Falando sobre o disco novo do Arnaldo Antunes na televisão

Fiz minha primeira colaboração com o canal Arte 1, quando fui chamado para comentar sobre o disco novo de Arnaldo Antunes, Novo Mundo, para o programa Em Movimento. Assista abaixo:  

Arnaldo reconhecendo território

Arnaldo Antunes apresentou seu Novo Mundo em São Paulo neste fim de semana, quando esteve na choperia do Sesc Pompeia acompanhado de quase a mesma bandaça que o ajudou a erigir seu novo disco – além de Kiko Dinucci na guitarra, Vitor Araújo nos teclados e synths e Betão Aguiar no baixo, o novo grupo tinha Curumin na bateria (em vez do produtor do álbum, Pupillo) e Chico Salem ao violão e guitarras. Mas talvez por ter visto o primeiro dos três shows do fim de semana, na sexta-feira, tenha pego um momento em que eles ainda estavam tateando o novo show, o que fez a noite aquecer do meio pro fim. Com o foco no repertório do novo álbum (mas sem participações especiais – podiam ter chamado Ana Frango Elétrico ou Vandall para participar de uma das músicas), Arnaldo também passeou por outros momentos de sua carreira, visitando tanto Titãs (“O Pulso” e “Comida”, que apareceu no bis) quanto Tribalistas (quando engatou “Já Sei Namorar” logo no começo e “Passe em Casa” antes de terminar a primeira parte) quanto hits de sua carreira solo, mas o show engrenou bonito quando pinçou uma nova (“Tire Seu Passado da Frente”) e emendou com uma versão para o reggaeinho “Cultura”, que, ao deixar na mão dessa banda, virou uma dubzeira cabulosa e o primeiro grande momento desse grupo cinco estrelas soando como uma unidade em si, em vez de mera cama sonora para as canções de Arnaldo. Autor e banda ainda estão se reconhecendo no palco e é inevitável que aos poucos todos soarão como uma só força, mesmo com os holofotes voltados para o poeta.

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O novo mundo de Arnaldo Antunes

Eis a capa do novo disco de Arnaldo Antunes, Novo Mundo, que será lançado na próxima semana e é o primeiro que o compositor paulistano lança pelo selo Risco, casa de artistas como Ana Frango Elétrico, Maria Beraldo e Luiza Lian, consagrando a gravadora independente como um dos principais nomes desta cena ao fisgar um artista de tal proporção. O disco, produzido por Pupillo, conta com participações de David Byrne, de Ana Frango Elétrico, de Marisa Monte, de Vandal e com uma parceria póstuma com o saudoso Erasmo Carlos, é o primeiro disco de inéditas do compositor desde 2000 e vem coroar a ótima fase que ele atravessa desde antes da pandemia, quando lançou o disco de protesto O Real Resiste (que ganhou outra dimensão com o tragédia daquele ano, num show feito pela internet), seguido da festejada parceria com o pianista pernambucano Vítor Araújo, no projeto Lágrimas no Mar, e com a já histórica volta de seu grupo original, os Titãs. Veja abaixo o nome das faixas e as participações de cada canção:  

E essa Avenida Paulista que o Felipe Hirsch está preparando pra 2025?

Olha 2025 já chegando: a peça Avenida Paulista, idealizada, escrita e dirigida pelo dramaturgo Felipe Hirsch vai estrear em fevereiro no teatro do Sesi (onde ele mesmo montou Avenida Dropsie, do Will Eisner, há vinte anos) com a nata da atual música da cidade (Fabio Sá, Lello Bezerra, Negro Leo, Roberta Estrela D’Alva, Thalin, Maria Beraldo, Arnaldo Antunes, Romulo Fróes, Tulipa Ruiz, Alzira E, DJ K, Jéssica Caitano, Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Maurício Pereira, Nuno Ramos, Rodrigo Campos e Rodrigo Ogi) é só um gostinho do ano que vem. Olha isso:  

