Tá na hora dos Pelados
(Foto: Helena Zilbersztejn)
Tem uma geração de novos artistas que está prestes a causar um estrago. Enclausurados e sem fazer shows como todo mundo da música nos últimos dois anos e meio, fazem parte de uma safra que ainda está no início de seus vinte anos e aos poucos começa a botar a cabeça para fora e experimentar o novo mundo lá fora. A banda Pelados, que acompanho desde antes da pandemia, estão longe de serem os únicos nesta situação, mas talvez seja o melhor exemplo desta nova leva de artistas. Depois de dois discos lançados no Soundcloud quando ainda eram chamados de Pelados Escrotos, eles entraram em 2020 com um disco pronto – e já com o novo nome da banda -, esperando a hora de fazer shows. Mas aí veio aquele infame março e Sozinhos, este novo álbum, não pode ser lançado ao vivo. E a inevitável transformação ocorrida neste período isolado fez os Pelados deixarem o primeiro álbum para trás e começaram a fazer outro disco, que será lançado ainda este ano. Entre o disco anterior e o próximo, a banda deu um gigantesco salto artístico e o que era só insinuado no outro trabalho, agora vem escancarado em um dos grandes álbuns que escutei esse ano: bem mais solto, ousado e diversificado que a fase anterior, misturando gêneros e referências musicais ao mesmo tempo em que preservam um frescor informal, bem-humorado e idiossincrático, como dá para perceber pelo primeiro passo nessa nova fase. Nesta sexta-feira, o grupo libera o primeiro single desta nova fase em primeira mão para o Trabalho Sujo, a estranhamente torta e suave “Nunca Sozinha, Sempre Mal Acompanhada”, e aproveitei a deixa pra bater um papo com eles sobre essa nova fase e o que vem por aí.
Ouça abaixo.
“Muita coisa mudou!”, lembra o guitarrista e vocalista Vicente Tassara, que também faz parte da banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo. “É maluco pensar nisso, mas já faz cinco anos que a maior parte do Sozinhos foi gravado, lá em 2017. Naquela época, a Pelados era outra coisa – todo mundo ainda estava na escola, vivendo outras paradas, e sem entender muito sobre como gravar uma música ou como lançar um disco.”
“A banda tá com uma cara muito diferente da que ela tinha naquela época: em primeiro lugar, pela minha contribuição e pela contribuição da Helena – nós só nos juntamos à Pelados lá em 2019, e mal tocamos no Sozinhos”, continua Tassara. “Mas acho que acima de tudo, rolou um certo amadurecimento geral: ao longo desses últimos cinco anos, cada um de nós cinco, de maneiras muito diferentes, foi aprendendo muito sobre como que é trabalhar com música no Brasil – sobre como se grava um som, sobre como se toca em banda, sobre como se lança um disco – e acho que isso se reflete muito visivelmente na banda. E acima de tudo, o que valorizamos na Pelados do presente é a nossa autonomia: sobre o nosso som, nossa identidade visual e nossa carreira. Depois de termos aprendido tanto nesses últimos anos, com nossos erros e acertos, temos absoluta certeza disso: fazemos o som que queremos fazer, e lançaremos ele da maneira que queremos lançar. E esperamos que isso transpareça no disco que gravamos.”
“O processo de composição veio de um anseio da banda, depois de meses separados devido a distopia pandêmica, de criar algo juntos. Desde o início da formação comigo e com o Vi em 2019, ficamos ensaiando religiosamente as músicas do álbum Sozinhos para apresentar num show que nunca rolou e nos deixou saturados, pois não era mais um som que representava a banda”, continua a baixista Helena Cruz. “Em 2021, dado a impossibilidade de nos encontrarmos presencialmente, buscamos outros meios para manter contato e iniciar o processo criativo pra o que seria essa nova fase da banda. O ponto inicial de tudo foi um clube do disco, uma ideia que veio do Vicente, para discutirmos entre nós referências estéticas e sonoras que cada um estava curtindo e queria trazer pra banda. O que começou como uma forma de manter contato e matar a saudade, através de discussões calorosas no zoom – cada semana um pelado indicava um álbum para todos ouvirem e debaterem – acabou se tornando nosso ponto de partida para compor.”
A baixista continua explicando o processo que resultou no novo disco. “As primeiras ideias foram trocadas através de bounces (demos) entre nós pelo grupo de WhatsApp. Desde áudios de gravação pelo celular a timbres de bateria saturados gravados pelo fone de ouvido, synths do Garage Band… A princípio a ideia não era gravar um álbum, mas sim criar alguma coisa juntos depois de tanto tempo.”
O tecladista Lauiz continua explicando como o processo do novo disco começou com a música que estão lançando agora, a primeira gravada na imersão que fizeram no ano passado em seu estúdio caseiro, o Estúdio Orgânico, que acabou tornando-se o quartel-general da banda: “Quando chegou o momento de gravar o segundo disco, moramos juntos por dez dias. A alegria de encontrar os amigos levou a primeira música gravada, que aconteceu de forma tão natural que parecia que já tínhamos feito isso mil vezes, por mais que fosse a primeira vez que gravamos entre nós e desse jeito. É interessante como essa música ao mesmo tempo ditou o futuro da gravação e ao mesmo tempo casa sonoramente os dois discos”.
“Entramos com duas músicas no estúdio e saímos com um álbum de treze faixas, que constroem uma narrativa sólida e sincera da banda”, completa Helena. “Gravado entre tardes e madrugadas congelantes, cada dia trazíamos uma ideia nova, cada um trazia uma composição, uma ideia de arranjo, se permitindo trocar de instrumento, explorar sonoridades diversas, aprendendo a materializar timbres que existiam só na nossa cabeça…”
A vocalista Manu Julian fala da felicidade de poder voltar a fazer shows, em que já estão experimentando músicas novas. “Todo show pra gente é uma delícia, é muito boa a sensação de tocar ao vivo depois de tanto tempo de elaborações e ideias e fonogramas. Estamos muito animados com a perspectiva de tocar as músicas novas, e de ampliar ainda mais o nosso horizonte: tocar pelo Brasil, em São Paulo e aonde for. É uma parte muito importante de ser músico, e confiamos no que fazemos no palco.”
O baterista Theo Cecato, que, como Vicente, também toca na banda com Sophia Chablau, concorda com Manu e fala sobre este futuro próximo. “Acho que os próximos passos são tocar o máximo possível ao vivo e levar esse disco pra outros picos que não São Paulo. O disco vai ser lançado em esse ano e acho que ao todo também os próximos passos são fazer cada vez mais e mais coisas.”
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