Dá pra botar fé nesse serviço de streaming do Jay-Z?
Expliquei lá no meu blog do UOL porque eu acho que esse novo serviço de streaming capitaneado pelo Jay-Z – o Tidal – está fadado a dar errado: http://matias.blogosfera.uol.com.br/2015/04/01/por-que-o-servico-de-streaming-de-jay-z-nao-vai-dar-certo/
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A semana começou com o anúncio de mais um serviço de streaming de música. O Tidal, gerido pelo rapper Jay-Z, se destaca dos concorrentes ao apresentar seu elenco estelar: Daft Punk, Madonna, Beyoncé, Calvin Harris, Arcade Fire, Nicki Minaj, Jack White, Rihanna, Usher, Chris Martin e Kanye West são alguns dos nobres do mondo pop atual a endossar e participar da nova empresa.
O discurso do press-release é que o novo serviço é “uma plataforma controlada por artistas para reestabelecer o valor à música”. A cantora Alicia Keys falou em nome do grupo: “Queremos criar uma experiência e um serviço melhores para fãs e artistas. Nossa missão vai além do comércio e da tecnologia.” A diferença entre o Tidal e outros serviços atuais que já atuam nesse mercado – Spotify, Deexer, Rdio, Pandora e Napster, são seus principais nomes – é que ele não conta com versão gratuita e é necessário pagar pelo menos 10 dólares por mês para se ter acesso a conteúdos exclusivos dos artistas que Jay-Z, há tempos mais executivo do que rapper, conseguiu convencer a endossar seu novo projeto.
Nas entrelinhas do anúncio vem a mensagem de que os atuais serviços de streaming não remuneram bem os artistas, repassando centésimos de centavos por canções. Esta polêmica foi transformada em notícia quando a atual rainha da música pop Taylor Swift retirou todo seu catálogo do Spotify (o serviço de streaming mais popular do mundo atualmente) para priorizar as vendas físicas de seu ótimo álbum 1989, lançado no final do ano passado. A manobra obrigou os fãs da cantora comprar seus CDs fazendo o álbum atingir a certificação de disco de platina (um milhão de unidades vendidas) – a única concedida em 2014.
E que estas empresa de tecnologia, que inevitavelmente comprarão os mais bem sucedidos, estão mais interessadas em tráfego de público do que com qualidade – um discurso subliminar tendencioso que acaba amaciando para os detentores dos fonogramas e, em alguns casos, dos direitos autorais: as próprias gravadoras. Não lembro de ter visto nenhuma gravadora reclamando de qualquer serviço de streaming.
Afinal, elas não tem nem porque reclamar: estes serviços garantem um belo dinheiro para estas empresas que negociam execuções públicas. E se há algo de errado, deve estar na elaboração do contrato – e não depois de ambas partes terem assinado.
O Tidal até oferece um período de teste gratuito e já anunciou os conteúdos exclusivos que estão disponíveis para assinantes: um filme do Daft Punk, uma apresentação na TV do Arcade Fire e playlists assinadas por Beyoncé, Jay-Z, Deadmau5, Coldplay e Jack White. E se você pagar mensalidades de 20 dólares em vez de 10, você ainda recebe todos esses conteúdos em altíssima definição.
20 dólares por mês para ouvir algumas músicas exclusivas com fone de ouvido de celular? Hmmm, acho que isso não vai dar certo…
Boi de piranha
Nossos hábitos culturais têm mudado drasticamente na mesma medida em que a internet torna-se mais onipresente e invasiva em todas as atividades de nosso dia a dia e a música tem o importante papel de apontar os novos rumos, devido a uma série de fatores: você consegue ouvir música fazendo qualquer outra coisa, é muito raro alguém não gostar de música (na mesma proporção que não gosta de outras atividades culturais) e, tecnologicamente, ela é mais leve e fácil de ser transmitida. Estes fatores fizeram a música funcionar como boi de piranha para uma série de transformações que começaram a ocorrer em nossas vidas à medida em que a banda larga começou a se espalhar pelo planeta, no começo do século.
A principal tendência no mercado de música atual são os serviços de streaming de áudio. São aplicativos, redes sociais ou um misto de ambos que permitem que se tenha acesso a entre 20 e 40 milhões de canções tocadas continuamente enquanto houver conexão com a internet. Marcas que ensinam novos ouvintes a fazer listas de músicas para ouvir mais tarde, a experimentar novos artistas recomendados a partir do seu gosto musical e ouvir música enquanto estiver acompanhado por seu celular – o que hoje em dia é o equivalente a dizer “sempre”. Estes serviços em sua grande maioria são gratuitos e oferecem obstáculos para a audição em forma de anúncios ou pela limitação de recursos do sistema. Ao pagar uma mensalidade de menos de R$ 20, o assinante não ouve mais propaganda e tem acesso ilimitado às trocentas milhões de músicas oferecidas em catálogo, como se este número pudesse ser ouvido por qualquer ser humano em uma única vida.
É um formato que radicaliza o que o hábito de baixar música havia começado. A era do download deixou as importantes obras e informações que emolduravam os discos (capa, contracapa, encarte, letras, ficha técnica, algum texto sobre o disco) como acessórios descartáveis, o importante era baixar as músicas, ponto final. A era do streaming leva esse processo ainda mais ao extremo ao transformar o momento de fruição de uma obra musical em um ato contínuo e a audição torna-se mera trilha sonora para qualquer outra atividade. Não é nem mais preciso procurar por música, ela chega – mas ao contrário da rádio, cada pessoa ouve e vive em sua própria bolha de músicas conhecidas.
Contudo não é apenas a mudança comportamental que vem sendo discutida aqui, mas a remuneração do artista, que parou de receber pelo conteúdo digital quando começou a farra do download gratuito. Agora, principalmente graças aos novos serviços de streaming, o desafio de reverter essa lógica vem sendo cumprido, quando estes serviços oferecem conteúdos mais fáceis de ser acessados – mesmo gratuitamente – do que serem pirateados.
A entrada de Jay-Z neste jogo com o Tidal não é só parte dessa tendência de aplicativos de áudio. Ela acompanha a irreversibilidade do digital, que, em relatório do ano passado da associação dos produtores de disco dos EUA (a RIAA, na sigla original), ultrapassou pela primeira vez as vendas físicas em faturamento. Foram 32% de discos vendidos contra 37% de downloads e 27% em streaming. Além disso, há a curva ascendente destes serviços desde 2011 (quando tinham 1,8 milhões de assinantes) até o ano passado (com 7,7 milhões).
Mas há outro fator importante para o lançamento da Tidal que foi a transformação do produtor de rap Dr. Dre em magnata da música digital quando sua empresa de headphones, a Beats by Dre, foi comprada pela Apple no ano passado por quase US$ 3 bilhões de dólares. A empresa do produtor do grupo NWA, que lançou nomes como Snoop Dogg, Eminem e 50 Cent, estava começando a rascunhar seu próprio serviço de streaming quando foi comprada pela empresa fundada por Steve Jobs.
Apostaria que Jay-Z está entrando nesse jogo para consolidar o nome de sua empresa (que ele comprou há apenas dois meses) para vendê-la lá na frente, reacendendo a infame rusga entre o rap da costa oeste (Dr. Dre é da região de Los Angeles) e da costa leste (Jay-Z é da região de Nova York) dos EUA agora no campo do big business.
Mas do outro lado do ringue temos um produtor bilionário que já está associado com a Apple…
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