Onda lenta

Lê Almeida antecipou seu próximo disco, I Feel in the Sky, em uma apresentação hipnótica abrindo os trabalhos de outubro no Centro da Terra. Em sua versão solo, ele manteve os compadres de Oruã na formação – como Bigú Medine (agora disparando efeitos), João Casaes (nos teclados) e Phill Fernandes (na bateria) – mas convidou a baixista Melanie Radford e o baterista Cacá Amaral para fazer o público decolar em câmera lenta a partir de células musicais repetidas circularmente pela banda, enquanto ele cantarolava suas canções sobre uma base que conversava tanto com o krautrock quanto com o afrobeat – e tudo num ritmo vagaroso e hipnótico, barulhento e doce na mesma medida. Em dado momento do show, ele ainda chamou mais gente pra sua gira, convocando Ana Zumpano para a percussão e Otto Dardenne e Alejandra Luciani como vocais de apoio e fez um bis com uma música que havia sido composta no dia anterior. Só delírio.

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Fluindo em família

Na terceira apresentação da temporada Águas Turvas que Dinho Almeida está fazendo no Centro da Terra, ele finalmente pode começar sem pisar em ovos e se nas duas segundas-feiras anteriores o guitarrista dos Boogarins esteve sozinho no palco a maior parte do tempo (apenas dividindo-o no final da segunda noite, com os irmãos Bebé e Felipe Salvego), nesta ele começou com um grupo de amigos que é praticamente sua família paulistana: o casal Carabobina – Raphael Vaz, baixista de seu grupo, e Alejandra Juliani -, com seu sotaque andino-psicodélico e a violinista gaúcha Desirée Marantes moram na mesma vila que o compositor goiano, tornando o encontro praticamente um programa de família, que ainda contou com as texturas e beats eletrônicos do parceiro Bruno Abdalah. Juntos, este grupo de camaradas deixou Dinho à vontade para fazer a noite mais experimental de sua temporada até agora, buscando pontos além da melodia e da canção, explorando camadas de drone e som horizontal com sua voz e guitarra elétrica. Uma noite hipnotizante.

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Só um semitom

Na segunda noite da temporada Mil Fitas que Sue e Desirée Amarantes estão fazendo às segundas-feiras no Centro da Terra, a violinista e produtora Desi tomou conta do palco ao recriar no Centro da Terra o clima de sua garagem estúdio, onde toca com o casal vizinho Carabobina – Raphael Vaz nos synths e vocais e Alejandra Luciani nos synths, efeitos e guitarra-, convidando a violoncelista Fer Koppe para uma hora de imersão em camadas de dream pop com sensações camerísticas. E no espírito de experimentação da temporada, Desi não só tem matado saudade dos palcos com suas próprias músicas, de onde estava distante há tempos, quanto arriscou-se a cantar, puxando um transe a partir de um metamantra: “Parece o Thom Yorke, mas é só um semitom”, cantou repetidas vezes ao piano antes de entrar na parte final da apresentação deste início de semana. A contribuição de Sue desta vez não foi musical e a produtora projetou imagens sobre os quatro músicos no palco, amarrando ainda mais o clima psicodélico e onírico da apresentação.

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Betina e Luiza Lian: encontro de fadas

Betina lança o último single antes de finalmente nos revelar seu novo disco, que deve sair ainda este semestre, fechando o ciclo que começou com os singles “Polaroids” e “Zoin“, lançados no ano passado, com a participação de Luiza Lian. Como as canções anteriores, “O Coração Batendo no Corpo Todo”, que estreia em primeira mão aqui no Trabalho Sujo, é mais uma composição que ela divide com Dinho Almeida, dos Boogarins, e também conta com sua produção, ao lado do ex-supercordas Diogo Valentino. “Desliga isso”, esbraveja Luiza logo antes de sua aparição na canção, que pede para nos desconectar da realidade virtual que nos suga diariamente, além de cantar os vocais do refrão com a cantora curitibana. “Foi incrível gravar com a Luiza, ela entendeu muito bem a atmosfera da música e também conseguiu se conectar com ela como se fosse sua, o que trouxe muito mais potência para essa música que já fazia tanto sentido ter ela”, lembra Betina. “Mas o melhor é receber as mensagens dela de zap cantando a música depois de termos gravado. Deixa tudo mais especial”

