Americano narra tempo esquecido das casas de ópio
Materinha sobre o “A Última Casa de Ópio” (istaile, vê se arruma) que saiu hoje na Folha.
A milenar arte de se desprender da realidade num luxuoso clube reservado parece ser o delírio mais narcisista da história ou um convite para a completa alienação social, mas nas mãos do escritor norte-americano Nick Tosches se tornaram a melhor metáfora para um tempo humano que passou. Assim é “A Última Casa de Ópio”, curto relato sobre a procura por uma perdida tradição sagrada que funciona como um testamento para um mundo massacrado pelo século vinte.
Enquanto descreve com minúcia a história, a glória, a decadência, os efeitos e o preparo da antiga substância, mostra como o mundo fora das casas de ópio tornou-se voraz porém inofensivo, ao mesmo tempo agressivo e boçal, gigantesco mas pequeno. Tosches passa por yuppies que pagam uma nota preta em uma única cebola, motoqueiros fugindo de metralhadoras, sommeliers que não reconhecem o gosto de esterco no paladar, chineses que comem bexiga de cobra viva, prostitutas tailandesas, enquanto foge feito o diabo da cruz de tentações modernas – heroína, Starbucks e a ânsia modernizadora de um futuro afobado para chegar.
Mais do que uma simples apologia a um hábito lendário que o vazio abarrotado de nossa época tornou tabu, “A Última Casa…” é um libelo individualista com a força juvenil de um Thoureau ou Hakim Bey, mas com sarcasmo e desprezo sábio por tudo aquilo que, apesar de parecer nobre, é supérfluo, placebo – e enfileira a alta cozinha, o culto fresco-intelectual ao vinho, a globalização e o tráfico internacional de drogas como recalques diferentes de um detrator modo de vida pós-industrial que destruiu o sabor de ser humano. Tosches conversou com a Folha sobre este assunto.
A Última Casa de Ópio é, ao mesmo tempo, um romance, uma reportagem e um artigo, com momentos que podem ser verdadeiros ou falsos além de uma narrativa que é pura digressão.
Verdade. Ficção. Lenda. Literatura. Jornalismo. São categorias, marcas. Nós amamos categorias, amamos marcas. Elas nos impedem de termos de perceber por conta própria. Mas no fim das contas, dá no mesmo. No caso de “A Última Casa de Ópio”, direi que tudo é verdade: a verdade da experiência, a verdade do meu coração.
À medida em que você guia o leitor pelo livro, você também descreve a destruição de um velho mundo pelo modo de vida consumista sociedade ocidental. Que outros prazeres foram esquecidos, além do ópio?
Perdemos o maior prazer de todos que é o prazer de sermos nós mesmos. O amor pelo dinheiro, se tornar um rato numa cultura guiada pelo consumo destes tempos, faz de nós fraudes. Quando passando a maior parte de nossas horas acordadas num trabalho, fingindo que gostamos do trabalho, fingindo que gostamos de nosso chefe, fingindo que estamos interessados no nosso trabalho, então o fingimento torna-se um estilo de vida. Nos tornamos o que T.S. Eliot chamava de “homens ocos”. Quase tudo que consumimos, quase tudo que compramos, é placebo. Esses produtos de uma cultura consumista vazia é que são as verdadeiras drogas perigosas. Nossa “guerra contra as drogas” devia ser contra essas coisas.
Vivemos em dias em que até a crítica musical é considerada uma arte.
“Arte” é uma palavra besta. Há muito tempo, homens pintavam imagens en cavernas. Hoje, as chamamos de arte. Para eles, era magia. Agora não temos quase nenhuma magia e tudo é chamado de arte. O pior cantor de música pop é agora um “artista”. De novo, “arte” se torna uma categoria sem significado.
Como as pessoas podem sair da segurança e conforto da vida diária e voltar a gostar do risco?
Tendo a força e a coragem para não ligar pra nada, percebendo que este é o mundo dos aristocratas e não o seu, percebendo que o dom imenso e belo de respirar vivos é tudo que temos.
Você acha que a espiritualidade e drogas de expansão de conhecimento estão conectadas umas às outras ou isso é mais uma bobagem new age?
As drogas não tornam ninguém espiritual. Mas a espiritualidade pode melhorar as coisas. Tudo, das drogas à consciência da brisa no ar. Mas o ópio tem uma certa magia. É uma vergonha podermos comprar toda a heroína que quisermos e ser tão difícil achar ópio. Mais uma vez, isso é culpa de nossa cultuira consumista: ópio vale mais dinheiro quando torna-se heroína. E também, hoje em dia, todo mundo quer o ritmo rápido da vida. Ópio é uma lenta e luxuosas sedução. Eu posso andar vinte minutos de onde moro e comprar armas, heroína, crack. Mas eu não acho ópio de verdade. Eu não posso nem fumar um cigarro no bar. É ridículo.
O livro era uma matéria que cresceu demais ou você teve de cortar páginas para mantê-lo curto?
Escrevi “Última Casa de Ópio” para a “Vanity Fair”. Da forma que eu o escrevi, tornou-se muito extenso para uma matéria numa revista. Tinha 25 mil palavras, 100 páginas. Então tive que cortá-la para o tamanho atual. Isto foi bom, porque a versão longa tinha muitas coisas que poderiam causar problemas para mim. O texto foi publicado na revista em setembro de 2000. E então foi publicado como um pequeno livro na França, depois como um pequeno livro aqui nos EUA e agora, felizmente, no Brasil, onde ainda existe pelo menos uma casa de ópio de verdade.
É mesmo? Você a visitou?
Não, mas tenho amigos de Nova York que são do Brasil.
Como este livro se relaciona com seus livros anteriores?
Todos meus trabalhos estão relacionados. Eles todos são aspectos meus, por bem ou por mal. Mas este pequeno livro sobre ópio é especial para mim. Eu estava tão enojado dos rumos deste mundo quando o escrevi. Foi como um ingresso para a liberdade e eu o escrevi para mim, uma chave que forjei para sair daqui e respirar livre mais uma vez.
É isso o que é o rock’n’roll?
É. O bom rock’n’roll, rock’n’roll de verdade. Há tão pouco, hoje em dia.
A Última Casa de Ópio
Autor: Nick Tosches
Editora: Conrad
Número de páginas: 98
Preço: R$ 25,00
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Por que ler
Mescla a história do ópio (“o remédio de Deus”) com a própria história humana – Adão, Alexandre o Grande, Maquiavel e Homero – ao mesmo tempo em que destrói o neocafonismo elite-branca e passeia pelos submundos asiáticos com uma prosa direta, sem afetações pop.
Raio X
O norte-americano Nick Tosches (1949-) nasceu em Nova Jérsei e é contemporâneo de críticos musicais como Lester Bangs, Richard Meltzner e Greil Marcus, começou resenhando discos e acompanhando astro do rock em revistas como Creem, Rolling Stone e Fusion, mas logo pulou para os livros, especializando-se em biografias. Hoje é colaborador do jornal The New York Times e da revista Vanity Fair.
Bibliografia
Hellfire (1982) – A história de Jerry Lee Lewis, considerada pela revista Rolling Stone como “a melhor biografia de rock já feita”.
Dino – Living High in the Dirty Business of Dreams (1992) – Biografia do ator e cantor Dean Martin.
The Devil and Sonny Liston (2000) – A história do boxeador.
King of the Jews: The Arnold Rothstein Story (2005) – O biografado da vez é o chefão do crime organizado nos anos 20.