A internet tornou o pós-modernismo obsoleto

, por Alexandre Matias

Boa leitura esse artigo Postmodernism: from the cutting edge to the museum, do escritor inglês Hari Kunzru para o Guardian. Deixo esse clipe do Magic Machines como trilha (outro clipe inspirado em gifs animados – depois do VHS or Beta e do “Don’t Stop” do Foster the People feito por um fã):

Esta é a essência do pós-modernismo: a ideia de que não há essência, de que estamos nos movendo em um mundo de signos e maravilhas, onde tudo já foi feito antes e está ao redor como ruínas culturais, esperando para ser reutilizado, recombinado de novas e incomuns formas. Nada é direto, nada é novo. Tudo é já mediado. O real, seja lá o que for, não essa disponível. É um mundo estimulante, mas também estranho. Você vê sua bela casa e sua linda esposa e se pergunta, como o narrador da canção do Talking Heads: “Bem, como é que eu cheguei aqui?” Depois disto, é um passo curto decidir que esta não é sua bela casa ou sua linda esposa afinal. O mundo dos signos é rápido, líquido, delirante, disponível. Pessoas espertas o abordam com ceticismo. Sinceridade já era. Ironia é o que é. Estilo também. Se o modernismo tinha a ver com substância, com design sério resolvendo problemas sérios, o pós-modernismo era todo hábito, insolência e postura.

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Para os designers, o pós-modernismo significava fazer coisas materiais que davam a sensação de signos, elas mesmas. Os cômicos italianos do grupo Memphis definiu a estética do fim dos 70 e do início dos 80 com objetos domésticos que pareciam materializações de desenhos animados, formas simples absurdamente justapostas, apresentadas em cores brilhantes e artificiais. Peter Shire, que morava em Los Angeles, criou uma mobília com cores de doces que parecia sempre à beira de retirar-se à bidimensionalidade. Sua cadeira Bel Air, de 1982, é o próprio avatar da ausência de peso pós-moderna, um objeto que poderia existir em qualquer escala, em casa do lado da piscina, em um aquário, no fundo de um coquetel. Mas o pós-modernismo, proteano, sempre difícil de apreender, não tinha a ver só com um futuro cartunesco. O gosto pelo pastiche histórico, por cozinhas campestres e pelo brega neo-georgiano, também era parte da mesma tendência. Laura Ashley, o Mercador de Marfim e o passado falso de Poundbury são (saiba o Príncipe Charles ou não) tão pós-modernos, a seu modo, quanto os designs fashion do Rei de Kawabo ou o massacre gráfico do prédio do Team Disney de Arata Isozaki.

Se o pós-modernismo podia ser divertido e brilhante, também era perturbador. Em um mundo sem fricção de signos, o que acontecia com os valores? Em nenhum outro lugar essa questão teve mais força do que nas campanhas publicitárias de Oliviero Toscani para a Benetton, na qual imagens propositadamente conflitivas de pacientes com AIDS e presos condenados à morte eram usados para vender malhas com tons pasteis. O cinismo do trabalho de Toscani parecia sugerir que vivíamos agora no mundo corporativo de Videodrome, filme de terror de 1983, de David Cronenberg, sobre um produtor franzino que descobre um canal a cabo anônimo que transmite violência sexual extrema. A marcha irrefreável de dinheiro pela paisagem cultural dos anos 1980, com figuras como Jena-Michel Basquiat e keith Haring descrevendo arcos breves e trágicos, parecia a muitos uma degradação fundamental da ideia de arte. Para outros, era apenas diversão.

Apropriadamente, para um momento cultural em que todos pareciam interpretar a si mesmos, performers pós-modernos como Grace Jones, Leigh Bowery e Klaus Nomi desenvolveram um estilo de auo-apresentação que, pela primeira vez, flutuava livre das limitações humanas. Na MTV (que foi ao ar em 1981) e nas páginas das revistas projetadas com os novos Apple Macs (à venda em 1984), eles pareciam ao mesmo tempo mais e menos humanos, como os replicantes do Blade Runner de Ridley Scott (1982). corpos pós-modernos com frequência sugeriam maquinários, como no totalitarismo cara-de-pau das bandas Krafwerk e Devo. Os atos mais humanos, como dançar e cantar, infectaram-se com algo robótico e assutador: a dança seca e o terno executivo gigante de David Byrne, a voz sintetizada de Laurie Anderson cantando canções de ninar sobre o Super-Homem e a ciência, a falência do gênero em Boy George, a sensualidade loira hiper-disciplinada de Madonna, que parecia mais próxima das máquinas humanas interpretadas por Arnold Schwarzenegger do que das pin-ups da geração anterior. As fotos de Grace Jones (pós-produzidas e manipuladas por Jean-Paul Goude), seus membros alongados, sua pele oleada sugerindo cromo e tinta em spray, estão entre os documentos mais poderosos do período. Jones estava apontando o caminho para algo ao mesmo tempo problemático e excitante, algo que, à medida que os 80 davam lugar aos 90, tornou-se codificado como o “pós-humano”.

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Para muitos, o 11 de setembro marcou a morte do pós-modernismo como corrente intelectual. Naquela manhã, tornou-se claro que a “hostilidade às grande narrativas”, como Jean-François Lyotard definiu, era uma busca minoritária, um cubo mágico intelectual para uma diminuta elite metropolitana. Parecia que a maior parte do mundo ainda tinha uso para Deus, verdade e a lei, termos que estavam usando sem aspas. Graydon Carter, editor da Vanity Fair, foi amplamente ridicularizado por declarar que os ataques sinalizavam “o fim da idade da ironia”, mas seu uso do palavrório pós-moderno provou ser presciente. Se a ironia não desapareceu (embora durante o literalismo e a falsa sinceridade dos anos da guerra Bush-Blair ela tenha parecido uma mercadoria valiosa), o pós-modernismo em si pareceu de repente cansado e surrado.

Use oNgram Viewer do Google para ver a incidência da palavra “pós-modernismo” nos livros desde 1975 e encontrará um aumento agudo, com um pico por volta de 1997, e então um declínio igualmente agudo. Plote-o contra o uso da palavra “internet” e a comparação é impressionante. Quase não usada antes da metade dos anos 80, “internet” ultrapassa “pós-modernismo” em 2000, e continua a subir. Todos os avant-gardes estão no negócio do futurismo. Fazem uma tentativa de habitar o espaço que predizem, e ao fazê-lo trazem-no à luz. O pós-modernismo foi, crucialmente, um fenômeno pré-digital. Em retrospecto, todas as coisas que pareciam tão estimulantes aos seus defensores — o vertiginoso excesso de informação, o achatamento das velhas hierarquias, a mistura de signos com o corpo — tornaram-se reais através da internet. É como se a cultura estivesse sonhando com a rede e, quando ela chegou, não tínhamos mais necessidade nenhuma desses sonhos, ou melhor, eles se tornaram mundanos, parte de nossa vida diária. Vivemos o fim do pós-modernismo e o amanhecer da pós-modernidade.

Se alguém se dispor a traduzir, eu republico com os créditos.O Daniel Soares Duarte traduziu e me enviou o trecho acima, já em português (muito o agradeço). E vocês: discordam? Concordam? Foda-se? Dizaê.

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