Bárbara Eugenia na pista

, por Alexandre Matias

barbara-eugenia-tuda

A querida Bárbara Eugenia me chamou mais uma vez para escrever um release de seu disco, o dançante e apaixonado Tuda, que consolida a ascensão crescente da discografia da cantora compositora e agora produtora.

“Eu vim, eu vim saudar… Os seres da mata e os seres do mar…”, Bárbara Eugenia canta entre percussões e as vozes das mulheres de seu bloco Pagu – Soledad, Julia Valiengo, Mariana Bastos, Verônica Borges, Bruna Amaro, Thereza Menezes e Isadora Id. “Eu vim, eu vim saudar… Tudo que vem do fogo, da terra, da água e do ar” – o andamento rítmico e o canto circular remetem a uma celebração pagã na floresta, uma grande ciranda solta em meio à mãe natureza, celebrando as virtudes femininas da criação. Mas o ritual de entrada em Tuda, quarto disco da cantora nascida em Niterói que celebra mais de uma década de carreira e de São Paulo, faz o disco surgir no meio do mato para logo em seguida ir para o meio da rua, a pista de dança, a cidade grande, o século 21.

“Perdi” começa o disco propriamente depois de um piano à espreita e logo dá o rumo de Tuda: as programações e guitarra de Dustan Gallas e a bateria eletrônica de Clayton Martin, dois velhos cúmplices da cantora na produção do disco, determinam uma realidade musical sintética que conversa tanto com a moderna música eletrônica quanto com a disco music dos anos 70 e o tecnopop da década seguinte. A canção, composta pelos três, no entanto ecoa um cancioneiro popular brasileiro que é transmitido em rádios de pilha e programas de auditório, uma jovem guarda temporã, com glitter e cílios postiços. Tal musicalidade – retrô e popular ao mesmo tempo – é característica das canções de Bárbara, que encarna a vida noturna e um balanço boêmio em seu novo disco. Logo ela nos conduz para um outro universo, igualmente dançante, mas com pés de chinelo em piso de terra, percussão de samba-reggae (a cargo de Lenis Rino, Thereza Menezes, Zezinho Maracutaia aka Clayton Martin e Isadora Id), guitarras caribenhas (de Davi Bernardo) e calor tropical.

E assim Tuda vai se reinventando a cada faixa, sempre com os pés na pista de dança e o coração apaixonado. “As Maçãs Que Vêm” é o mais próximo que o disco tem de uma balada e parece mudar mais uma vez o percurso, mas o andamento latino logo chega, reúne os mesmos músicos (Davi, Dustan, Clayton e Lenis) aos synths de Cris Botarelli (do Far from Alaska) para deslizar em uma rumba apaixonante – e de tons psicodélicos. “Tantas luzes, cores, tudo brilha, pulsa, integra no ar / Era entrega e era tuda, eu era o todo e era nada”, canta enquanto move lentamente o quadril, “Na minha cabeça, seja lá o que for, faz todo sentido / Meu corpo está ardendo, será que é do sol? Ou será que ardo eu?” O ardor latino esquenta ainda mais na balada “Sol de Verano”, composição brasileira de Carlos Colla e Luís Alberto Ferri vertida para o espanhol Luis Gómez Escolar para o repertório do disco Reluz que a cantora anglo-
espanhola Jeanette lançou em 1983, uma balada dançante e caliente em que Bárbara recebe outros velhos amigos, o baixista Jesus Sanchez e o tecladista Astronauta Pinguim.

Em “Bagunça”, ela aproxima os extremos mostrados no disco: a latinidade bailante, a disco music retrô e quase robótica, as melodias do inerente pop oitentista – tudo se funde no dueto e parceria com Zeca Baleiro, que ainda conta com um solo de sax rasgadamente vintage por conta de Filipe Nader. Ela segue desconstruindo a própria fórmula numa faixa com três partes: “Querência” começa com os pés na pista do reggaeton para depois cair numa aldeia vodu (com vocalizes de Iara Rennó) e mais à frente deixar o grave cair pesado – para logo suspender a gravidade e voltar à pista retrô eletrônica. A expectativa mais uma vez dá uma volta quando o grupo argentino Onda Vaga surge no disco para cantar “Por La Luz y Por Tierra”, um número acústico. O bloco latino termina com a participação do guitarrista paraense Felipe Cordeiro, que trouxe o DJ Tide para temperar com bases eletrônicas o carimbó caribenho “Confusão”.

O disco vai chegando ao fim com a inquieta “Apaixonada Feito Gente Não”, que resume os sentimentos do disco ao se dividir em duas partes. “Foi além do que eu podia imaginar, você chegou e eu quase perdi os sentidos”, ela canta pensativa no início da canção, longe do calor da festa. “foi além do que eu podia esperar, eu nunca esperei por nada, não esperava você chegar e me tocar assim”. Logo depois cede à dança e vai direto ao assunto: “Você me viciou
na tua pele”, canta.

Tuda enfim termina com “Eu Vim Saudar”, faixa de despedida que, apesar de eletrônica (composta por Clayton, com ajuda de Bárbara e Dustan) mantém a mesma vibração de “Saudação” que abre o disco. Juntas, estas duas minicanções parecem ser exatamente opostas ao que Tudase propõe, mantras de introdução e encerramento que reforçam uma orientação pessoal recente de Bárbara, cada vez mais mística e espiritualmente centrada, e brincam com a expectativa do ouvinte. Mas a conversa entre as duas reforça o equilíbrio do disco, e dança apaixonada com uma sabedoria ancestral: “E eu só vou fazer, daqui pra frente, o que me faz bem”.

Tags: ,

­