“A gente nunca ensaia”: Neutral Milk Hotel, outubro de 2013, por Fabio Carbone

, por Alexandre Matias

Carbone assistiu a um dos shows de volta do Neutral Milk Hotel na semana passada e eu pedi para que ele escrevesse sobre o que viu pra cá. As fotos e o áudio do show em Covington, Kentucky, foram registrados pelo próprio Fabio.

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“Neutral Milk Hotel?” – perguntou franzindo a testa e com um sotaque difícil de entender.

Percebi que teria que explicar de novo que banda era essa, como já fiz pra tantos amigos e parentes. Achei melhor não entrar em detalhes, quem perguntava dessa vez era um policial que trabalhava na divisa de Indiana com Ohio, onde a velocidade máxima baixa de 70 para 65 milhas por hora e confesso que vi a placa avisando, mas o jazz da WICR no carro, o piloto automático liberando meus pés pro air drum e o sol gostoso na cara me impediram de mudar a velocidade de cruzeiro. Acabei fazendo tudo isso quando um carro com estrela de xerife no capô e luzes azuis e vermelhas piscando por todo lado me fizeram encostar e contar porque tinha saído do Brasil decidido a rodar mais de mil quilômetros dentro dos Estados Unidos para ver a banda mais importante da minha vida. Tudo terminou com um aperto de mão e a promessa de que iria procurar a Rebecca Parker que estudou com meu amigo xerife e hoje mora na América do Sul.

A esperança de ver o Neutral Milk Hotel ao vivo surgiu quando Jeff Mangum decidiu se apresentar sozinho novamente, depois de um hiato de turnês por uma década e meia. A receptividade nos seus shows solo em teatro e a maneira que hipnotizou os manifestantes no Occupy Wall Street contribuíram muito para ele trazer a banda de volta para pra rua. No festival de Coachella, em 2012, a magia aconteceu por alguns momentos: Scott Spillane e o chegado Jeremy Thal se juntaram a ele. Bastava esperar.

Os ingressos da primeira parte da turnê americana se esgotaram em minutos. Consegui ingresso para a terceira data, na cidade de Covington, Kentucky. Teria seis meses para me planejar e partir para essa cidade que nunca tinha ouvido falar. Nesse meio tempo, perguntei ao Jeremy Barnes (bateria) quando veio ao Brasil para se apresentar com A Hawk and A Hawksaw como estavam os ensaios para os shows: “Não tem, a gente nunca ensaia”.

Quem abriu a noite foi o Elf Power, outra uma banda do núcleo duro do coletivo Elephant 6. A banda empolgava as pessoas mais próximas do palco e entretia as conversas dos outros presentes que já lotavam o Madison Theatre. Com o barulho da galera no bar atrapalhando, consegui refúgio no primeiro terço do tablado a poucos metros do palco. Cheguei junto com uma homenagem da banda ao Bill Doss, um dos mentores do coletivo, morto em 2012 e membro do Olivia Tremor Control e Apples in Stereo, entre outros projetos. A música escolhida foi “Jumping Fences”, numa versão bem mais lenta e linda, responsável por afogar nossos olhos em lágrimas antes até dos instrumentos entrarem, para nossos alento, como se fôssemos também íntimos da pessoa mais querida que deixou o coletivo muito cedo.

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Esperava Jeff Mangum entrando sozinho no palco para tocar “Two Headed Boy”, como nas outras duas noites. Dessa vez, a banda tomou o palco todo logo de cara para fazer a plateia duvidar da realidade e tocaram “The King of Carrot Flowers, pt I, II & III”. Nada de respirar, “Holland, 1945” acelerou o público da frente, enquanto outros choravam ou fechavam os olhos depois dos três hinos.

Da esquerda para a direita, o palco era preenchido pelo naipe de metais, mas que também ajudavam com violões, baixo e teclado: Jeremy Thal, Laura Carter (Elf Power), Astra Taylor – esposa do Jeff Mangum – e Scott Spillane, que repetia cada sílaba de Jeff encarando a multidão hipnotizada. No centro do palco, Jeremy Barnes na bateria e Julian Koster, multi-instrumentista como todos, responsável pelos serrotes e que pogava quando tinha instrumentos “fáceis de controlar”, como o acordeão. Espera, são mesmo aqueles serrotes! Jeff Mangum ficava mais à direita, separado do resto da banda por um abat-jour de ovelha sobre os amplificadores.

“Gardenhead” e “Everything Is” chegaram para cantar com os punhos cerrados. Jeff aponta para uma menina e pede para ela não tirar fotos. De fato, todos respeitavam o pedido da banda, salvo por um breve click desesperado para tentar levar alguma imagem para casa. Pouca coisa apareceu nas redes sociais depois do show.

O público também era peculiar para um show de rock. Ao final de cada música, os gritos e aplausos duravam bastante, até um silêncio profundo devolvendo a vez para a banda. Veio “In the Aeroplane Over the Sea” e surgiu um abraço coletivo que juro não ter iniciado. A banda deixa Jeff sozinho com “Two Headed Boy”. Jeff chama o público para cantar o final da música quando a banda volta armada para “The Fool”.

Só para ter certeza que todo mundo estava derretendo, a música seguinte foi “Naomi”.

Tirando Scott e sua barba fistáile, a banda não interage tanto com o público. Jeff responde de maneira monossilábica às declarações de amor e pedidos de casamento de homens e mulheres. Quando alguém agradeceu a volta da banda, ele respondeu que nunca haviam se separado. É verdade.

Foram mais nove canções. Do ITAOTS, só “Communist Daughter” ficou de fora. O show termina com “Engine” e uma brincadeira de Jeff depois do Julian queimar a largada avançando uma nota com seu serrote. “Obrigado! Essa foi ‘Engine, part II'”.

As pessoas já se olhavam com cumplicidade, éramos testemunhas de um momento que jamais nos esqueceremos, com ou sem fotos proibidas.

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