Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.
Se você ainda não ouviu o disco novo da Beyoncé, Cowboy Carter, lançado nessa sexta-feira, faça isso agora, pois ela conseguiu de novo. O segundo ato de uma trilogia iniciada há dois anos, é um disco ainda mais complexo e cheio de camadas que o primeiro volume, Renaissance, e a quantidade de referências, citações, vinhetas, vocais maravilhosos e sentimentos suscitados ergue seu trono ainda mais rumo ao topo do pop desta década – e deste século. É uma obra que mantém o sarrafo altíssimo durante toda sua duração, seja na inacreditável e fidedigna versão para “Blackbird” dos Beatles às aparições de Willie Nelson, Linda Martell, Chuck Berry e Dolly Parton, passando pela montanha russa de emoções de faixas épicas como “Ya Ya” (citando Beach Boys e Nancy Sinatra), a sequência “Riiverdance”/”II Hands II Heaven”/”Tyrant” e “Sweet ★ Honey ★ Buckin'”, os duetos de chorar ao lado de Miley Cyrus (“II Most Wanted”) e Post Malone (“Levii’s Jeans”), as irresistíveis “Bodyguard” (meu hit até agora, que entrou no meu set desde os primeiros segundos), “Spaghettii” e “Just for Fun” e sua versão maravilhosa do hino “Jolene”. Com seu olhar implacável, ar de rádio em seus melhores momentos e sentimentos à flor da pele, ela estabelece um parâmetro não apenas para 2024 quanto para o resto dos anos 20, cobrando artistas de todos os gêneros a desafios tanto artísticos quanto comerciais mais ousados. Disco do ano em pleno março, Cowboy Carter é nota 10 e é pouco provável que algum artista chegue perto – e olha que estou me referindo a um ano que, esperamos, ainda veremos discos de Dua Lipa, Taylor Swift, Rihanna, Charlie XCX, Lorde e Billie Eillish, o que não é pouca coisa. E, como ela mesma disse, não é um disco country, é um disco dela.
Na quarta aula do curso que eu e Pérola estamos ministrando no Sesc Avenida Paulista, Bibliografia da Música Brasileira, avançamos no tempo rumo aos anos 60 e 70 para dissecar a sigla MPB a partir de obras de Zuza Homem de Mello, Nelson Motta, Santuza Cambraia Naves e Ana Maria Bahiana que estabeleceram que aquela segunda geração de bossa novistas seria o futuro da música brasileira (a partir de uma sigla criada inspirada numa expressão forjada no título de um livro de Oneyda Alvarenga e adotada pela referência ao partido de oposição da ditadura militar). Na próxima quinta-feira chegaremos ao fim do século 20 com a ascensão do rock brasileiro dos anos 80, a invenção do pagode, a história da axé music, a popularização do sertanejo e os primeiros passos do rap e do funk no Brasil.
#bibliografiadamusicabrasileira #sescavenidapaulista
Eis mais uma faixa do disco-tributo que a gravadora Light in the Attic está fazendo em homenagem ao nosso herói Lou Reed. Depois de chocar a todos colocando ninguém menos que Keith Richards para regravar “I’m Waiting for the Man”, agora é a vez de Angel Olsen cair de boca em outro clássico do Velvet Underground. Ela gravou sua versão de “I Can’t Stand It” ao lado do compadre Maxim Ludwig, com quem dividiu uma turnê pelos EUA no ano passado. A música tornou-se pública no lançamento do primeiro e desconhecido disco solo de Lou Reed, lançado em 1972, mas já fazia parte do repertório do Velvet Underground desde 1968, embora só tenha sido lançada oficialmente pela banda na coletânea póstuma VU, de 1985. A versão é pesada e leva o rock do grupo para um lugar quase caricatural, flertando com o glam fantasmagórico do filme Rocky Horror Picture Show sem precisar cair na caricatura. Coisa fina.
E por falar em Talking Heads, saiu mais uma faixa do tributo que a distribuidora A24 está promovendo em homenagem ao mitológico Stop Making Sense, filme-show do grupo nova-iorquino que foi remasterizado para ressurgir nas telas de cinema. E depois do Paramore regravando “Burning Down the House” e do aceno que Miley Cyrus fez para “Psycho Killer” num show privado (talvez indicando que toque a faixa neste disco-tributo), agora foi a vez de Lorde mostrar sua participação em Everyone’s Getting Involved: A Tribute to Talking Heads’ Stop Making Sense. E a cantora neozelandesa levou “Take Me to the River”, versão que o grupo liderado por David Byrne fez para um clássico do reverendo Al Green, para um território ao mesmo tempo pop e minimalista, como lhe convém, mas sem perder o apelo soul das duas encarnações anteriores da canção.
O lançamento de Cowboy Carter, segundo volume de trilogia que Beyoncé iniciou em 2021, acontece nessa sexta-feira e junto com a expectativa aumentam as especulações – e confirmações. Ao divulgar a lista das faixas em seu Instagram nesta quarta-feira, a maestra parece ter confirmado dois boatos que já estavam no ar: que regravaria um clássico perene de Dolly Parton, e uma música dos Beatles. “Jolene” e “Blackbird” surgem entre as músicas anunciadas, bem como a referência à Linda Martell, primeira artista negra de sucesso comercial na música country, na faixa chamada “The Linda Martell Show”. O anúncio também confirma a participação de Willie Nelson em uma das faixas (justamente uma chamada “Smoke”) e o nome de Dolly Parton (ou melhor, “Dolly P”) está no meio das faixas do novo disco.
