A inteligência artificial e nós

, por Alexandre Matias

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Outro dia comentaram comigo sobre essa entrevista que dei para o Portal A&C e que eu ainda não a tinha visto publicada. Copio-a a seguir para quem também não viu:

​“Já estamos cercados por tecnologias com inteligência artificial”
Um papo sobre avanços tecnológicos recentes e seus impactos sobre nossas vidas com o jornalista Alexandre Matias

Já parou para pensar no quanto as novas tecnologias têm mudado nossas vidas nos últimos anos? Internet e softwares, com o suporte dos mais variados tipos de dispositivos, têm modificado comportamentos, modos de produção, os fluxos de informação, influenciado o jeito de fazer arte e produzir cultura, transformado a educação e o ensino. E isso parece ser só o começo.

O jornalista Alexandre Matias tem acompanhado tudo isso de perto profissionalmente. Ao longo de sua carreira, foi editor do “Link”, o caderno de tecnologia do jornal Estado de São Paulo, editor chefe da revista de ciência Galileu, além de ter editado umas das primeiras revistas no Brasil a falar de comportamento digital, a “Play”. É também reconhecido pelo seu blog “Trabalho Sujo”. O Portal AeC conversou com Matias sobre os impactos e transformações propiciados pelas novas tecnologias e o convidou a fazer algumas apostas em relação ao futuro.

Você começou sua carreira cobrindo música, foi editor do caderno de tecnologia no Estadão, editor da Revista Galileu e seu blog Trabalho Sujo é referência para muitas pessoas. Como você enxerga hoje a profissão de jornalista? Qual é o papel dele num mundo onde se fala em excesso de informação e um baixo limiar de atenção?
Acho que a chegada da internet é uma fase de transição que parece que tem demorado para passar porque a estamos atravessando desde os anos 90. Mas quem tem 18 anos hoje não sabe o que é o mundo sem internet, provavelmente nem sequer se refere à internet desta forma – não paga contas “online”, apenas paga contas; não compra ingressos “online”, apenas compra ingressos; não sai com alguém que conheceu “online” e sim com alguém que conheceu. A maioria das profissões e dos profissionais entrou em parafuso e ainda tateia na rede – tem muita gente mais velha que a gente que está começando a acessar a rede em 2014, tendo seu primeiro email, abrindo seu primeiro perfil em uma rede social, acreditando naqueles velhos boatos que caímos em 1997 e clicando sem querer em correntes, vírus ou spywares. Tudo isso pra dizer que o cerne da profissão jornalista não mudou muito e é tão necessário (talvez mais) do que antes. É preciso apurar, editar, filtrar, checar, descobrir coisas novas, fuçar em assuntos que ninguém quer se meter – cada vez mais. Se o Facebook (ou a próxima rede social) é o blog de qualquer um e qualquer um com um blog pode ser um jornalista, somos todos jornalistas – mas isso não quer dizer que somos bons jornalistas. Cabe a esses bons separar o joio do trigo e trazer assuntos apurados, checados e analisados. O problema é que a mudança provocada pela internet vem desnudando uma série de veículos e modus operandi que não têm nada a ver com jornalismo, que fazem propaganda (comercial ou política) disfarçada disso. Então uma série de “pilares” do jornalismo vêm caindo ou se segurando para não cair, enquanto os novos nomes ainda estão surgindo, experimentando formatos, vendo como se pagam as contas. É um momento bem interessante e me sinto muito feliz em poder participar tão ativamente desta mudança. Editei uma revista que falava de comportamento digital em 2001 (a Play), editei um caderno que unificou a produção do online e do impresso pela primeira vez numa grande redação brasileira (o Link) e tenho um site que vai mudando de acordo com a minha vontade e as novidades da época (o Trabalho Sujo). São apenas três experiências pelas quais passei entre muitas outras que mostram como estamos mudando e cada vez mais conscientes desta mudança.

Um pequeno exercício de especulação e futurologia para quem acompanha o mercado tech de perto: assim como o filme Minority Report influenciou interfaces touch quando do seu lançamento, fala-se que Ela, de Spike Jonze, pode ter o mesmo impacto na design da experiência do usuário. Ou seja, interfaces menos visuais e com comandos vocais. Você apostaria nisso? Como você enxerga possíveis futuras interfaces?
Não sei, acho que o futuro está cada vez mais imprevisível – procure a internet na ficção científica do século 20 e ela só começa a ser cogitada a partir de 1984, com Neuromancer, quando a internet já existia para além das universidades e laboratórios de tecnologia. Mesmo as interfaces do Minority Report ainda não chegaram – estamos arrastando coisas na tela com o mouse, por mais que nossos dedos já deslizem os celulares e tablets. E as telas no filme de Spielberg não existiam, eram projetadas no vazio, uma interface que ainda vamos ver surgindo. Sobre Ela – e outros filmes e livros que abordam tais interfaces – vamos ver os robôs do futuro não como androides que fazem as coisas pra gente, mas como assistentes pessoais. Mas creio que eles não se tornarão tão humanos como a personagem do filme de Jonze – já conversamos com aparelhos hoje em dia (fizemos uma matéria em 2007 sobre pessoas que batizavam a voz que saía de seus aparelhos GPS). Acho que a tendência de qualquer interface é emular uma interface anterior – não à toa ainda chamamos a área de trabalho de “desktop” (escrivaninha em inglês) ou usamos termos como “pastas” e “arquivos” para nos referir a locais que não se parecem pastas e bits que não nos lembram em nada arquivos. Qual vamos escolher no futuro? Prefiro dizer que já conectaram o computador ao neurônio e que ativar as coisas com o pensamento deverá ser rotina em 20 anos. Por isso não sei se vamos precisar de uma cara ou de uma personalidade para estas coisas…