Palavras num recital

Coisa séria a apresentação que reuniu Arnaldo Antunes e Vítor Araújo neste fim de semana no Sesc Pinheiros. Comemorando o lançamento da edição ao vivo do tocante Lágrimas no Mar, a dupla voltou a se encontrar num dos primeiros palcos que viu este espetáculo, trazendo algumas novidades. O fato de contar com apenas um músico e instrumentista no palco – e deste ser o prodígio erudito pernambucano – e dos dois estarem trajando ternos e gravatas pretos aumenta a tensão de recital da apresentação, fazendo o público ficar mudo e maravilhado por quase uma hora e meia, quebrando o silêncio apenas com as palmas entre as canções. O espetáculo reúne faixas de diferentes fases da carreira de Arnaldo, que ficaram conhecidas tanto em sua voz (seja na carreira solo – “Contato Imediato”, “Se Tudo Pode Acontecer”, “No Fundo” e “Alta Noite” – quanto com os Titãs – “O Pulso” e “Saia de Mim”) quanto na de outros intérpretes, como Erasmo Carlos (“Manhãs de Love”), Marisa Monte e Carminho (“Vllarejos”), Cássia Eller (“Socorro”) e Maria Bethânia (“Lua Vermelha”, parceria com Carlinhos Brown), com maior ênfase nas recentes “O Real Resiste”, “Na Barriga do Vento” e “João” e, claro, nas canções pinçadas para o registro em disco, como “Longe” (composta com Betão Aguiar e Jeneci), “Umbigo”, “A Não Ser”, “Enquanto Passa Outro” e a faixa-título, além de versões para “Fim de Festa” (de Itamar Assumpção e Naná Vasconcelos) e “Como Dois e Dois” (de Caetano Veloso, interpretada ao lado da diretora de arte do show, Márcia Xavier, que também assina as belas projeções da noite). Claro que o texto das canções ajudava a desanuviar o rigor que o ar de recital dava à noite, ainda mais pontuada pelos poemas curtos e diretos de Arnaldo (“A Boca Oca”, “Um Deus”, “O Corpo”, “Saga”, “O Mar”, “O Buraco do Espelho” e “Bacanas”) que interligavam as canções, mas a entrega de Vítor ao piano, que enfatiza o aspecto percussivo do instrumento ao mesmo tempo em que toca suas cordas por dentro ou grava loops para criar camadas de si mesmo sobre as canções (além de tocar a versão bachiana para “O Trenzinho Caipira”, de Villa Lobos, e a luz densa e implacável de Anna Turra, mantém o clima austero e sisudo na noite, mas sem nunca perder o calor.

Assista abaixo:  

CFest: Balanço final

O C6Fest terminou neste domingo estabelecendo um novo padrão de realizar festivais de música em São Paulo. Conseguiu provar que é possível fazer um bom festival com boa estrutura e curadoria equilibrando-se entre o comercial e o pouco previsível trazendo tanto artistas novos e relevantes quanto nomes consagrados – e, principalmente, dissociar a ideia de festival de música estar atrelada a dia de perrengue, como o que fizeram os festivais realizados em São Paulo na última década. Obviamente a questão do preço extorsivo do ingresso é um ponto central nos poucos contras do evento: não bastasse ser caro pra cacete, só era permitido que se frequentasse um dos três palcos em que se realizavam os shows, algo que é uma irrealidade longe da vida de qualquer fã de música que não nasceu em berço de ouro. Eu mesmo já estava conformado em não ir caso não estivesse credenciado. Mas falo disso abaixo.  

C6Fest traz Kraftwerk, War on Drugs, Weyes Blood, Arlo Parks, Dry Cleaning e Underworld para o Brasil

Depois de já ter anunciado Kraftwerk (pela primeira vez no Brasil sem um de seus fundadores, Florian Schneider, que morreu em 2020), Weyes Blood e Tim Bernardes tocando Gal Costa em sua escalação, o festival C6Fest, produzido pela Dueto de Monique Gardenberg que fazia o Free Jazz e o Tim Festival, acaba de anunciar sua formação completa. O evento acontece no Vivo Rio, no Rio de Janeiro, entre os dias 18 e 20 de maio, e no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, entre os dias 19 e 21 do mesmo mês e traz, na escalação final, nomes novíssimos como Arlo Parks, Black Country New Road, Samara Joy e Dry Cleaning, grandes nomes da última década como War on Drugs. Christine and the Queens, The Comet is Coming e Jon Batiste e veteranos como Underworld e Juan Atkins, entre várias outras atrações. No time brasileiro, há um tributo a Zuza Homem de Mello (que foi curador do Free Jazz e do Tim Festival) com a Orquestra Ouro Negro, Fabiana Cozza e Monica Salmaso, Russo Passapusso com a Nômade Orquestra, Caetano Veloso e uma homenagem musical ao ano de 1973 com Kiko Dinucci, Juçara Marçal, Arnaldo Antunes, Tulipa Ruiz, Linn da Quebrada, Giovani Cidreira e Jadsa. Os ingressos começam a ser vendidos a partir do próximo dia 5 e separei mais informações sobre horários e preços abaixo.  

