Johnzinho paz e amor
Praticamente um extra de DVD, se liga no outtake da capa da Bizz desta edição
As músicas mais politizadas de John Lennon.
“Come Together”
Um dos rocks mais emblemáticos dos Beatles, a faixa é também o resumo mais conciso da personalidade incendiária de John Lennon. Apesar de absurdista, a letra descreve a lenta transformação do beat dos anos 50 no hippie dos anos 60 e cria o vínculo entre as culturas através de uma canção, que, não por acaso, foi composta para a campanha eleitoral de Timothy Leary para governador do estado da Califórnia. O guru da LSD foi obrigado a deixar a campanha após ser preso ao portar um baseado de maconha, deixando a eleição livre para o ex-ator Ronald Reagan – aí a música foi tornada lenta pela linha de baixo inventada por Paul McCartney e foi abrir o último grande disco dos anos 60, Abbey Road. Não custa sublinhar o tom erótico da canção – já que o verbo “come” em inglês pode dizer tanto “vem” quanto “gozar” – e lembrar que Chuck Berry o processou por plágio, devido a referências à sua “You Can’t Catch Me”, processo que culminou no disco Rock’n’Roll, de 1975, em que Lennon regrava clássicos do rock dos anos 50, incluindo “You Can’t…”, e outras duas do representante legal de Chuck.
“Woman is the Nigger of the World”
Inspirada em uma frase dita por Yoko em uma entrevista, é uma balada pesadaça e ultrafeminista, com um título tão forte e marcante quanto a fraqueza dos versos seguintes (“Yes it is… Think about it…”). A faixa é um bom exemplo de como a fase mais militante de Lennon é responsável por sua produção artística mais fraca – especialmente o disco Some Time in New York City. Mesmo assim, a faixa é anos-luz à frente da média daquele disco, embora tenha tido problemas de execução nas rádio graças à palavra “Nigger”, (“preto”, dito em tom pejorativo, em inglês) no título.
“I Am the Walrus”
Influenciada por uma sirene de polícia e Lewis Carroll, a faixa é provavelmente a grande composição da história da psicodelia (ameaçada talvez por “A Day in the Life” ou “Strawberry Fields Forever”) e foi escrita com uma letra deliberadamente críptica, depois John que descobriu que os estudantes do colégio Quarry Bank, onde havia estudado, estavam interpretando letras dos Beatles. É a primeira vez em que Lennon usa uma canção como provocação, atingindo então sua maturidade como compositor – encerrando o ciclo iniciado em “Help!”.
“I Don’t Wanna Be a Soldier Mama, I Don’t Wanna Die”
Boogie lento, levada quase improvisada, camadas e camadas de teclados, percussão lenta e mais uma experiência com linguagem. A música é um mantra em inglês, cuja letra varia o “soldier” do título com outros personagens sociais: “Eu não quero ser um soldado, mãe, eu não quero morrer/ Eu não quero ser um advogado, mãe, eu não quero mentir/ Eu não quero ser um fracasso, mãe, eu não quero morrer”. A música reúne dois temas favoritos do ex-beatle: o exército como instituição assassina de jovens e o sentimento de perda em relação à mãe.
“Gimme Some Truth”
Crua, sem rodeios, é o melhor exemplo do ativismo político de John. Enquanto a banda no fundo conduz um lento e hipnótico andamento conhecido dos fãs dos Beatles em faixas como “I Want You (She’s So Heavy)” e “Dear Prudence”, ele atropela qualquer tentativa de introdução com um desabafo interminável: “Estou enojado e farto de ouvir coisas vindas de hipócritas travados, estreitos sem visão”, desabafa, “eu só quero a verdade/ Me dá alguma verdade”. A canção é uma homenagem a Richard Nixon (com uma estrofe inteira dedicada a ele) com quem Lennon começaria a ter problemas sérios a partir do ano seguinte ao lançamento da canção. O clima beatle póstumo atinge alta voltagem com o solo choroso e agressivo de George Harrison, que também atravessava uma fase igualmente amarga. “Cansei de assistir cenas de primadonas esquizofrênicas egocêntricas paranóicas”, verborrágico e chorão ao mesmo tempo, ácido e apaixonado, um populista inconformado – assim Lennon fazia política.