Você vê chances da inteligência artificial, num futuro próximo, ser tão fantástica e integrada à rotina do cidadão comum, como é no filme Ela?
Sim. Na verdade, já estamos cercados por inteligência artificial. É ela que nos indica amigos no Facebook, livros na Amazon, filmes no Netflix, os melhores caminhos via Waze e descobre a música que está tocando na festa via Shazam. A tendência é que esses algoritmos vão ficar mais complexos e começar a cruzar informações entre si – a ponto de saber que quando sua mãe estiver querendo falar com você, o volume do som ou da TV irão baixar automaticamente. E esse é um exemplo simples que devemos ver funcionando em poucos anos.

A internet vem alterando significativamente a forma como produzimos e consumimos cultura. Do iPod ao Netflix, passando pelo Kindle e pelo ProTools, qualquer um hoje, em teoria, pode criar o próximo best seller sem sair de casa, além de ter acesso quase imediato a tudo que a humanidade já produziu. Como você analisa este momento?
Acho que isso pode significar uma desglamourização do processo artístico, da produção cultural. Hoje qualquer um pode gravar um disco ou escrever um livro a partir de casa, e muitos já conseguem editar filmes inteiros com pouco auxílio de terceiros. Mas estamos falando de filmes, livros, discos – conceitos forjados e popularizados no século 20. Fico muito mais curioso para saber quais são os itens culturais do século 21. Games, sites e experiências interativas são apenas o rascunho do que veremos no futuro. E, com isso, “ser artista” vai ser corriqueiro e deixa de ser mítico, inalcançável. Claro que ainda vão existir grandes artistas – no que diz respeito a tamanho e qualidade – mas eles vão ser cada vez mais raros e provavelmente se lançarão por conta própria.

A internet, também, por meio de suas redes sociais, está dando voz política a cada vez mais pessoas. É chegada a era de uma democracia 2.0?
A minha dúvida maior é sobre o congresso. Como o jornal de papel que chega toda manhã na sua casa com as notícias de ontem, as assembleias legislativas tiveram uma importância fundamental para a história da humanidade. Afinal, era muito difícil saber o que toda uma cidade, um estado ou um país pensavam e queriam, daí escolher representantes pelo voto. Mas é um formato que parece fadado a morrer, mesmo porque já viciou-se em uma série falhas que pouco dizem respeito à sua função original. Mas vamos ter um plenário formado pelas próprias pessoas? Acho inviável um plebiscito para qualquer assunto. Acho que a principal mudança politica diz mais respeito à política do dia a dia, de aos poucos as pessoas perceberem que a calçada quebrada, o buraco na rua, a avenida que engarrafa e o bairro que inunda são problemas de todos e não apenas ficar esperando soluções de cima. Acho que há uma tendência à municipalização das discussões políticas e à retomada da comunidade como unidade de gerência. O escritor de ficção científica Neal Stephenson cogitou em seu livro Nevasca pequenos condomínios autônomos que conversam entre si. Não acho um futuro impossível, embora vai demorar um tempo para chegar.

Atualmente, educação é um setor que tem sido explorado exaustivamente por empresas de tecnologia: cursos via web, universidades e escolas virtuais etc. Ao seu ver, é uma nova fronteira que se abre e de fato transforma o ensino e o aprendizado ou é apenas mais uma tendência do mercado tech como foram tantas outras?
As duas coisas. A escola também foi afetada pela chegada do digital. E era um modelo idêntico ao criado na era industrial. Analisando friamente, a escola nunca foi um local de aprendizado, e sim onde os pais podem deixar os filhos quando vão ao trabalho. Ao mesmo tempo em que os filhos eram doutrinados para entender o trabalho no futuro. A escola imita a fábrica, a sirene do recreio é a mesma do intervalo, há filas, chamada, horários, etc. Mas se o próprio trabalho está mudando, é inevitável que a escola também mude. A duvida, neste caso, é saber onde vamos deixar nossos filhos quando estivermos fazendo outras coisas. E o que eles deverão aprender quando estiverem neste lugar. É melhor aprender a cozinhar ou trigonometria? É melhor aprender a gerir um negócio ou leis da física? Precisamos de uma sala de aula? O professor já não é mais a autoridade do saber que era, um adolescente com um smartphone pode descobrir uma série de enganos perpetrados por um professor de história mal intencionado, algo impossível há vinte anos.

Tendo em mente a tecnologia existe para melhorar a existência humana, para você, qual foi o maior avanço tecnológico dos últimos 10 anos?
Se fossem dos últimos 20, sem dúvida a world wide web, que tornou a popularização da internet possível. Dos últimos 10, talvez seja a mutação do telefone portátil em computador de bolso. Mas é uma revolução passageira, daqui a dez anos não carregaremos nenhum aparelho no bolso. E acho que o computador de pulso vai ser mais popular que o óculos-computador. Mas vai saber se alguém não inventa o teletransporte ou algo que torne dormir algo obsoleto…

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