Os indicados a melhores do ano na APCA em 2020

A comissão de música da Associação Paulista dos Críticos de Arte, da qual faço parte, revelou nesta semana, os indicados às principais categorias da premiação neste ano. Devido ao ano estranho que atravessamos, reduzimos a quantidade de premiados, focando nas categorias Artista do Ano, Revelação, Melhor Live e Disco do Ano. Além de mim, também fazem parte da comissão Adriana de Barros (editora do site da TV Cultura e colunista do Terra), José Norberto Flesch (do canal JoseNorbertoFlesch), Marcelo Costa (Scream & Yell), Pedro Antunes (colunista do UOL e Tem um Gato na Minha Vitrola) e Roberta Martinelli (Radio Eldorado e TV Cultura). A escolha dos vencedores deve acontecer de forma virtual no dia 18 de janeiro. Eis os indicados às quatro principais categorias:

Os 5 artistas do ano
Caetano Veloso
Emicida
Luedji Luna
Mateus Aleluia
Teresa Cristina

Os 5 artistas revelação
Flora – A Emocionante Fraqueza dos Fortes
Gilsons – Várias Queixas
Guilherme Held – Corpo Nós
Jadsa e João Milet Meirelles – Taxidermia vol 1
Jup do Bairro – Corpo sem Juízo

As 5 melhores lives
Arnaldo Antunes e Vitor Araujo (03/10)
Caetano Veloso (07/08)
Emicida (10/05)
Festival Coala – Coala.VRTL 2020 (12 e 13/09)
Teresa Cristina (Todas as Noites)

Os 50 melhores discos
Àiyé – Gratitrevas
André Abujamra – Emidoinã – a Alma de Fogo
André Abujamra e John Ulhoa – ABCYÇWÖK
Arnaldo Antunes – O Real Resiste
Baco Exu do Blues – Não Tem Bacanal na Quarentena
Beto Só – Pra Toda Superquadra Ouvir
BK – O Líder Em Movimento
Bruno Capinam – Leão Alado Sem Juba
Bruno Schiavo – A vida Só Começou
Cadu Tenório – Monument for Nothing
Carabobina – Carabobina
Cícero – Cosmo
Daniela Mercury – Perfume
Deafkids – Ritos do Colapso 1 & 2
Djonga – Histórias da Minha Área
Fabiana Cozza – Dos Santos
Fernanda Takai – Será Que Você Vai Acreditar?
Fran e Chico Chico – Onde?
Giovani Cidreira e Mahau Pita – Manomago
Guilherme Held – Corpo Nós
Hiran – Galinheiro
Hot e Oreia – Crianças Selvagens
Ira! – Ira
Joana Queiroz – Tempo Sem Tempo
Jonathan Tadeu – Intermitências
Josyara e Giovani Cidreira – Estreite
Julico – Ikê Maré
Jup do Bairro – Corpo sem Juízo
Kiko Dinucci – Rastilho
Letrux – Letrux aos Prantos
Luedji Luna – Bom Mesmo É Estar Debaixo D’água
Mahmundi – Mundo Novo
Marcelo Cabral – Naunyn
Marcelo D2 – Assim Tocam Meus Tambores
Marcelo Perdido – Não Tô Aqui Pra Te Influenciar
Mateus Aleluia – Olorum
Negro Leo – Desejo de Lacrar
Orquestra Frevo do Mundo – Orquestra Frevo do Mundo
Pedro Pastoriz – Pingue-Pongue com o Abismo
Rico Dalasam – Dolores Dala Guardião do Alívio
Sepultura – Quadra
Seu Jorge & Rogê – Seu Jorge & Rogê
Silvia Machete – Rhonda
Tagua Tagua – Inteiro Metade
Tantão e os Fita – Piorou
Tatá Aeroplano – Delírios Líricos
Thiago França – KD VCS
Wado – A Beleza que Deriva do Mundo, mas a Ele Escapa
Zé Manoel – Do Meu Coração Nu

MPB Kids

tribalistas

Escrevi lá no meu blog do UOL sobre o disco novo dos Tribalistas, que parece um disco de música infantil para perpetuar a ideia engessada de MPB.