“Happy Xmas (War is Over)”
Apesar de hoje ser uma das músicas natalinas mais conhecidas e executadas no mundo, “Happy Xmas” foi um fracasso à época de seu lançamento, pois John Lennon quis lançá-la às pressas e não houve tempo para planejar a divulgação e a canção foi mal nas vendas (isso, para um beatle, pode ser traduzido como quarta posição na parada inglesa). Mas como Lennon morreu no início de um mês de dezembro, foi natural que as rádios escolhessem este single como sua música daquele Natal de 1980, ganhando força a cada ano (e não faça cara feia, Lennon não pode ser culpado por Simone). A conexão com a política é o subtítulo da música, cantado junto a um coral de crianças do Harlem. “A Guerra Acabou” era uma das partes do ativismo artístico de Lennon e Yoko em 1969, quando fizeram os famigerados bed-ins. A frase foi posta em outdoors em 11 cidades diferentes pelo mundo, e completava o título como um parêntese: (If You Want It, Se Você Quiser).
“The Word”
A base política dos Beatles era de que a melhor política era a do amor. Essa faixa do Rubber Soul é um dos primeiros exemplos do uso do tema, que acompanhou a banda até o epitáfio na própria lápide. Aqui, Lennon e McCartney brincam com os modismos da época em que viviam, os hypes da época, fantasiados no interesse causado pela nova “palavra”. “É tão bom/ É a luz do sol”, cantam em coro, perfeitos, acompanhado por uma guitarra martelada no contratempo, um piano de saloon e outra guitarra country. Depois Lennon canta sozinho, letras que são mais suas que de Paul: “No começo, eu entendi errado/ Mas agora já sei, a palavra é boa”, a voz quase sorridente que, mais tarde, panfleta: “Agora que eu já sei o que é bom/ Preciso mostrar a luz para todo mundo”.
“Imagine”
A música mais amada e popular de John Lennon também é considerada, pela exaustiva repetição e pelo excesso de candura, como a música mais insuportável de todos os tempos, dependendo de seu ponto de vista. “‘Imagine’ é uma canção antirreligiosa, antinacionalista, anticonvencional e anticapitalista”, disse Lennon ao biógrafo profissional Geoffrey Giuliano, “mas como ela tem uma camada de açúcar, ela é facilmente aceita”. Carro-chefe do disco de mesmo nome, que foi lançado no mesmo mês em que decidiu tentar a vida nos EUA, a faixa também já foi descrita por Lennon como sendo “virtualmente o Manifesto Comunista”.
“God”
Um dos pontos centrais do primeiro disco de Lennon após sua saída dos Beatles, “God” é mais uma das canções diretamente influenciadas pela terapia do grito primal, de Arthur Janov (“Mother” e a primeira faixa de seu Wedding Album, com Yoko, são outras). Mas em vez de deixar a voz em frangalhos, prefere fazer isso com a fé dos anos 60, descanscando cada um dos mitos da década que havia encerrado um por um (de Buda aos Beatles). “Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor”, começa cantando minutos antes de anunciar, em tom de pesar que o sonho acabou, “Eu só acredito em mim/ Em Yoko e em mim/ Essa é a realidade”.
“Bring on the Lucie (Freda People)”
Outro rock clássico, embora um hit menor na carreira de John, conta com uma levada mais tranqüila, determinada pela slide guitar quase sonolenta. “Não queremos saber que bandeira você levanta/ Nem queremos saber seu nome/ Não queremos saber de onde você e pra onde você tá indo”, canta doce e ácido ao mesmo tempo, “Você que toma todas as decisões/ Temos apenas um pedido”, canta antes de grunhir “Liberte as pessoas” e cair um improviso vocal que vai do falsete, à percussão feita com a voz e ao berro simples e direto. Irresistível.
“Instant Karma (We All Shine On)”
Gravada no mesmo dia em que foi composta e lançada 10 dias mais tarde, conta com um elenco que é parte da biografia de Lennon – Phil Spector (o produtor de “Be My Baby” e do disco Let It Be), o também ex-Beatle George Harrison em uma das guitarras, o tecladista Billy Preston (o único músico a ser creditada em uma gravação dos Beatles), o baterista Alan White (que tocava com Lennon desde 69), Yoko Ono nos vocais de apoio, o baixista Klaus Voorman (que conhecia John desde os tempos de Hamburgo, na Alemanha, e que também é o autor da capa do disco Revolver), Mal Evans (roadie dos Beatles) na percussão e o empresário Allen Klein nas palmas. O single volta à teoria básica de Lennon, que todos tem o poder de mudar: “Todos nós brilhamos”.
