Arlindo Cruz, o sambista perfeito
Escrevi sobre a passagem de Arlindo Cruz em mais uma colaboração que fiz para o Toca UOL.
Arlindo Cruz: um sambista perfeito que revolucionou o gênero
Parece uma brincadeira ou que carrega alguma ironia, mas o título de “o sambista perfeito” cabe ao recém-falecido Arlindo Cruz. Um dos maiores nomes da história do gênero, fez parte do grupo musical brasileiro mais importante do século passado e esteve na dianteira de mais uma transformação da secular arte moderna musical do país, com canções que entraram no imaginário brasileiro da mesma forma profunda que sua própria personalidade.
Começou sua carreira musical exatamente há meio século, quando entrou na escola Flor do Méier para aprender a tocar violão e caiu nas graças de seu primeiro mestre, Candeia, que o chamou para participar de seu disco Roda de Samba (lançado pela Tapecar em 1975), já tocando o instrumento que o consagraria, o cavaquinho, com apenas 17 anos de idade. O disco capturava uma transformação musical que vinha acontecendo naquela década, sacramentada pela consolidação das rodas do bloco Cacique de Ramos, de onde sairiam os novos ícones do gênero — e Arlindo Cruz era um deles.
Ele cresceu ao lado de nomes que hoje formam o atual panteão do samba brasileiro — uma geração que se impôs como sucessora à altura da safra anterior, daqueles músicos e compositores que viram o gênero sair da marginalidade e tornar-se celebrado. Artistas como Jorge Aragão, Zeca Pagodinho, Alcione, Sombrinha, Almir Guineto e a saudosa Beth Carvalho, madrinha desta safra, mudaram a cara do samba nos anos 70 a partir do Cacique de Ramos, espalhando aquela nova musicalidade para além do Rio de Janeiro.
Arlindo tornou-se ainda maior ao assumir o lugar de Jorge Aragão no grupo Fundo de Quintal, no início dos anos 80, posto em que permaneceu por doze anos, antes de sair em carreira solo. Neste período, a cena a que pertencia revolucionou o samba ao trazer elementos românticos e resgatar o ar cronista que o gênero havia perdido com a ascensão das escolas de samba.
Parceiro de artistas tão diferentes quanto Zeca Pagodinho, Marcelo D2, Maria Rita, Caetano Veloso e Seu Jorge, ele compôs um rosário de sucessos que marca o imaginário brasileiro, como “Camarão que Dorme a Onda Leva”, “Bagaço da Laranja”, “SPC”, “Menina Você Bebeu”, “Novo Amor”, “Alto Lá”, “O Mapa da Mina”, “Casal sem Vergonha”, “Só pra Contrariar”, “Seja Sambista Também”, “O Show Tem que Continuar”, “Tá Perdoado”, “Pra Ser Minha Musa”, “Meu Lugar”, “Luz do Repente” e “Jiló com Pimenta”. É muita música boa, que o fez vender centenas de milhares de discos.
Sua reputação tornou-se ainda mais forte ao sair do grupo nos anos 90 e lançar-se em dupla com o velho compadre Sombrinha, antes de tornar-se figurinha carimbada no programa Esquenta, da TV Globo, no século seguinte. Isso tudo sem deixar de lado a compulsão por compor e a vida boêmia. A primeira o fez tornar-se autor de mais de 500 músicas, com parceiros de todas as idades.
A segunda o tornou uma figura sempre sorridente e emblemática, de carisma que transbordava e abria portas — mas acabou por encurtar sua carreira ao ceifar sua vitalidade com um AVC, em 2017, que o deixou por anos hospitalizado e lhe tirou os movimentos. Mas isso não impediu que desfilasse na Império Serrano em 2023, quando foi homenageado pela escola e ergueu seu machado de Xangô por todo o percurso.
Não por acaso fazia valer o apelido que saiu de uma canção que batizava seu disco de 2007 e acabou tornando-se o título de sua recém-lançada biografia, escrita pelo jornalista Marcos Salles (autor de Família Diniz – Um coração azul e branco, sobre o clã do sambista Monarco, e Fundo de Quintal – O som que mudou a história do samba), lançada pela editora Malê — Arlindo Cruz foi, mesmo, um sambista perfeito.
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