Você já parou para se perguntar o que é MPB? Três letrinhas que pairam sobre nossa música brasileira como uma espécie de rótulo oficial para “música séria”: tudo que não é MPB é tido como menor, desprezível, descartável, pop, juvenil. Criada na virada dos anos 60 para os anos 70, a sigla é parente da sigla do partido que agora ocupa a presidência da república, que naquele período era a oposição formal à situação dos generais de nossa mambembe ditadura militar. Naquele tempo, o PMDB ainda se chamava MDB e a sigla irmã funcionava para formalizar uma nova elite musical ao reunir uma geração de artistas influenciados pela bossa nova, consagrada nos festivais da canção daquela época, como a cara do que deveríamos conhecer por música popular brasileira.

Assim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Elis Regina, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão e tantos outros passaram a ser referidos desta forma, consolidando um gênero musical que não é propriamente um gênero musical: o que une os artistas de MPB não é uma musicalidade específica, mas a negação de uma outra musicalidade, ainda mais popular. Enquanto o Olimpo do banquinho e do violão recebia novatos que em pouco tempo seriam reconhecidos apenas pelo prenome, fora dele multidões movimentavam-se ouvindo artistas que não eram bons o suficiente para serem tachados com o carimbo da nova elite cultural. De Roberto Carlos a Luan Santana, passando por todos os egressos da Jovem Guarda, Nelson Ned, Waldick Soriano, Odair José, Fábio Júnior, os luminares do sambão-jóia e do pagode, os roqueiros dos anos 70 e 80, toda a música sertaneja, a geração criada no Chacrinha, a axé music, o mangue beat, o rock gaúcho e os Mamonas Assassinas. A verdadeira música popular brasileira não era boa o suficiente para receber o aval da MPB.

Mas à medida em que seus primeiros bastiões foram envelhecendo, poucos novos artistas foram sendo aceitos neste seleto grupo. Embora haja uma massa gigantesca de artistas que se dispõem a entrar nesse clubinho seguindo todas as regras ditadas pelo rótulo nos últimos cinquenta anos, pouquíssimos conseguem a carteirinha de sócio. Por isso é natural que seu público também tenha diminuído – além de não se renovar em termos etários, os velhos fãs de MPB estão lentamente morrendo. Talvez por isso seja importante retomar o fio da meada – largado em algum lugar da última década do século passado – e é aí que entram os Tribalistas.

Carlinhos Brown, Marisa Monte e Arnaldo Antunes (foto: Divulgação)

Carlinhos Brown, Marisa Monte e Arnaldo Antunes (foto: Divulgação)

Supergrupo de MPB, o trio reúne alguns dos poucos nomes que conseguiram a adesão oficial à sigla. Carlinhos Brown veio via Caetano Veloso, Marisa Monte chegou através de Nelson Motta e Arnaldo Antunes renegou os Titãs. Separados, traçaram carreiras distintas que sempre miravam em públicos adultos, buscando referências na história da música brasileira ao mesmo tempo que as atualizavam para seus universos particulares. Juntos pela primeira vez em 2004, corroboraram a tradição emepebista num disco cheio de violões mas puxado por um hit de axé music gentrificado para esta tradição (“Já Sei Namorar”).

Treze anos depois do primeiro disco, o grupo volta à ativa com um desafio maior: retomar esta tradição num momento em que ela vem se desfazendo. Sem acalentar a MPB como sempre fez, a indústria fonográfica preferiu voltar-se para os campeões de audiência e aos poucos o público foi deixando aquela elite musical de lado. E por mais que Gil e Caetano tenham feito uma bem sucedida turnê de cinquenta anos de carreira, que Chico ainda consiga se manter relevante e que Gal tenha gravado um disco saudando uma nova geração de compositores, pouquíssimos novos nomes conseguiram surgir e se estabelecer neste período como artistas de MPB. Dá pra contar nos dedos, uma Ana Carolina aqui, um Jorge Vercilo ali, um Seu Jorge acolá. Tudo muito genérico, tudo sem personalidade. E por mais que tentem não dá para encaixar nomes como Céu, Tulipa Ruiz, Emicida, Tiê, Karina Buhr, Siba, Mariana Aydar, Lucas Santtana e Ava Rocha (entre inúmeros outros) neste rótulo pelo simples de eles quebrarem as regras pétreas da sigla: não são filhotes da bossa nova, amam rock e música pop, transitam entre diferentes nichos de artistas, ultrapassaram o violão e os poucos que tiveram padrinhos musicais logo saíram de sua sombra.