“All You Need Is Love”
Poucas canções tiveram a oportunidade de serem mostradas em público pela primeira vez via satélite – coube aos Beatles mais este número 1. Composta para a apresentação do programa Our World, um especial que unificava transmissões em via satélite de todo o mundo pela primeira vez na história, dandos ao grupo um público de 350 milhões de pessoas. Mais uma vez entra o Lennon político, pregando o amor como uma promessa de campanha. O marketing eleitoreiro vai além do tema e da simplicidade da mensagem (herdeira de “The Word” e precessora de “Give Peace a Chance”) e inclui a Marselhesa (o hino da França) logo na introdução, e referências a peças clássicas como “Greensleves”, uma tocata de Bach, “In the Mood” e mesmo “She Loves You” no final da canção. Além da presença de famosos na gravação, como Mick Jagger, Keith Richards, Eric Clapton, Keith Moon, Marianne Faithful e as namoradas de Paul e George na época, as atrizes Jane Asher e Pattie Boyd, respectivamente.
“Give Peace a Chance”
O primeiro single de um beatle solo, a faixa pacifista foi lançada no segundo semestre de 1969, enquanto a banda finalizava Abbey Road. A faixa foi gravada no dia 1º de junho de 1969, no quarto 1742 do Queen Elizabeth Hotel, em Montreal, no Canadá, durante o bed-in que John e Yoko fizeram na cidade, com a presença de famosos como o papa do LSD Timothy Leary e a cantora Petula Clark, entre outros. “Give Peace a Chance” colidia dois aspectos distintos da vida de Lennon, a verborragia de suas canções mais panfletária (nas estrofes) e a simplicidade direta de seu populismo pop (no refrão). Os dois hemisférios do cérebro de John também estavam representados na esquizofrenia entre ser um Beatle e não ser: a faixa foi a primeira a ser lançada sob o nome de Plastic Ono Band, embora sua autoria seja dividida com Paul McCartney – que não tem nada a ver com a canção e não seria creditado em aparições futuras da faixa em discos ao vivo e coletâneas.
“Revolution”
Toda sutileza que caracterizaria o grande momento rock de Lennon em “Come Together” é deixada de lado neste seu segundo grande momento rock em prol de uma interpretação em que John, literalmente, se joga: ele gravou o vocal da versão final deitado no chão, pois só assim achava que sua voz soava de acordo. Cantando a revolução, Lennon se posicionava exatamente em cima do muro ao apostar nas duas hipóteses na hora do pega pra capar: “Se você fala em destruição/ Você sabe que não pode contar comigo”, canta na versão clássica, o rock que saiu no lado B de “Hey Jude”, o primeiro compacto da Apple. Na versão unplugged, presente no Álbum Branco, ele repete a letra, só que se contradiz: “Você sabe que pode contar comigo”. O paradoxo é a saída pela esquerda – e pela direita, ao mesmo tempo – que os artistas sempre usam.
“Power to the People”
A idéia para a música surgiu durante a entrevista dada a Tariq Ali para o Red Mole e em poucos dias, Lennon ligaria de volta para Ali para mostrar um rascunho da canção ao telefone. É mais uma das músicas que John compôs para ser usada em passeatas, protestos e manifestações políticas, embora a tenha tachado como ingênua em suas últimas entrevistas. “Você diz que quer uma revolução”, dialoga com sua própria “Revolution, “Melhor correr logo”.
“Working Class Hero”
Claramente inspirada em Dylan, é quase uma toada folk européia que repete a fórmula-mágica: “É preciso ser um herói da classe operária”, afirma seco e arrogante, quase como se precisasse se convencer por si próprio desta nova missão. Talvez precisasse, afinal John era o menos proletário dos quatro beatles – e os outros três não gostaram nada de ouvir o antigo colega tirando onda de trabalhador, quando, na verdade, nasceu em uma casa que tinha até nome (Mendips, na Menlove Av., em Liverpool) e morava num bairro que tinha um campo de golfe. “Nós éramos da alta classe baixa”, lembra Paul em suas memórias, “John era da média classe média”.
“How?”
Uma de suas mais belas canções, “How?” é política e existencialista ao mesmo tempo. “Como posso seguir em frente se não sei para onde estou indo?”, pergunta-se, doce e em falsete, acompanhado por um bumbo cardíaco e seguido por um piano e cordas que se derretem sobre seu próprio vocal. Lennon reúne suas melhores qualidades como compositor numa canção perfeita. “A vida pode se esticar e você tem que ser forte”, canta, num desabafo, “e o mundo é tão duro/ Às vezes acho que já tive o suficiente”.