Por que faço o Trabalho Sujo
Desde que o Trabalho Sujo era uma ideia eu já me acostumei ajustá-lo de acordo com a situação.
Chego agora a essa nova fase pensando no que o site pode ser nos próximos anos sendo que ele nunca foi planejado para ser um site, um conceito que mal existia quando o Trabalho Sujo nasceu. Fora que não dá pra saber o que esperar dos próximos anos – quem sabe? As mudanças que aconteceram na minha vida nos últimos 20 anos mostraram que não adianta fazer muitos planos nem tentar agarrar o controle da vida, é melhor deixar levar com o fluxo, ser levado pela corrente da vida, que não é só sua. O fim dOEsquema e o novo layout do Sujo é uma forma de organizar um pouco a casa e as ideias antes do aniversário de 20 anos que acontece em novembro. Não sei o que vou fazer em novembro, mas me parece uma boa meta de tempo.
Algumas novidades vão ficar mais evidentes com o tempo, mas já antecipo umas de cara. Aos poucos o Leitura Aleatória (aquela coleção diária de links) vai voltar, Facebook e Twitter passam a funcionar de forma diferente em relação a postagem de conteúdo do Trabalho Sujo e externo (o Instagram é uma conta cada vez mais pessoal, tô quase pensando em botar o cadeado na porta e não replicar pro Facebook); haverá uma newsletter e seções específicas com periodicidade a definir; além de explorar mais a relação do site com eventos ao vivo. Ah, o 4:20 acabou (por isso aquele monte de “The End”) pois ter cumprido seu papel e disseminado a hora mágica para o mundo. É como as fotos da tapioca: continuo comendo-as todas as manhãs, mas depois que eu lancei o hype não preciso insistir mais nisso, né? E ainda tem uma coluna pra você mandar suas dicas pra cá.
O Sujo começou depois de uma demissão. Tinha sido demitido do jornal que trabalhava, o Diário do Povo, e estava naquela encruzilhada entre retomar o curso de Ciências Sociais na Unicamp, fazer um fanzine e continuar publicando de alguma forma em algum jornal – o vírus do jornalismo havia me infectado e quem conhece sabe como é essa cachaça. Antes de ser demitido eu publicava num caderno voltado para o público adolescente chamado Diário Pirata (justo esse nome!) que fazia sucesso na cidade por ser a única publicação em Campinas que não falava ou com adultos ou com crianças – e a equipe liderada pela gênia Adriana Villar aproveitava-se dessa zona cinzenta para inventar pautas e abordagens que gostaríamos de ler, uma das minhas primeiras grandes lições da profissão: só faça uma matéria que você queira ler.
Havia acabado de comprar meu primeiro computador, um trambolho Compacq comprado numa promoção da Fenasoft de 1994, e brincava com versões dos programas que os jornais usavam pra diagramar e ilustrar suas páginas, os arcaicos Aldus PageMaker e Corel Draw. Meu primeiro fanzine começou a ser rascunhado digitalmente, usando um scanner de mão e fotos que já vinham no computador para ilustrar matérias sobre diferentes assuntos. O nome havia surgido numa névoa matutina dessas e vinha com sobrenome: o subtítulo “Porque alguém tem de fazê-lo” margeava tanto a versão original de um zine que nunca existiu quanto as primeiras edições do Trabalho Sujo de fato.
Um dos motivos do sucesso do Diário Pirata era a literal ausência de concorrência – o principal jornal da cidade, o Correio Popular, não tinha nada que se parecesse com o Diário Pirata – e anos depois quando começou a sua versão (chamada de… “Geração”) não chegava aos pés do trabalho que fazíamos na redação da Vila Industrial. E foi ali que o editor-chefe do jornal – ou em algum terceiro tempo no Bar Azul ou no City Bar – ficou sabendo que eu iria vender uma coluna para o correio. E depois me chamou na redação para outra daquelas grandes lições do jornalismo que carrego pra vida: ele fechou o caderno não por falta de interesse, mas porque tinha de cortar papel, e ao saber que eu toparia trabalhar como frila – minha proposta original para o Correio -, me convidou para trazer aquela coluna para o jornal. E me deu a contracapa do caderno de cultura das segundas-feiras. Eu simplesmente reempacotei meu fanzine para um formato de página de jornal e, diagramando no PageMaker e editando no Corel, levei a coluna num disquete para a redação, que ainda não tinha internet. Descia à sala de produção para escanear fotos e aplicá-las na página e aos poucos fui me ficando familiarizado com todo o lado industrial do jornal. Até então só sabia o que acontecia até que o texto chegava à página. Como frila, passei a frequentar a gráfica.
