“A promessa de vida no teu coração”
Pude assistir neste sábado à primeira exibição de Elis & Tom – Só Tinha de Ser Com Você, um dos principais títulos da edição deste ano do festival In Edit. O documentário de Roberto de Oliveira já seria um objeto de estudo por si só, afinal seu diretor, responsável por registrar a gravação desta obra-prima, sentou-se sobre estas imagens por mais de cinco décadas e transformou a expectativa em relação ao filme quase um personagem coadjuvante de sua criação.
Assista ao teaser e continue lendo abaixo:
Há motivos de sobra para isso: Elis & Tom é sério candidato a disco mais importante da história da música brasileira, tanto pelo encontro de duas das principais personalidades (díspares em termos de apresentação, mas sintonizadíssimos em questões políticas e estéticas) de nossa cultura, quanto pela síntese desta mesma cultura em alguns de seus principais intérpretes (não apenas seus autores, mas também seus músicos: César Camargo Mariano, Luizão Maia, Hélio Delmiro e Paulinho Braga são dos principais conjuntos que já pisou neste país). E o diretor do filme pode registrar esse encontro, que aconteceu em Los Angeles, nos Estados Unidos, cidade-símbolo da indústria musical daquele país, capturando momentos únicos, que sozinhos já são um documento ímpar de nossa música.
Sim, cenas inteiras do documentário são o equivalente musical de termos imagens de Leonardo Da Vinci pintando a Mona Lisa, Orson Welles dirigindo Cidadão Kane, o gol de placa de Pelé. O mais perto disso que temos em termos cinematográficos é a série Get Back, que captura os Beatles criando o disco que se tornaria Let it Be em estúdio durante o primeiro mês de 1969, com o agravante que Elis & Tom é muito superior ao último disco dos Beatles. O filme de Roberto de Oliveira nos coloca no centro de criação de uma obra central na cultura do mundo – com o agravante, para nós, desta obra ser brasileira. Há cenas de casualidade gigantesca, entre cigarros e gargalhadas, em que os dois derretem-se em joias do nosso repertório, seja com tom ao piano ou ao violão, acompanhado do piano de um César cauteloso e comedido.
Se você não sabe a história por trás do disco, as tensões artísticas que culminaram nesta obra-prima, vá ao cinema sem saber, para que você aproveite ainda mais a história. Mas mesmo com cenas mais inspiradoras e mais clássicas, o documentário brasileiro não é um produto tão redondo quanto o seriado sobre o quase fim de carreira dos Beatles. Primeiro que a nova definição das imagens em 16 mm deste último parecem que foram gravadas anteontem, enquanto as do filme brasileiro retém uma textura de época. E depois que a narrativa da série dos Beatles concentra-se no período em que aborda, contando toda a história do grupo em parcos minutos, enquanto Elis & Tom é didático até demais em apresentar quem são os principais personagens, deslizando em exageros fúteis (como a repetição de cenas inéditas) e desnecessárias (como a imagem do funeral de Elis). Fora isso, é um documento brilhante da história do Brasil e da importância da música para a nossa cultura, conduzido por duas cabeças geniais e geniosas que moldaram isso que chamamos de país. O filme estreia nos cinemas em setembro, mas ainda terá duas sessões no In Edit, terça e domingo que vem.
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