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Carabobina: Terranoite

Maior prazer em receber a dupla Carabobina, formada pelo baixista dos Boogarins Raphael Vaz e pela produtora Alejandra Luciani, para duas datas de uma breve residência no Centro da Terra, quando apresentam-se pela primeira vez ao vivo em São Paulo. Terranoite, minitemporada batizada com o nome da faixa que lançaram na semana passada, acontece nesta terça-feira, dia 28 de junho, e na próxima segunda, dia 4, quando os dois recebem dois velhos companheiros para criar diferentes climas em cada apresentação. Na primeira, o convidado é Gabriel Rolim, que faz suas projeções analógicas enquanto os dois estiverem no palco. E na semana que vem, a cenografia fica por conta da Anne Santoro. Os ingressos para as duas apresentações, que começam pontualmente às 20h, já estão à venda neste link.

Eis o Carabobina

Carabobina

Os dois se conheceram na lendária temporada de sete shows consecutivos que os Boogarins fizeram na Casa do Mancha, em 2017. “Quando a noite acabou eu botei uma playlist e dancei sem camisa”, lembra Fefel, baixista e prefeito da banda goiana. “Causei muito com Prince, Michael Jackson, Bowie…Dancei muito bem por uns vinte minutos. Assim consegui a atenção dela, que estava com outro boy na noite.” A técnica de som Alejandra Luciana completa: “Raphael tava soltão e chamou atenção dançando sem camisa no meio da pista”, se diverte.

Os dois começaram a namorar e o namoro aos poucos, e inevitavelmente, foi evoluindo para um lado mais musical. “Sempre foi uma possibilidade, mas na hora que se concretizou eu estava visitando Ceres pela primeira vez”, lembra Alejandra sobre a visita à cidade-natal do namorado. “Ficamos no quarto de infância do Raphael na casa dos pais, no computador, e muito despretensiosamente começamos a fazer uma música. O processo foi bem natural e divertido, gostamos muito do resultado. Essa música não entrou no disco agora mas quem sabe mais pra frente…” E assim nasceu o projeto Carabobina, que chega às plataformas digitais nesta sexta com seu primeiro single, “Pra Variar”, que pode ser ouvido em primeira mão no Trabalho Sujo.

“Mostrei pra ela como eu gravava toscamente algumas demos no Ableton Live, ela uma garota de ProTools, mas bastava gastar cinco minutos na tela pra dominar outro programa”, lembra Fefel. “O primeiro som nem entrou no disco, mas determinou uma cartilha válida pra várias outras canções. Qual seja: não almejaremos nenhum resultado, só vamos adicionar arranjos espontâneos e ver no que dá.” “Gravamos alguma coisa e fomos criando e adicionando mais elementos”, continua Alê. “Quem tivesse alguma ideia legal fazia e construímos juntos as linhas. Bem leve e lúdico.”

O resultado pode ser vagamente definido como psicodélico, mas há mais elementos musicais, que ajudam a se distanciar da banda original do baixista. Para começar, soa mais eletrônico e lo-fi, um caminho que os Boogarins até trilharam sem superpor sobre suas guitarras. Já as guitarras e violões no Carabobina são quase discretos e funcionam mais como acessórios para beats, linhas de baixo e texturas eletrônicas, que estruturam as canções. Mas o forte são as melodias, cantaroladas pelas doces vozes do casal – e que grata surpresa que é o vocal de Alejandra, que inevitavelmente remete à argentina Juana Molina, influência confessa do grupo, quando canta em espanhol, seu idioma natal. Dá para ouvir ecos de chillwave e até uma vibração Warpaint, enquanto Alê cita artistas como Broadcast, Breeders e Animal Collective, entre outros.