O novo disco dos Tribalistas, lançado subitamente nesta madrugada, é uma clara tentativa de recuperar um público jovem para a vetusta MPB. E a saída descoberta por Brown, Arnaldo e Marisa vem na contramão de outra forte tendência deste século – a da música infantil feita por artistas que se consagraram fazendo música para adultos. Diferente do que aconteceu nos anos 70 e 80 (quando, graças a especiais da Globo como A Arca de Noé, Pirlimpimpim e Plunct Plact Zum, artistas de renome gravaram músicas para crianças em antologias com vários músicos), a partir dos anos 00, artistas como Pato Fu, Adriana Calcanhotto e Mombojó abriram carreiras paralelas para tocar músicas para crianças que não tinham cara de jingles de programas infantis de TV. Sucessos de bilheteria deste novo mercado, como Palavra Cantada e Pequeno Cidadão, contam com nomes estabelecidos da música brasileira em suas formações – o Pequeno Cidadão, inclusive, contava com Arnaldo Antunes em sua formação original.

O novo disco dos Tribalistas soa como um disco de música infantil feito para adultos – os temas não são para crianças, mas a forma como eles são apresentados faz parecer – e assim eles pegam o público pela mão, ensinando as canções muito didaticamente. O disco é de uma simplicidade conceitual, seja buscando uma beleza na singeleza, seja discutindo temas sérios de forma trivial. Nesta última categoria encaixam-se músicas como “Diáspora” (sobre a questão das migrações no mundo), “Um Só” (sobre polarizações e diferenças de classes), “Aliança” (desdobramento da música “Joga Arroz”, que lançaram em 2013 para apoiar a causa do casamento gay), “Trabalivre” (sobre o mercado de trabalho) e “Lutar e Vencer” (sobre resistência política), todas elas seguindo o mesmo padrão: versos curtos, rimas fáceis, palavras que se repetem, termos de fácil apelo e que ficam na cabeça, melodias triviais.

Há um equilíbrio ousado nesta tentativa, que às vezes derrapa: “Baião do Mundo” (que rima água com água diversas vezes) tem versos que poderiam estar no programa Rá-Tim-Bum: “”Vem Cantareira / Canta na calha / Abre a torneira / E chora / Vem bebedouro, purificador / Me dê um gole agora”, “Preciosa, milagrosa/ Vem regai por nós/ Vai corrente/ Da nascente/ Até chegar na foz”, e “Os Peixinhos”, com a deliciosa voz da cantora portuguesa Carminho, fala sobre as cores refletidas nas escamas dos peixes ao som de água borbulhando. Mas o saldo final é um conjunto de canções feito para cativar um público que nem sabe o que é MPB.

Sua infantilidade, no entanto, é um ás na manga, pois não só pode conquistar um público jovem que aos poucos começa a cansar de música sobre pegação (pois está envelhecendo) mas também pode apresentar-se às crianças de hoje como os especiais da Globo nos anos 70 e 80 apresentaram Chico Buarque nos Saltimbancos e Gilberto Gil na abertura do Sítio do Picapau Amarelo às crianças daquela época. A expectativa é que o trio saia em turnê no ano que vem, inevitavelmente atraindo multidões – e preparando o terreno para a turnê de reunião dos Tribalistas em 2037, para que a MPB continue hegemônica.

Do Amor – a volta!

fodidodemais

O grupo carioca Do Amor volta à ativa depois de Piracema, lançado em 2013, e finalmente lança Fodido Demais, disco que vêm maturando lentamente desde então (“O Aviso Diz“, por exemplo, é de 2015). Lançado pela Balaclava, o disco marca a quase mudança literal da banda do Rio de Janeiro para São Paulo, onde eles apresentam o disco pela primeira vez ao vivo neste sábado, no Sesc Pompéia (mais informações aqui). O disco chega às plataformas digitais nesta sexta, mas eles já adiantaram outra faixa, “Frevo da Razão”, esta ao lado de Arnaldo Antunes.