Assim começou o Trabalho Sujo que, em menos de seis meses, já teve que aprender a se adaptar, quando o Correio simplesmente comprou o Diário e passou a sucatear o antigo concorrente, levando a linha editorial para o pior estilo espreme-sai-sangue. Consegui manter o Sujo a duras penas, pois ele saiu da contracapa de cultura para dar espaço à nova colunista Sônia Abrão (é…) e foi para o alto da página dois, em cima dos quadrinhos e do horóscopo, em versão preto e branco. A fase trevas do Diário durou um ano e aos poucos sua autoestima foi sendo retomada, mesmo sempre abaixo da do ex-concorrente e atual “casa grande” de uma tentativa de império dos jornais do interior que mal conseguia chegar às cidades vizinhas. Nesse meio-tempo me tornei ilustrador do jornal (pois era o único na redação que sabia usar o Corel Draw), contratado e fazendo o Trabalho Sujo na paralela, sem receber a mais por isso. Em pouco tempo, tornei-me editor de arte do jornal, quando fiz um novo projeto gráfico para o Diário (que morreu em 2012 com o logotipo que eu havia feito) e ajudei o jornal a criar seu primeiro site. E ali plantei também a primeira versão digital do Trabalho Sujo, que devia ter um link do tipo http://www.diariodopovo.com.br/suplemen/TrabSujo/index.htm. A versão em papel tinha voltado a ganhar espaço e como o Rio Fanzine n’O Globo passava a ocupar a página dupla central da edição de domingo. Eu que diagramava e escrevia tudo, sempre, mas nessa época já tinha colaboradores fiéis como o grande Roni César, comparsa de editoria de arte e ilustrador de primeiríssima, e o mestre Sérgio Carvalho, o Serjão, até hoje um dos meus fotógrafos favoritos.
Em 1999, o Sujo foi para a contracapa de sábado e, no meio daquele ano, fui chamado para ser o editor de cultura do Correio Popular. Pra evitar problemas de autoria, em vez de levar o Trabalho Sujo para o Correio, simplesmente fechei a coluna impressa e abri o site no Geocities, onde começava a publicar textos que escrevia para o Correio e para outros veículos – na época eu já colaborava com O Globo, o Estadão e a Gazeta do Povo de Curitiba -, mas aos poucos fui entendendo a lógica daquela nova mídia. E antes de eu mudar para São Paulo já havia transformado o Trabalho Sujo do Geocities em meu site pessoal. Depois veio o Gardenal, veio OEsquema e aquela história que eu tava contando e, aos poucos o Trabalho Sujo também foi mudando.
De lá pra cá passei pelas redações da Conrad, da Trama, do Estadão e da Editora Globo sempre levando o Sujo como uma atividade paralela, um misto de hobby e missão, mas ao mesmo tempo ele ia ressaltando qualidades e manias que sempre fiz questão de prezar. Ao assumir o próprio domínio do Trabalho Sujo, o site segue como coluna de novidades e notícias, misturando opiniões e nichos diferentes para tentar acompanhar as transformações que estão acontecendo atualmente. Mas também começa uma produção ainda mais autoral, de produzir conteúdo específico pra cá e levar o site como meu principal veículo. Vai ser um processo lento porque ele requer uma baita organização em vários aspectos, mas o primeiro passo é esse novo site, que ainda tem uma série de coisinhas pra resolver e ajustes para serem feitos, além de outras novidades que prefiro ir apresentando com o passar do tempo.
O Trabalho Sujo é um trabalho em andamento e pode assumir outros formatos em encarnações futuras e por mais que ele seja um projeto individual, ele não funciona sozinho. Essa mudança estética e organizacional de agora, por exemplo, só aconteceu graças ao nobre auxílio dos mestres Jairo e Cauê: Jairo foi editor de arte do Estadão na época em que eu estava no Link e sempre que podíamos fazíamos páginas juntos; é dele esse logo Ralph Steadman que marca o site em diferentes plataformas; Cauê eu conheço das internas da internet como um dos caras que mais manjam de WordPress que eu conheço; é ele quem me ajudou na migração e adaptação de um tema inteiro para esse site que você está vendo agora.
E claro, você, leitor. Conheci algum dos meus melhores amigos desta forma: lendo textos deles e delas ou elas e eles lendo meus textos, pois esse contato por escrito é mais superficial que do o contato por rádio ou por vídeo, mas provoca uma intimidade e aproximação que conecta cabeças. Estou no fundo escrevendo como uma longa terapia em fluxo de consciência, organizando ideias e teorias em textos sobre produtos de cultura pop pra que consiga exprimir melhor o que está acontecendo ao nosso redor. Essa conexão, que antes só acontecia no papel, agora pode acompanhar o leitor em qualquer situação. E acho que essa é a graça disso que estamos fazendo aqui – seja nesse início de renascença dos blogs (o que é o Medium senão isso?), nas redes sociais ou nos aplicativos em que adicionamos uns aos outros – e que me faz crer que possa ser a saída pra essa profissão que a maioria lamenta. Falta paixão e sobra estatística, eu quero mais o jornalismo-arte.
Vamo pra festa?
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