Muitos conhecem Alejandra pilotando mesas de som em diferentes shows indies do país, mas ela não é estranha aos palcos. Venezuelana de nascença, ela morou um tempo na Austrália onde lançou sua primeira banda, “Coloquei um anúncio de graça numa revista de música e uma galera muito legal, todos uns 10 anos mais velhos que eu, responderam, e foi assim que comecei a minha banda post punk lá”, ri ao lembrar. “A gente nunca nem saiu da garagem deles, que estava condicionada como sala de ensaio, onde tocávamos e bebíamos uma toda semana. O único registro são umas gravações de ensaio que o guitarrista fez.” Jà Fefel, além dos Boogarins, também passou pela banda Luziluzia, “onde cumpre o sonho da juventude de ser cantor e baixista igual Humberto Gessinger”, brinca Alê. “Nossos últimos lançamentos estão no Bandcamp e nosso último show foi em 2017”, lembra o baixista. “É uma extensão das bandas interioranas adolescentes que tive com meu parceiro João Victor. Passamos a tocar pouco porque eu e Benke andávamos ocupados com Boogarins, e João e Ricardo com o Carne Doce.” E emenda que, apesar da banda de Alejandra não ter decolado, “rendeu um caderno de letras em inglês com jovens devaneios.”

O disco, que sai no dia 6 de novembro, começou a ser gravado há mais de dois anos. “Começávamos as músicas de improviso”, lembra Fefel. “Tentávamos criar arranjos pop que nunca ouvimos, com sons eletrônicos de sintetizadores e com nosso jeito meio rock alternativo de pensar as canções. Uma vez que a música parecia estruturada, tentávamos criar melodias de voz. Cada um tinha uns quinze minutos pra registrar as primeiras ideias. Depois ouvíamos juntos e combinávamos as linhas que entrariam. Depois de uns 2 anos, vimos que tínhamos material suficiente pra um disco e em algumas semanas terminamos todos esses esqueletos pra Alê começar a mixar.”

Alê detalha a parte técnica do processo, que aconteceu no estúdio que criou em casa. “Os sons foram variando também porque fomos comprando alguns instrumentos: a Drumbrute da Arturia, Mother 32… Uma das músicas do disco inclusive fiz logo depois que comprei um Yamaha Reface DX numa das viagens com Boogarins e gravei a maioria das linhas melódicas e harmônicas nele. Como eu trabalhava no estúdio da Red Bull, um dia entrou uma parceria com a Roland e ganhamos um monte de teclados e instrumentos eletrônicos. Peguei um sábado e montei vários tecladinhos boutique e a TR-8, fiquei compondo o dia inteiro e gravando voz num 57. Depois o Raphael pegou esse material e editou, deu uma estrutura, e trabalhamos com algumas dessas coisas.”

O nome da dupla vem das raízes de Alejandra, que reside há seis anos no Brasil. “Nasci numa cidade chamada Valenciaa, que fica no estado de Carabobo, e desde que comentei isso pro Raphael ele gostou muito, além de rir da minha cara. Aí um belo dia ele chegou com esse nome e eu achei lindo, porque parece que tivesse várias palavras escondidas nele: bobina, carabobo, carabina… e bobina já dá essa sensação de elétrico, flutuante, magnetismo.” “É uma homenagem a Alejandra, autêntica carabobeña que até agora ainda não lançou um disco… inventei esse nome porque é um prazer ter um projeto com essa talentosa.”

Sem tempo de pensar em como transformar o projeto em show, embora tenham cogitado algumas ideias. “Começamos a esquematizar, mas acho que vai ser um processo que vamos descobrir fazendo. A ideia é trabalhar com camadas/loops de voz, e quero ter processamento de efeitos na mão durante o show para usar eles como instrumento. O Raphael continuará no seu famigerado moog, e a guitarra deve ficar trocando de mãos.” “A vontade é dublar tudo”, emenda o baixista. “Como sempre toquei com banda, e até por isso mesmo, fico travado ao pensar em como levar esse som pro palco. Mas ainda temos um tempo pra pensar nisso.” Enquanto isso, cogitam clipes e colaborações que já estão em processo. “Sem falar que já tem muita música nova também, o seguinte disco não deve demorar”, completa.