A aula nem havia começado e Bernardo Oliveira já erguia as sobrancelhas ao olhar para o material que havia preparado enquanto os alunos entravam na sala: “Matias, não vai dar tempo!”, dizia antes de começar as três horas sem intervalo que havia preparado sobre música negra brasileira dentro do curso História Crítica da Música Brasileira, que estou coordenando no Sesc Pinheiros. Não deu, mas deu: Bernardo nos conduziu rumo a jornada que comparava as culturas de diferentes povos africanos e seu impacto em nossa história – e não apenas cultural. Falando sobre ciência, técnica e tecnologia, mostrou tradições que atravessam séculos mesmo vivendo sob violenta opressão e mostrando como elas moldam o próprio conceito de identidade cultural brasileira. E tome doses pesadas de Clementina de Jesus com audições de rituais de celebração de exu por todo o país, citações de José Ramos Tinhorão, o verdadeiro modernismo do Estácio de Sá, o papel político dos terreiros das tias que abrigavam o samba carioca, loas tecida às transformações em Mario de Andrade e como o termo “funk” está sendo descartado para explicitar a raiz africana deste gênero urbano brasileiro, sendo referido atualmente como “macumbinha”. Bernardo poderia falar mais ainda o dobro de tempo porque assunto e eloquência não faltavam, mas conseguiu condensar as principais problemáticas relacionadas à música negra brasileira, principalmente no que diz respeito ao que pode ser considerado brasileiro ou não. “Racionais é música negra brasileira? Eu acho que é, tem gente que acha que não é”, provocou.
E outubro chegou chegando: a partir do próximo sábado começo mais uma série de aulas do curso História Crítica da Música Brasileira, em que repasso nosso histórico musical do último século – o da música gravada – para mostrar como os cânones e as linhas narrativas que constroem o que chamamos de música brasileira foram criadas. Desta vez o curso acontece no Sesc Pinheiros, sempre aos sábados, a partir das 16h30, e mais uma vez posso contar com a presença dos mesmos queridos intelectuais que ajudaram a tornar a primeira edição tão especial: Bernardo Oliveira, Pérola Mathias, Rodrigo Faour e Rodrigo Caçapa, cada um deles abordando um critério específico da nossa história musical, cultural, social e política. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas neste link. Abaixo, a descrição completa do curso:
A partir da próxima quarta-feira começo mais um curso sobre música brasileira, desta vez em parceria com o Sesc Av. Paulista. Durante seis aulas, História Crítica da Música Brasileira repassa nosso consagrado cânone questionando escalões, hierarquias, apagamentos e sumidades ao comparar a história desta manifestação cultural e como ela passa para a posteridade. Em três semanas, sempre às quartas e sextas, das 19h às 21h30, repasso como essa transformação acaba moldando nosso entendimento do que é bom e o que é ruim, o que é representativo ou não e até mesmo o que seria essencialmente brasileiro dentro deste novo contexto. Para isso, convoquei os pensadores e agitadores culturais Rodrigo Faour, Pérola Mathias, Bernardo Oliveira e Rodrigo Caçapa, cada um deles especializado em um aspecto específico desta trajetória, para discutir como parâmetros como classe social, raça, gênero, orientação sexual e distâncias geográficas acabam determinando não apenas o sucesso comercial de cenas inteiras como sua posterior classificação – ou desclassificação – histórica. As inscrições para o curso já estavam abertas para quem tinha a credencial plena do Sesc e agora as vagas estão abertas para todos neste link – por isso, quem chegar primeiro leva. Abaixo, a ementa do curso e a divisão sobre quem fala sobre o que em casa uma das aulas.
Thiago França me chamou para participar mais uma vez de seu podcast – e além de ter sido o primeiro convidado a participar mais de uma vez do programa, ainda pude participar da primeira edição presencial do Sabe Som depois do início da pandemia – cuidando, claro, dos protocolos de segurança. O papo foi sobre a produção musical do ano passado e ainda contou com participações remotas de GG Albuquerque, Isabela Yu, Bernardo Oliveira e Pérola Mathias. Confere aí embaixo.
Chamei o grande Bernardo Oliveira, um dos idealizadores do selo carioca QTV, para falar de sua trajetória como agitador cultural no Rio de Janeiro e ótima fase que o selo vem atravessando. Mas o foco da entrevista também foi, aproveitando sua formação acadêmica e seu trabalho como crítico musical, dissecar o estado da música e da cultura brasileira hoje, que remonta ao passado racista e violento do país, que neste 2020 mostrou sua cara feia. Uma longa e inspiradora aula sobre o estado das coisas no Brasil neste ano bizarro.