30 anos de Neuromancer, por William Gibson

, por Alexandre Matias

E por falar na Aleph, a editora está lançando uma edição comemorativa do marco zero do cyberpunk, o Neuromancer de William Gibson, primeira obra de ficção científica a vislumbrar o futuro com a presença da internet. Um dos atrativos dessa nova versão é uma introdução escrita pelo próprio Gibson para o aniversário de 30 anos do livro, lançado em 1984, que reproduzo abaixo:

neuromancer30

“Fico muito feliz que a edição de 30 anos de Neuromancer esteja sendo publicada no Brasil no século 21. Em 1984, o ‘Brasil no século 21’ era tema de ficção científica. Em 2014, o Brasil é um país que pulsa pleno de futuro, o futuro do verdadeiro século 21.

A história de Neuromancer se passa principalmente nas semirruínas do que ainda chamamos de nações “desenvolvidas”, porque essas eram as nações que eu conhecia suficientemente bem para que pudesse, a partir delas, lançar minhas extrapolações. Nações como o Brasil e a Índia eram cartas fora do baralho para mim, mas esses países são verdadeiros curingas do mundo hoje, ricos em possibilidades, muitas das quais, pelo que temos visto, ainda permanecem completamente imprevisíveis. Em breve, as maiores cidades do mundo não estarão nas nações outrora “desenvolvidas”.

O Brasil, em Neuromancer (ou o “além-mar” em Neuromancer, já que o país praticamente não está lá) queria sugerir algo assim: outro mundo, um lugar inteiramente distinto, onde a tecnologia pode ter se desenvolvido de uma forma diferente. Essa perspectiva continua nas duas sequências do livro e em minha obra posterior. Os personagens não visitam o Brasil, mas coisas interessantes emergem de lá, vindas a partir de um conjunto completamente diferente de possibilidades.

O fato de que leitores do século 21, vivendo em nações como o Brasil, ainda estejam dispostos a ler um romance de ficção científica anterior ao telefone celular e em que aparelhos de fax ainda estão presentes, me encanta. Para mim, Neuromancer nunca foi sobre “como o futuro seria”, mas sobre o que fazemos, como espécie, com as ideias que temos a respeito do futuro. É um romance sobre como a tecnologia nos modifica, ou fracassa em suas tentativas de nos modificar, geralmente de maneiras que os desenvolvedores dessa tecnologia sequer são capazes de antecipar.

O futuro imaginado em Neuromancer é um ato de improviso, um acidente complexo, pós-heroico, pós-mitológico. É justamente aí, eu acho, que o livro ainda funciona, apesar de sua tecnologia inevitavelmente obsoleta. E é por isso, eu acho, que nosso verdadeiro futuro pertence especialmente a lugares como o Brasil, lugares onde se trabalha necessária e concretamente com o improviso, com o complexamente acidental, todos os dias.

Em um novo mundo, talvez, meu estranho velho livro se torne um livro novo. Contexto é tudo. E eu invejo o de vocês.

–William Gibson
Vancouver, 25 de julho de 2014

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