir.
Este sistema de organização de arquivos começou a ser desenvolvido por um cientista da computação do Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (CERN), principal instituição científica europeia (palco da criação da maior ferramenta humana, o LHC). Tim Berners-Lee se incomodava com o fato de não haver padronização nem mesmo entre as apresentações de seus colegas de instituto e, principalmente, entre os cientistas do mundo, o que tornava o diálogo entre pesquisas e portanto seu desenvolvimento mais lento e desencontrado. Pensando nisso, desenvolveu a lógica do hiptertexto ainda nos anos 80, criando uma base de dados chamada ENQUIRE, que reunia o trabalho de outros cientistas. Este podia ser atualizado pelo próprio autor e permitia que fossem feitas referências literais – via hipertexto – ao trabalho de outros colegas.
Essa lógica foi depurada durante aquela década e, em março de 1989, Tim escreveu uma proposta para uma database ainda mais abrangente. Seu chefe sugeriu que ele usasse um computador NeXT recém-adquirido como servidor – que até hoje é exibido como troféu no próprio CERN, na exposição permanente Microcosm, ainda com o aviso escrito com canetinha vermelha em que se lê “Esta máquina é um servidor: NÃO A DESLIGUE!”. Depois de pensar em nomes que faziam graça com o seu próprio prenome (The Information Mesh e The Information Mine eram acrônimos de “Tim”), Berners-Lee batizou sua nova invenção definitivamente de World Wide Web (“teia de alcance mundial”) – e sugeriu que seus endereços viesse com a sigla www para determinar os novos domínios digitais.
No dia 30 de abril de 1993 – portanto, há 20 anos nesta semana – ele criou o primeiro site dentro de seu novo sistema de organização de informação, site ressuscitado pelo próprio CERN em lembrança à data. Poucos meses depois me lembro de ter consultado os computadores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp para, através da recém lançada web (eu mal sabia), entender o que era o trabalho de um tal Subcomandante Marcos que, do interior do México, usava a rede para espalhar sua causa para o resto do mundo – minha primeira vez online. Em menos de um ano depois, escreveria minha primeira matéria sobre a popularização da internet, uma invenção que, na última década do século passado, completava três décadas de existência. Em dois anos, a rede havia se popularizado mais rapidamente do que nas suas primeiras três décadas.
Pois antes sua existência era tratada como uma espécie de pacto velado entre iniciados: a rede interconectava milhares de pessoas em diferentes países, mas não havia se tornado popular, mesmo que o computador pessoal já tivesse se embrenhado nas diferentes áreas do conhecimento humano. Foi preciso que uma invenção de um cientista inglês obcecado por organização de informação abrisse o clubinho secreto global para que todo mundo participasse – e que, assim, popularizasse a rede.
Esse foi o segredo do sucesso da web. Em uma apresentação mostrada em 1991, ele explicava que “estamos muito interessados em que a web se espalhe por outras áreas e para termos servidores para outros dados. Colaboradores são bem-vindos”. A navegação intuitiva e a visualização menos burocrática também ajudaram a popularização da web, mas foi esta frase final, escrita dois anos antes da execução do primeiro site, que tornou a rede tão popular em tão pouco tempo. Se fosse criada em uma empresa, talvez esta lógica não fosse tão amigável e possivelmente seria necessário alguns diplomas ou certificações para se trabalhar naquele novo projeto. Ao abrir a novidade para o mundo, o CERN tornou-se pai de uma ferramenta humana talvez ainda mais ambiciosa que o grande colisor de hádrons, o LHC. Uma que conecta toda a humanidade de forma a acelerar radicalmente a evolução de diferentes níveis de conhecimento, graças ao simples contato instantâneo.
Ainda estamos engatinhando neste novo universo digital, mas não tenha dúvidas que se não fosse o apelo a uma natureza colaborativa e o ímpeto generoso de Tim Berners-Lee ao tornar a web aberta – tecla que ele segue batendo, como disse nas vezes que veio ao Brasil -, não estaríamos conversando diariamente com o resto do mundo em uma tela de computador. Não é por acaso que confundimos web com internet – foi a primeira que tornou a segunda popular e permitiu que todos passássemos a usá-la. Hoje percebemos que os limites da internet vão para muito além da web, conforme navegamos em aplicativos em nossos smartphones que não utilizam a interface desenvolvida por Tim Berners-Lee (embora sua lógica, a dos links, permaneça ali) ou descobrimos desdobramentos diferentes desta rede seja em redes de torrents, ecossistemas criados por empresas de games e redes sociais, variações do dito armazenamento digital “na nuvem” ou na infame deep web. E esses limites continuarão se expandindo se, como quis o cientista inglês, a lógica da rede seguir aberta e sem controle, como é há vinte anos.
E você, que hoje pode assistir à TV do mundo inteiro, informa-se em redes sociais e ouve a música que quiser ouvir com uma mísera busca, lembra-se da primeira vez que utilizou a web? Não esqueça de agradecer a Tim Berners-Lee.
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