Os 50 melhores discos de 2008: 23) Little Joy

Com a possibilidade de estourar da noite pro dia se tornando cada vez mais regra do que exceção no jogo da música pop atual, vão-se aos poucos indo embora os tempos em que artistas podiam calibrar técnica, carisma e suas próprias músicas longe das multidões e das pressões do sucesso. Só por isso já seria suficiente para comemorar a existência do Little Joy, formado quando Rodrigo Amarante e Fabrízio Moretti deixam suas bandas principais de lado para tocarem em botecos de beira de estrada nos EUA e em eventos indies de médio porte no Brasil. Longe dos holofotes, podem tocar e compor sem stress nem cobranças, curtindo seu sonho de fazer parte de uma espécie de Velvet Underground californiano, uma parceria entre Lulu Santos clássico e Jack Johnson, tão metido à cabeça quanto bicho-grilo e assim compõem um conjunto de canções que ganha justamente pelo desprendimento e descontração, como uma banda new wave de férias na Jamaica. Porém, por mais que eles tentem fugir de seus ambientes originais, Little Joy soa essencialmente como se a latidindade de PUC do Rio do Los Hermanos (um elemento mais Amarante do que Camelo) contagiasse os hits mais Funhouse/Casa da Matriz dos Strokes. Um disco sem vergonha de assumir que rock e pop podem ser a mesma coisa sem que isso não necessariamente aponte para a adolescência ou para a caixa registradora. Nos shows no Brasil, não tocaram “Eat at Home”, do segundo disco solo de Paul McCartney, Ram, parente das mesmas condições de temperatura, umidade e pressão do Little Joy. Mas o recado parece dado – e aos poucos vamos separamos quem é o Paul e quem é o John nessa brincadeira…

23) Little Joy

Little Joy – “Keep Me in My Mind

As 50 melhores músicas de 2008: 23) Snoop Dogg – "Sensual Seduction"

O que acontece quando um dos gangstas da velha guarda resolve dar seu pitaco nessa conversa de revival dos anos 80? Pois Daft Punk e Chromeo bebem da mesma fonte de vocoders, sintetizadores e suíngue quadrado que o próprio gangsta reinventa há vinte anos – e que foi justamente o ponto de atrito entre aquele novo rap e a soul music dos anos 90, dando origem a esse cenário R&B de Beyoncés, John Legends e Chris Browns. Por isso quando Snoop Dogg surge no horizonte, antes de perguntar-se se aquilo tudo é fumaça branca ou gelo seco, preste atenção. Preguiçoso e cantando (rá!), o velho Snoop espreguiça-se em uma rede de cordas sintetizadas, deixando seu vocal modular-se pelo Autotune tendo como espelho mais a dupla Roger & Zapp do que Cher (chupa, Kanye West!). Fora o clipe, retrô no talo, que também é – fácil, fácil – um dos melhores do ano passado.


23) Snoop Dogg – “Sensual Seduction

Os 50 melhores discos de 2008: 24) Júpiter Maçã – Uma Tarde na Fruteira

Gravado no começo da década e lançado originalmente em 2006 pela gravadora espanhola Elefant, o quarto disco de Júpiter Maçã finalmente foi lançado em seu próprio país – e como os três anteriores, é uma viagem. Depois de derreter-se na psicodelia sessentista (A Sétima Efervescência), no lounge de brechó pra turista (Plastic Soda) e no futurismo cabeça (Hiss-Civilization), dessa vez a trip do velho Júpiter é rumo ao início dos anos 70, de Beatles solo, folk sentimental, cinema marginal paulistano e pós-tropicalismo. E por mais que a paisagem ecoe seus dois primeiros discos, Uma Tarde na Fruteira é uma coleção de canções maduras e sentimentais, em que o cinismo pop art e o ruído do rock’n’roll surgem em momentos específicos (o primeiro na “Marcinha Psicótica do Doutor Stu”, o segundo na garageira “Síndrome de Pânico”). O resto é domado pela consciência de Basso em construir um cenário sonoro adulto e moderno – o interlúdio instrumental de “Little Raver” ecoa Pet Sounds e Sgt. Pepper’s ao mesmo tempo, “O Retirante” alinha Sérgio Mendes e a bossa nova política do Teatro de Arena e do Opinião de Nara Leão, “Um Sorvete Pra Você” poderia estar no Panis et Circensis, “Violão de Aço” clona, em partes diferentes, Walter Franco e Bob Dylan e “A Menina Super Brasil” requenta Marcos Valle e Mutantes via Stereolab. Isso quer dizer que Júpiter Maçã cresceu? Só ele pode dizer.

