Ainda púrpura
Em mais uma cobertura que faço pro Toca UOL, assisti satisfeito ao show que o Deep Purple – um dos artistas estrangeiros que mais faz show no Brasil – fez neste domingo no Parque Ibirapuera. Está longe de ser um showzão como a reputação do nome da banda pediria, mas com três integrantes da fase clássica perto dos 80 anos (incluindo um Ian Paice preciso na bateria), conseguem mostrar serviço, mesmo que isso signifique sacrifícios no repertório e nos tons das músicas. E o bis, que emendou seu primeiro hit (a versão do grupo para “Hush”, nos tempos em que ainda era uma banda psicodélica) com o clássico “Black Night”, começou com uma surpreendente versão para um clássico da soul music, a instrumental “Green Onions”, dos mestres Booker T & The MGs.
Mesmo manjado, Deep Purple mostra em SP que ainda tem força e presença
Encerrando o segundo fim de semana do festival Best of Blues and Rock, que aconteceu no Parque Ibirapuera, em São Paulo, o Deep Purple não atingiu o nível de excelência que Alice Cooper estabeleceu na apresentação do dia anterior, mas também não fez feio. Levando em conta que a banda já tem quase seis décadas de carreira e que três de seus integrantes, pertencentes à fase clássica da banda, já estão próximos dos oitenta anos – quase sessenta fazendo rock pesado -, o que se assistiu neste domingo foi uma declaração de perseverança e amor à própria arte.
Claro que o fato de o vocalista Ian Gillan (que completa 80 em agosto), o baterista Ian Paice (que faz 77 no fim deste mês) e o baixista Roger Glover (80 anos em novembro) pertencerem a um período específico da banda faz com que eles acabem limitando seu repertório à fase de ouro da banda, entre 1969 e 1973, aquela que transformou um grupo de blues pesado com aspirações de rock progressivo em um dos pais do hard rock. Não fazia sentido tocar músicas da fase de prata do grupo (quando Glover saiu para a entrada de Glenn Hughes e Gillan vagou o grupo para a entrada de David Coverdale), mas isso acabou deixando o setlist longe de uma seleção dos melhores momentos da banda.
Velho conhecido dos brasileiros, o Deep Purple já tocou por aqui em diversas formações e estágios de seus integrantes. Vindo ao país desde 1991, fizeram mais de setenta shows em dezenas de cidades brasileiras, e sua presença constante no país parece diminuir sua importância. Mas, se em outros momentos já teve vocalistas com vozes em frangalhos e shows realizados em casas minúsculas em cidades do interior, neste domingo conseguiram mostrar que ainda mantêm sua dignidade, tocando para um público que lotava o parque Ibirapuera.
O principal ponto desta nova fase é que o vocalista Ian Gillan não tenta forçar sua voz para onde ela não mais alcança, o que é um golpe na autoestima daquele que foi um dos maiores vocalistas do rock nos anos 70, atingindo agudos que conversavam com solos de guitarra ou berros inacreditáveis que deixavam os fãs eletrizados.
A principal prova disso é a ausência de “Child In Time”, baladaça em que Ian soltava o lado mais blues de sua voz, tornando-o tão inalcançável quanto seu principal rival musical à época, Robert Plant, do Led Zeppelin. Ele ainda atinge alguns agudos em falsete e sente-se mais à vontade para cantar em outras afinações, embora ainda mantenha o desafio de abrir o show com a virulenta “Highway Star”, canção que, se deixasse para a metade do show, talvez comprometesse sua performance.
Já o baterista Ian Paice está no extremo oposto. Mesmo tendo sido vítima de um AVC em 2016, ele é o Purple original que melhor se mantém como músico, descendo a lenha nos momentos mais pesados ou mostrando toda uma desenvoltura instrumental que chega até a flertar com o jazz.
Glover também está bem, mas seu baixo é menos exigido que os dons musicais de seus companheiros de banda, embora tivesse até alguns momentos em que pôde solar.
Ocupando os lugares dos fundadores Jon Lord e Ritchie Blackmore, Don Airey e Simon McBride cumprem seus papéis. O tecladista, que já ocupa o trono do grande tecladista do hard rock há mais de 20 anos, quando Lord deixou a banda em 2002, veio da segunda formação do Rainbow (banda que Blackmore montou depois que saiu do Purple, no meio dos anos 70) e segue a escola de seu antecessor, misturando blues, música erudita, jazz e soul enquanto exibe-se como instrumentista virtuoso, entre teclados elétricos e sintetizadores.
Já McBride, o caçula da banda com 46 anos e seu integrante mais recente (no grupo desde 2022), prefere nem arriscar-se de forma autoral, seguindo literalmente a cartilha de Blackmore, tocando solos à risca. Os dois tiveram momentos solo em que puderam exibir-se sozinhos no palco enquanto seus pares mais antigos davam uma pausa nos bastidores, e Airey não apenas citou a abertura de “Mr. Crowley” (gravada por ele mesmo no disco de Ozzy Osbourne), como saudou a música brasileira, citando “Chega de Saudade”, “Garota de Ipanema” e “Aquarela do Brasil”.
Além dos poucos clássicos, o grupo tocou músicas de seu disco mais recente, “=1” (lançado no ano passado), uma do disco “Now What?” (de 2013) e outra do disco “The Battle Rages On?” (de 1993). Mas o público queria ver os clássicos, e eles tiveram seus momentos, quando passaram por músicas do disco In Rock e de sua obra-prima, “Machine Head”, lembrada por cinco momentos, incluindo o bluesão “Lazy”, a pesada “Space Truckin'” e o riff mais conhecido da história do rock, “Smoke on the Water”, que pareceu encerrar a noite.
Mas o grupo ainda voltou com uma sequência que lavou a alma dos fãs, quando começaram com uma versão sagaz para “Green Onions” (clássico da banda soul instrumental Booker T & The MG’s), que transformou-se no primeiro sucesso da banda, a versão que gravaram para “Hush”, quando ainda eram um grupo psicodélico, em 1968. Dali, os cinco foram para mais uma música de “Machine Head”, quando Ian Paice, só com sua bateria, fez o público cantarolar o riff de “Black Night”, outro grande momento da noite.
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