Andy Gill, por Edgard Scandurra

, por Alexandre Matias
Foto: @edgardscan

Foto: @edgardscan

Quando soube da morte de Andy Gill, Edgard Scandurra não escondeu a influência guitarrista do Gang of Four em sua forma de tocar seu instrumento e despediu-se do inglês chamando-o de “irmão mais velho do pós-punk”. Aproveitei a deixa e pedi para ele escrever sobre a importância de Gill para ele mesmo e para a cena paulistana dos anos 80 e ele lembrou que seu nome foi inclusive sonhado para produzir um disco do Ira!. Imagina…

Até o fim do anos 80 existia um espaço-tempo cultural de cinco anos entre os acontecimentos artísticos do primeiro mundo e o que acontecia no Brasil. Foi nesse gap que conheci o som da banda Gang of Four, na casa de um amigo de um amigo, repleto de discos de Frank Zappa e Miles Davis. Há sons que você precisa vivenciar pra compreender.

E essa primeira audição foi uma das sensações musicais mais loucas que tive. Eu era um jovem guitarrista, com 19 pra 20 anos, e a guitarra errante e a pegada anti-heróica e absolutamente imprevisível de Andy Gill mudou o que já vinha se transformando em mim desde o punk, no que dizia respeito ao virtuosismo guitarristico. A escola que vinha do blues, nomes como Jimi Hendrix, Jimmy Page, Jeff Beck e tantos outros, era substituída por notas trepidantes, harmônicos dissonantes, algo parecido com o partir de uma guitarra ao chão. O ruído do captador, o riscar das cordas em contato com o pedestal de microfone – uma ruptura que me pegou em cheio.

Desde então, eu – que nunca escondi o nome de meus ídolos – abracei a causa sonora, política e estética da turma dos quatro, que tirou seu nome da Camarilha dos Quatro que foi responsável pela revolução cultural comunista na China, entre 66 a 76.

O primeiro álbum, Entertainment!, nãoacertou em cheio não só a mim! Foi audível a influência da banda e de seu guitarrista na cena new wave paulistana e brasileira naquele início dos anos 80. Inclusive no teor político: da anarquia do movimento punk a uma concepção mais crítica e marxista, o pensamento daquele pós-punk parecia mais refinado, uma sútil troca de Ramones por Erik Satie, da guitarra rock and roll, por um minimalismo cerebral e ao mesmo tempo visceral representado pelo Gang of Four e seu genial guitarrista. Sua guitarra influenciou Paul Weller a partir do disco Sound Affects, de 1980.

Tive o prazer em assisti-lo por três vezes, em distintas formações nos shows do Gang of Four no Brasil e na última vez, no Sesc Pompeia, tive uma triste sensação de que assistia ao show de Andy Gill e não mais à banda (Andy era o único remanescente da fundação original) – e toda aquela cena revolucionária não mais se repetiria. Agora com morte recente, pude me aprofundar em seus discos solo e nos discos que produziu, como discos dos Stranglers (Written in Red, de 1997), do Killing Joke e o primeiro dos Red Hot Chili Peppers. E pensar que o Thomas (Pappon, do Fellini) chegou a sugerir que ele produzisse um disco do Ira!…

Na minha opinião, o segredo maior e o grande desafio mod é superar o original e Andy conseguia superar a si mesmo. Descanse em paz, querido irmão mais velho da cena pós-punk de todo o mundo.

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