24) Júpiter Maçã – Uma Tarde na Fruteira

Júpiter Maçã– “A Marchinha Psicótica do Doutor Stu

As 50 melhores músicas de 2008: 24) MGMT – "Kids"

Se o MGMT pode ser encarado como o filho improvável do LCD Soundsystem com os Flaming Lips, “Kids” é o desenho colorido que ele vem mostrar feliz. Construída ao redor de uma única frase musical, um mantra repetido num teclado cafona, ela é uma espécie de busca ao tempo perdido da infância através da dança, encontrando paralelos no quase autismo de qualquer criança no pequeno universo de seu quarto e a dança de olhos fechados na pista de dança indie. Synthpop disfarçado de psicodelia dance, “Kids” existe desde 2003 (quando o grupo ainda se chamava The Management) e funcionou como a base dos três pilares que tornaram a dupla nova-iorquina em um dos principais nomes de 2008.


MGMT – “Kids

Os 50 melhores discos de 2008: 25) Britney Spears – Circus

Aos poucos, Britney Spears vem construindo uma discografia considerável – e se afirmando como uma das artistas mais importantes da atualidade. Ponha as aspas no “artista” caso se o seu escárnio queira, mas mesmo que ela não mova um centímetro na concepção estética de sua carreira (o que é mentira), ela tem uma qualidade que funciona sob quaisquer condições, uma espécie de fotogenia tridimensional, que faz com que ela se encaixe em toda paisagem em que é posta, no topo do pop adolescente ou no fundo do poço sensacionalista. Enumere todas as cantoras da recente safra de “novas musas” desta década e só com muita boa vontade todas elas, juntas, podem chegar perto do impacto de Britney – talvez apenas Amy a peite de igual para igual, o que aumenta ainda mais a importância de Ms. Winehouse (dado que, primeiro, ela é uma artista no sentido tradicional do termo e, depois, poir possuir apenas dois discos na carreira e três anos de exposição), mas essa é outra história. Mesmo completamente produzida pelos powers-that-be de uma indústria que insiste em negar a própria derrocada, Britney reúne méritos que vão além de sua futilidade pessoal ou de sua voz de pato – e funciona seja produzida pelo N*E*R*D ou James Murphy, seja num filme adolescente qualquer, mostrando a calcinha, participando de um seriado ou regravando Bobby Brown. Circus, aclamado como “grande volta” por quem só foi ouvir “Gimme More” do começo de 2008, na verdade é a continuação de uma reinvenção iniciada em Blackout, em que Britney sacode a poeira de dois fantasmas do passado – o ícone teen e a biatch pé-na-jaca – e se reveste com a cobertura que provavelmente a acompanhará por toda a carreira, a de diva pop, equiparando-se a Madonna e Kylie Minogue, enquanto deixa para trás Rihannas, Aguilleras, Katy Perrys, Feists, Duffys e Adeles. O único porém é sua insistência em baladas horrorosas – e em Circus elas são “Out from Under” e “My Baby”. O resto, no entanto, desce redondíssimo e funciona em qualquer situação e não apenas na pista de dança.

25) Britney Spears – Circus

Britney Spears – “Circus

Os 50 melhores discos de 2008: 26) Beck – Modern Guilt

Se analisarmos as carreiras de Dangermouse e Beck ao mesmo tempo, é possível traçar diversos paralelos, de diferentes naturezas, sejam estéticas ou temáticas, que levariam ambos a, inevitavelmente, trabalharem juntos em algum momento de suas vidas. Mas ao mesmo tempo em que seus marcos e clássicos (“Loser”, o Gray Album, Odelay, “Feel Good Inc.” e “Dare”, The Information, “Crazy”, Midnite Vultures) tendem a rotulá-los como artesãos do pop descartável irônico, como se fossem artistas plásticos que descobriram o toque de Midas do hit e o usassem sempre tendendo à brincadeira e ao humor, existe um lado negro intrínseco aos dois. E longe do soul ensolarado e da psicodelia pseudo-californiana (olhando direito, o Beck é pai do MGMT) existe uma tristeza de blues que ambos não escondem em sua música, embora deixem propositalmente em segundo plano, como um segredo que só os amigos mais próximos podem saber. Sob este ponto de vista, toda carreira do produtor que é metade do Gnarls Barkley torna-se subitamente melancólica – da cor escolhida para sua estréia no showbusiness (o cinza do mashup de Beatles com Jay-Z) à dor recolhida tanto em “Crazy” quanto em qualquer outra música de sua dupla com Cee-lo – sem contar o tom noturno que sua produção deu a discos tão diferentes quanto à estréia do The Good, The Bad & The Queen quanto o último do Black Keys. Beck, por sua vez, destila sua tristeza quase sempre sozinho, caminhando por pântanos e praias à noite, ao violão (Mutations) ou ao piano (Sea Change), sempre sublinhando sua necessidade por mudança. Em Modern Guilt, o azul da paisagem é composto por samples e colagens sonoras, mas nunca com as cores quentes do humor infantil, dos trocadilhos espertinhos ou da nostalgia retrô. Não que isso queira dizer que o disco é horizontal e sem solavancos – pelo contrário, o groove e o ritmo tomam conta de quase todas as músicas, embora na maioria das vezes tenha uma função meramente contemplativa, de balançar a cabeça concordando enquanto se dirige. É isso: em vez de outro passeio apreciando a natureza, Beck se propõe à introspecção na estrada, pegando carona com motoristas que são diferentes personalidades de Dangermouse.

