A era das câmerafones

, por Alexandre Matias

O Timm traduziu o artigo do Guardian que eu linkei aqui outro dia. Segue a tradução. E valeu Timm!

Primavera Árabe leva à onda de eventos capturados em câmeras-fone
Da Praça Tahrir aos episódios das declarações racistas de John Galliano, fotos e vídeos amadores têm, cada vez mais, sido usados em coberturas na mídia

Em 2011, as câmeras-fone entraram no mainstream do fotojornalismo graças à combinação das revoltas árabes, aos protestos do Occupy e aos avanços da tecnologia.

O Guardian, agências de notícias e as principais emissoras de TV usaram muito mais câmeras-fone e imagens em vídeo. O New York Times disse que seu uso aumentou cem vezes.

“Isso é em grande parte por causa da Primavera Árabe”, disse Michele McNally, editora-assistente de fotografia no New York Times. “A maioria dos jornalistas está carregando smartphones por causa da qualidade de imagem das suas câmeras. Eles gostam do estilo das imagens do celular e eles são menos invasivos em situações de conflito.”

Ela diz que a mídia cidadã foi mais um registro instantâneo de um evento do que um substituto do fotojornalismo qualificado. Diz ainda: “A maior parte da cobertura amadora denota a falta da verdadeira interpretação inteligente de como é estar lá.”

O Sharek, serviço de mídia cidadã da Al-Jazeera, recebeu cerca de mil vídeos de câmeras-fone durante a revolta egípcia contra Hosni Mubarak.

Riyaad Minty, diretor de mídia social, disse: “Em lugares como a Líbia, Iêmen e Síria, cidadãos postando online têm sido a principal lente através do qual as pessoas têm sido capazes de ver o que está acontecendo em terra firme.

Agora, nossas matérias mais importantes têm girado em torno de imagens captadas por cidadãos nas ruas. Não são mais apenas imagens de apoio. Na maioria dos casos, as pessoas capturam os furos de reportagem primeiro. A Primavera Árabe foi realmente o momento derradeiro, quando tudo aconteceu ao mesmo tempo.

Turi Munthe, fundador do serviço de jornalismo cidadão Demotix, disse que houve uma mudança cultural na grande mídia.

“As principais emissoras de tv estão abandonando seu modo padrão para usar as câmeras-fone porque as imagens soam muito mais autênticas. Em quase todas as imagens da Praça Tahrir há pessoas acenando câmeras-fone.

“Globalmente, nossos números de vendas este ano subiram 250%. Você precisa desse tipo de cobertura global com dezenas de pessoas na Tunísia e no Egito e na Líbia ou em Nova York e Portland e Londres. Isso reflete a amplitude e a profundidade da cobertura da Primavera Árabe e do movimento Occupy.

“Tivemos cerca de mil colaboradores nos enviando imagens do norte da África. No Egito, havia um sentimento de que a guerra estava sendo travada em duas frentes — a guerra contra Mubarak e a campanha para espalhar a revolta em toda a mídia.”

Munthe diz que o acervo fotográfico da Corbis começou a aceitar imagens tiradas a partir de câmeras-fone. “Não se trata apenas de agências de notícias procurando um registro imediato, mas também de revistas à procura de imagens que resistam ao teste do tempo.”

Faris Couri, editor-chefe da BBC Árabe, diz ter visto um aumento de quatro vezes no uso de imagens e vídeos gerados por usuários. O material levou a investigações, por exemplo, quando um tanque apareceu atirando contra uma escola no início da revolução egípcia. Jornalistas descobriram que havia prisioneiros fugitivos escondidos no prédio.

Ele diz: “Nas raras ocasiões onde jornalistas tiveram acesso à Síria, eles foram acompanhados pelas autoridades, de modo que o conteúdo irrestrito dos usuários acabava equilibrando as coberturas. Durante o último ano isso virou regra. As pessoas perceberam que a situação exigia isso, pois era impossível confiar nos profissionais.”

Dr. Rasha Abdulla, professor associado e diretor de jornalismo e comunicação de massa da Universidade Americana no Cairo, disse que uma sinergia se desenvolveu entre jornalistas cidadãos e a mídia de massa.

“Um exemplo é a horrível imagem da manifestante egípcia que foi despida, no chão, por soldados do exército enquanto eles, brutalmente, a espancavam e a humilhavam. Mesmo sendo essa uma foto da Reuters, apoiantes do Conselho Supremo das Forças Armadas afirmavam que ela era falsa. Então, um vídeo amador surgiu levando Scaf a admitir que, de fato, aquilo havia acontecido.”

Em 18 de dezembro, quando houve um apagão na cobertura de tv da ocupação do gabinete egípcio, no Cairo, Abdulla disse que as únicas imagens haviam vindo de um manifestante transmitindo online a partir de seu celular.

“Aquela transmissão estava sendo assistida por mais de doze mil pessoas na ocasião.” Lá se vai o tempo em que os governos eram capazes de esconder seus crimes, proibindo emissoras de tv e jornalistas de estar em cena. Todo mundo em cena é um jornalista cidadão e todo mundo está documentando enquanto protesta.”

Philip Trippenbach, editor-chefe do departamento da rede de mídia social Citizenside diz: “Houve uma mudança comportamental com ativistas se dando conta de que o interesse em suas imagens vai além do Facebook ou do Twitter.”

Ele diz que a chegada dos smartphones com câmeras entre 8 e 10 megapixels levou a um crescimento de três vezes no número de imagens que eles recebem.

Talvez, o mais importante seja a capacidade de vídeo dos telefones mais recentes. O vídeo de John Galliano [o estilista das declarações racistas] foi história nossa. Quem forneceu o vídeo ganhou dinheiro suficiente para comprar um Audi novo. Mas, para a maioria, se trata de compartilhar informação, como na Wikipedia.

Mas um dos chefes do setor de fotografia no The Guardian, Roger Tooth, diz: “O material captado com câmeras-fone tem grande valor em cenários onde se é complicado chegar, em furos de reportagem, mas geralmente vai para segundo plano quando fotojornalistas chegam na cena.

“A alta qualidade das câmeras-fone não significa um melhor jornalismo — o número de megapixels é, provavelmente, a coisa menos importante em fotos jornalísticas.”

“Outra coisa que eu questiono é por quanto tempo as pessoas simplesmente continuarão “doando” seu material para organizações comerciais de mídia.”

A proliferação e a crescente qualidade da mídia cidadã tem levado algumas da principais emissoras a demitir fotojornalistas profissionais. A CNN está mandando embora aproximadamente uma dúzia de fotojornalistas por causa do uso cada vez maior das mídias sociais, incluindo a iReport, graças ao seu próprio serviço de fotojornalimo cidadão.

A iReport, que tem aproximadamente um milhão de colaboradores registrados, recebeu cerca de 6300 imagens e vídeos nas revoltas do Egito e da Líbia, dos quais 450 foram publicados.

Tony Maddox, vice-precidente executivo da CNN internacional, diz que esses colaboradores não são substitutos para repórteres profissionais.

Jornalistas da CNN usaram smartphones durante a Primavera Arábe para “entrar no coração da história.”

Ele diz: “Durante os acontecimentos na praça Tahrir, nossos operadores estavam sob ataque e os smartphones nos permitiram ser consideravelmente mais discretos.”

McNally, do New York Times, diz que a mídia cidadã foi mais um um “registro instantâneo” de um evento do que um substituto do fotojornalismo qualificado. Ela diz: “A maior parte da cobertura amadora denota a falta da verdadeira interpretação inteligente de como é estar lá.”

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