20 anos do Link Estadão e a minha parte neste quinhão

, por Alexandre Matias

Coube ao Bruno Romani, atual editor do Link Estadão, a tarefa de celebrar o aniversário de vinte anos do antigo caderno do centenário jornal paulistano dedicado à tecnologia e ele convidou alguns ex-editores para lembrar do tempo em que cada um de nós tomou conta da publicação. Liderei esta equipe entre 2007 e 2012, primeiro como editor-assistente e depois, dois anos após minha contratação, como editor e aproveitei para lembrar de um período que funcionou como uma era de ouro da cultura digital e também como uma forma de trazer a cobertura de tecnologia do jornalismo brasileiro para o século 21. Além de mim, a antologia ainda reunia textos do Camilo Rocha, da Claudia Tozetto e do Bruno Capelas, todos ex-editores da seção.

Leia meu texto abaixo:

A era de ouro da cultura digital

Quando o Link surgiu, comemorei uma bem-vinda mudança no jornalismo que cobria tecnologia no Brasil. Dois anos antes havia editado uma revista chamada Play que tentava fugir dos vícios desta cobertura no País, ainda estava presa nos anos 80 como se a internet não tivesse mudado tudo a partir da década seguinte. Os veículos ainda se referiam à área como “informática”, as matérias comparavam detalhes técnicos de equipamentos e acessórios e os jogos eletrônicos eram comemorados por tentarem ser realistas – e não simplesmente divertidos ou desafiadores.

A mudança proposta pelo Link era a de colocar as pessoas, o comportamento e a cultura dentro daquela cobertura fria sobre máquinas. As mudanças na tecnologia prenunciavam a participação cada vez mais ativa das pessoas comuns (e não apenas dos nerds) e o jornalismo brasileiro não parecia acompanhar aquela transformação, salvo algumas publicações independentes pioneiras. Ao colocar o foco nas pessoas e não nos aparelhos e mudar seu nome para Link, o antigo caderno de informática do Estadão entrava no século 21. Por isso, quando fui chamado para ser editor-assistente do caderno no mesmo 2007 que viu o iPhone ser lançado, aproveitei a oportunidade com gosto. Sugeri adotarmos o rótulo “cultura digital” como uma forma de deixar ainda mais clara nossa abordagem.

À frente do Link entre 2007 e 2012, não apenas pude perceber como a tecnologia estava transformando ainda mais a vida das pessoas como poderia abraçar estas transformações para dentro do jornalismo. E assim unifiquei as equipes que escreviam para o site e para a versão impressa do jornal em uma só, quebrando uma barreira que existia em todo o jornalismo industrial até então, quando o impresso olhava a internet com desdém e usava a rede como lugar para colocar as sobras das grandes reportagens.

Também adotamos as redes sociais como uma forma de estar presente online e seguir uma conversa com os leitores. Primeiro o Twitter, depois o Facebook e finalmente o Instagram: as contas do Link foram criadas logo que as redes se popularizaram no Brasil, fazendo o próprio Estadão – e, em seguida, toda a concorrência – estar presente nessas mesmas redes.

A própria cobertura do caderno ia além do que era esperado e aos poucos pegávamos pautas que outras editorias não acompanhavam. A cobertura do Marco Civil da internet ou do fato dos deputados e senadores do Brasil terem contas no Twitter não estava no caderno de Política, e sim no Link. O mesmo acontecia em relação a bitcoin, dinheiro eletrônico e e-commerce, que deveriam estar em economia, mas eram abordados pelo Link. O Caderno 2 não acompanhava como a música, o cinema e a TV conversavam com a internet, o Link sim.

Era a era de ouro da cultura digital. Cobrimos a chegada dos smartphones e a popularização dos tablets, a ascensão das redes sociais e os videogames em dispositivos portáteis, o surgimento da economia dos aplicativos e como fóruns online alimentavam radicais e crimes de ódio, a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street. Publicamos ensaios sobre o estado de vigilância constante na rede e como os governos autoritários bloqueavam a internet para controlar seus cidadãos. Entrevistamos Mark Zuckerberg, estivemos nos SXSW e discutimos o impacto da morte de Steve Jobs. Cobrimos a tão esperada inclusão digital (quem se lembra do programa OLPC?) e a popularização da internet pelos celulares. A morte do blog, o surgimento dos YouTubers, a pirataria digital e o início da era do streaming. Memes e vídeos de bichos online! Tínhamos um blog chamado LOL para o primeiro e outro chamado Nhom para o segundo.

Mas a principal lembrança, mais emotiva, foram as pessoas que convivi neste período. Com carta branca da direção do jornal, consegui montar uma equipe de ouro que está entre os melhores times da qual fiz parte, especialmente o núcleo em que uni Heloísa Lupinacci, Tatiana Dias, o saudoso Fred Leal e Ana Freitas. Dezenas de outros passaram por essa equipe e quase todos podemos dizer que vivemos uma era especial tanto da ascensão da tecnologia quanto do jornalismo brasileiro. Senti que o trabalho havia sido concluído quando as outras editorias do jornal começaram a falar sobre internet e quando o caderno especializado da concorrência finalmente deixou de se chamar “informática” e começou a ser publicado às segundas-feiras, como o Link. Tempo bom, sdds.

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