A exuberância natural de Inhotim como palco do Jardim Sonoro

, por Alexandre Matias

Aproveitei a ida para o festival Jardim Sonoro em Inhotim para fazer um relato ao Toca UOL, em mais uma colaboração que faço para o site, falando um pouco mais das apresentações de Luiza Brina, Ilê Aiyè, Dijuena Tikuna, Mônica Salmaso, Cécile McLorin Salvant, Tetê Espíndola, e Josyara neste que, apesar de recente, é um dos melhores festivais do Brasil atualmente.

Sem perrengue: festival une Mônica Salmaso e Ilê Aiyê à natureza de Inhotim

Um festival de música diurno sem filas, sem multidões, sem horários conflitantes, ações publicitárias ostensivas e poucos artistas em apresentações quase sempre intimistas. O Jardim Sonoro, cuja segunda edição aconteceu no fim de semana no parque-museu Inhotim, no interior de Minas Gerais, parece o avesso do que se espera de um grande evento de música.

Mesmo assim, fluiu feliz e tranquilo pelos três dias em que sua programação integrou-se à paisagem exuberante e às instalações artísticas que caracterizam o local, próximo à cidade de Brumadinho, que fica a 50 quilômetros ao sul de Belo Horizonte. “É uma forma que a gente encontrou pra fazer as pessoas conhecerem o Inhotim de outra maneira, perto da nossa coleção botânica e da nossa biodiversidade incrível e das obras de arte com essa camada da música”, explica a diretora artística do museu, Júlia Rebouças.

O festival recebeu visitantes de outros estados que se programaram para conhecer o museu a céu aberto justamente por conta do festival de música, o primeiro produzido pelo próprio Inhotim, ao contrário de outros eventos mais pop realizados no local antes da pandemia. Durante o Jardim Sonoro os shows fazem parte da visita ao museu e não é cobrado um valor a parte.

O elenco desta edição traduzia bem a ideia, com artistas de diferentes estados do Brasil —da Bahia ao Amazonas, passando por Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais— e apenas um artista internacional (ao contrário da edição passada, que trouxe seis artistas de diferentes países). A curadoria pautou a voz como o tema deste ano, mudando a paisagem sonora do festival, que no ano passado teve várias atrações instrumentais.

A artista amazonense Dijuena Tikuna abriu os trabalhos na sexta (11). Ela transformar o menor palco desta edição, localizado ao lado da obra Desert Park (2010), da artista francesa Dominique Gonzalez-Foerster, em uma grande celebração dos povos originários brasileiros.

Apesar da meteorologia ter previsto dias nublados e possivelmente chuva, bastou Dijuena pisar no palco para que o sol abrisse. Além de cantar no idioma de seu povo, que localiza-se no Alto Solimões, a cantora ainda fez o público levantar-se para acompanhar seus passos de dança e, ao final, dar as mãos para reunir-se numa imensa roda de celebração. O único show da sexta parece ter aberto o tempo, que se seguiu com dias claros e ensolarados, mesmo mantendo-se frios.

No sábado, foi a mineira Luiza Brina que começou o dia, ainda pela manhã, no mesmo palco Desert Park. Brina acabou de voltar de uma pequena turnê pelos Estados Unidos onde foi divulgar seu disco “Prece”, lançado no ano passado, e que conta com uma lenta e consistente repercussão crítica, inclusive no exterior.

Para o show do Jardim Sonoro, ela optou por uma versão menor de sua apresentação, trazendo apenas o percussionista Yuri Vellasco, antigo companheiro do grupo Graveola e o Lixo Polifônico. Sem pausas, Brina emendou as diferentes “Preces” de seu disco (cada uma delas batizada com um número) num formato distante do que quando gravou, quando contou com uma orquestra formada apenas por mulheres no álbum.

Ela experimenta esse formato original num show que fará em Belo Horizonte no dia 7 de agosto acompanhada da Orquestra Sesi Minas (no Centro Cultural Sesi Minas). Ela ainda volta a São Paulo com seu show completo no Sesc Ipiranga no fim de agosto e viaja para Lisboa, Portugal, no mês de setembro.

Mônica Salmaso inaugurou o palco maior do festival, a transposição tridimensional da aquarela do argentino Jorge Macchi feita em 2009 que batizava o palco Piscina. Acompanhada dos instrumentistas Teco Cardoso (sopros) e João Camarero (violão), a cantora paulistana preparou um show inédito para o festival, quando visitou a obra de Tom Jobim.

“Na hora que pensei na natureza em volta e pensando que o centenário de Tom Jobim está próximo, resolvi celebrar a obra dele, que é nossa catedral musical —e o Tom era devoto dessa natureza, a música dele parte disso”, disse a cantora após o show. Ela visitou clássicos como “Por Causa de Você”, ”O Morro Não Tem Vez” e “Tema de Amor de Gabriela”.

Salmaso ainda não sabe se esse show pode virar disco —o centenário de Tom é daqui dois anos. Mas ela quer rodar com a apresentação que mais reuniu público no festival —e certamente um dos ápices do evento.

Outro ponto alto aconteceu logo em seguida, quando a norte-americana Cécile McLorin Salvant arrebatou o público com sua voz mágica ao encerrar a programação do sábado. Acompanhada do formidável pianista Glenn Zaleski, ela passeou por um repertório que incluía standards da canção de seu país como “I Didn’t Know What Time It Was” (de Rodgers e Hart) e “Some People” (Merman e Sondheim), além de músicas de Sting (“Until…”), Fito Paez (“Un Vestido de Amor”), e até a mesma “Retrato em Branco e Preto” (de Chico e Tom) cantada num ótimo português. Repertório quase clássico ouvido em silêncio pelo público que explodia em aplausos a cada pausa.

No domingo foi a vez da baiana Josyara subir no Desert Park com músicas de seu disco mais recente, “Avia”. Acompanhada de Charles Tixier (programações e synths), Bruno Marques (bateria) e Lucas Martins (baixo), Ela desfilou com seu violão e voz vigorosos em canções próprias e de seus ídolos, como Cátia de França (“Ensacado”), Caetano Veloso (“Ilê de Luz”) e Paulinho da Viola (“Dança da Solidão”).

Tetê Espíndola também preparou um show inédito para o festival, repassando 45 anos de carreira. Ao lado de sua craviola – instrumento que toca há meio século -, a artista sul-matogrossense desfilou hinos imortais pantaneiros como “Sertaneja”, “Galopera”, “Tocando em Frente” e “A Chalana”, lembrando de um sertanejo clássico anos-luz de distância do sertanejo das paradas. Com sua inconfundível voz aguda, encerrou o show com seu maior hit, a inevitável “Escrito nas Estrelas”.

O festival encerrou de forma intensa ao trazer o bloco baiano Ilê Aiyê para o palco Piscina. O público se levantou para dançar de pé as celebrações ancestrais do grupo que completa meio século de atividade neste 2025, homenageando o bloco mineiro Magia Negra em uma das canções.

A mineira Brisa Flow, também descendente de povos originários, discotecou no final do dia, mostrando que é possível realizar um festival de música fugindo dos clichês e dos excessos que normalmente associam este tipo de evento a apertos e perrengues.

Tags: , , , , , , , , , , , ,