26) Beck – Modern Guilt

Beck – “Youthless

As 50 melhores músicas de 2008: 25) Does it Offend You Yeah? – "We Are Rockstars"

Qual é o melhor exemplo do maximalismo que toma conta da música de pista hoje em dia? Os riffs metal do Justice? O pânico desenfreado do Goose? O quase-rock do Digitalism? O brutalismo ritmico do MSTRFKRFT? Embora surja em diferentes praias (as bandas listadas vêm da França, Bélgica, Alemanha e Canadá), a música que talvez melhor sintetize essa tendência, que começou a desenrolar a partir do raivoso Robot Rock do Daft Punk, seja o hit do quarteto inglês Does it Offend You Yeah?, que, no meio de bordoadas sintetizadas, sirenes, efeitos, vocoders, cowbell e levada de rock ainda resume, bem ou mal, o que anda acontecendo com a música em tempos de redes sociais:

You’re all rock stars now in a network town
theres no place to go,
to be on your own
making friends and foes
watch the network grow,

Will you find a time
when you’re not online
standing all alone,

Where’s your real friends now?
you have let them down
you’re a download pal.

Yeah.

25) Does it Offend You Yeah? – “We Are Rockstars

As 50 melhores músicas de 2008: 26) Empire of the Sun – "Walking on a Dream"

Um novo redesenho na geopolítica da música pop vem lentamente valorizando a canção tradicional – e ele vem, improvavelmente, da mesma música eletrônica que ajudou a demolir o formato introdução-estrofe-refrão-estrofe-refrão-instrumental-refrão-fim. E à medida em que duas cenas tradicionalmente coadjuvantes à história da música pop, a França e a Austrália, vão se movendo para o centro do palco principal graças às suas recentes safras de dance music, juntos trazem na bagagem o apreço pela canção perfeitinha, com começo, meio e fim. Os sabores utilizados para esse resgate, no entanto, passam longe do pop clássico dos anos 60, preferindo buscar, como base, o power pop dos anos 70 e o pop sintético dos 80. É essa melodia que faz bandas tão diferentes entre si soarem como uma cena – o que une, na França, Daft Punk, Air, Phoenix, Justice, Yelle e Stardust e, na Austrália, Cut Copy, Van She, Midnight Juggernauts, Ladyhawke e Presets. A dupla Empire of the Sun, formada por integrantes de outras bandas australianas (Luke Steele, líder do Sleepy Jackson, e Nick Littlemore, que toca no Pnau e no Teenager), batizou seu disco de estréia com o nome de sua melhor canção, que resume rapidamente o tipo de resgate que essa cena vem provocando. E à medida em que Sydney e Paris se aproximam, ecos desta nova canção aos poucos surgem em diferentes partes do planeta, seja na Nova York do MGMT e do Yeasayer ou na Inglaterra que viu sugir o Friendly Fires e o Late to the Pier.

26) Empire of the Sun – “Walking on a Dream

Os 50 melhores discos de 2008: 27) Burro Morto – Varadouro

O quarteto paraibano Burro Morto pode ser encarado como mais uma das bandas a engrossar o coro da cena instrumental que cada dia se torna mais forte à medida em que a primeira década do século termina. Mas há pouco pós-rock e noise na equação do grupo, aproximando-o muito mais de um cânone que, apesar de não ser propriamente nordestino, tem raízes fortes naquela região. É uma geração cuja criatividade foi desperta e liberada pela Nação Zumbi ainda com Chico Science e que encontra ecos no Instituto, no Cidadão Instigado, no dub de Lucas Santtana ou na psicodelia do Guizado. O som é um híbrido de gêneros setentões afeitos á jam session, como o funk, o jazz-funk e o jazz-rock, mas temperado com psicodelia africana, timbres elétricos, dub e efeitos hipnóticos. Em quatro músicas, eles mostram que não estão pra brincadeira.

27) Burro Morto – Varadouro

Burro Morto – “Navalha Cega

As 50 melhores músicas de 2008: 27) Hercules & Love Affair – "Blind"

A percussão começa levinha, devagar, e em menos de dez segundos, o baixo e os efeitos nos jogam em um trecho dos anos 70 em que a disco music ainda não tinha sido efetivada como gênero musical e caminhava à espreita por inferninhos nova-iorquinos que nunca imaginariam que aquele som poderia atingir um público massivo. Mas o aspecto retrô de “Blind” começa a se desfazer assim que Anthony começa a cantar – com seu timbre operístico e tom sóbrio avançam anos à frente, ultrapassando tanto o techno de Detroit quanto a house de Chicago, descambando em samples de metais que se misturam e pulsam à medida em que chegamos aos “feeling…” cantandos no refrão. Com melodia discreta, letra indie e produção precisa, A faixa resume a tensão de 2008 sem cair apenas na melancolia pessimista ou no desespero vazio característicos do ano. Uma canção introspectiva construída sobre uma base igualmente militar e funky, “Blind” é um clássico instantâneo.

27) Hercules & Love Affair – “Blind