Outro boato que esquentou foi que o disco teria a participação de Rihanna, uma vez que esta divulgou esta semana fotos que fez para a edição chinesa da Vogue em que aparece vestida de caubói – e sabemos que o tema do disco novo de Beyoncé é música country. Ainda há o boato que Miley Cyrus dividiria os vocais com Beyoncé em “Blackbird”. Não bastasse tudo isso, surgiram dois outdoors anunciando o novo álbum em… Salvador, onde ela esteve no final do ano passado. Essa mulher vai mudar as regras do jogo… de novo!
Quem foi ao Centro da Terra nesta terça-feira pode contar com uma pequena grande revelação chamada Manda Conti. Desfilando suas canções maravilhosas ao lado de um time de músicos que só as engrandecia, ela apresentou o espetáculo Um Segredo Meu em que justamente torna público seus talentos – que não são poucos. Além da presença tímida mas convincente de palco, ela rege uma banda montada especialmente para esta noite que realça suas qualidades, desde a sutileza inebriante de suas canções às letras que atravessam o coração sem dó, passando por seu violão sutil e envolvente e, seu trunfo, a voz mágica. O timbre delicado mantém-se firme mesmo quando toca apenas com seu instrumento, mas quando é envolta pelo piano de José Pedro (que dividiu vocais com ela em três canções, inclusive uma sua), o violão de Luis Cunha (que a ajudou a conceber a apresentação), as texturas de Batata Boy e o baixo melódico de Helena Cruz ela sobe para outros planos e transforma o mundano em sublime com poucos gestos, notas e sílabas, alcançando uma força que a tira da promessa e lhe verte em fato. Além do repertório maravilhoso (que passou por uma peneira que deixou dezenas – sério – de canções de fora), a aniversariante do dia ainda passeou por “Night Visions” de Suzanne Vega, “Dreaming of You”, da saudosa Selena, e “Meu Mundo e Nada Mais”, de Guilherme Arantes, que não só caíram como uma luva no repertório como mostraram que essa geração nascida neste século ainda vai dar muito trabalho. Lindo demais, não vejo a hora de ver o próximo.
#mandacontinocentrodaterra #mandaconti #centrodaterra2024 #trabalhosujo2024shows 48
Tenho um segredo pra te contar: o último espetáculo musical de março no Centro da Terra é um evento único, como o desabrochar de uma orquídea ou uma aurora boreal. A cantora e compositora Manda Conti, que vara madrugadas fazendo lives solitárias com seu violão, mostra suas próprias composições na apresentação Um Segredo Meu, na segunda vez que sobe a um palco. Dona de uma voz delicada e firme ao mesmo tempo, ele reuniu um time de músicos de respeito – Luis Cunha ao violão e direção musical, Batata Boy nos teclados, José Pedro no piano e vocais e Helena Cruz no baixo – para mostrar suas canções em público, muitas delas pela primeira vez, colocando-se em algum lugar entre a doçura das melodias de Stevie Wonder, Suzanne Vega e Carole King e uma instrumentação que soa jazzy, folk e ambient ao mesmo tempo. O espetáculo começa pontualmente às 20h e ainda há ingressos à venda neste link.
#mandacontinocentrodaterra #mandaconti #centrodaterra2024
Na última noite da temporada Aprendendo a Rezar, Luiza Brina reuniu duas sacerdotisas da canção como ela para transformar um conjunto de orações em uma missa à música. Ao lado de Iara Rennó e Josyara, ela passou por músicas de seu terceiro álbum Prece, que será lançado neste mês de abril, e por rogos escritos pelas duas convidadas, harmonizando cordas e vocais de três mulheres fortes de nossa música de forma sublime. A noite começou e terminou com a mesma canção, a prece “Oração 18”, que ela apresentou na terceira noite da temporada no Centro da Terra, e que será lançada ainda esta semana. Um desfecho divino.
#luizabrinanocentrodaterra #luizabrina #centrodaterra2024 #trabalhosujo2024shows 47
E a Charlie XCX que, às vésperas de lançar seu disco novo, anunciou nesta segunda-feira que incluiu São Paulo como uma das sete cidades que visitará no próximo mês de junho? Brat, que ela vem antecipando nas redes sociais como seu disco de boate, ainda não tem data de lançamento anunciada, mas é bem provável que ela já passe por Barcelona, Londres, Nova York, Chicago, Los Angeles, Cidade do México e São Paulo no fim do semestre desfilando músicas de um disco recém-lançado. A diferença entre as apresentações é que na Espanha e nos EUA ela fará shows, enquanto na Inglaterra, no México e no Brasil apenas discotecará em noites que ela se refere como “partygirl”. A apresentação na metrópole brasileira acontecerá no clube Zig, na Barra Funda, e o link para comprar os ingressos é esse (se é que ainda há algum). Não me empolguei com o primeiro single do disco, “Von Dutch”, muito aquém da média de seu disco anterior, o irresistível Crash, mas sempre é bom ver a noite paulistana sendo reconhecida em escala mundial. O que não falta é gringo falando que a vida noturna daqui tem dado de goleada nas tradicionais capitais da noite mundial.
Dos maiores nomes da música preta brasileira (e ela mesma responsável por criar esse rótulo, no disco ao vivo de mesmo nome lançado há vinte anos), Sandra Sá arrasou como de praxe na segunda de suas duas apresentações que fez neste fim de semana no Sesc Vila Mariana. Acompanhada de uma banda enxuta e pesada (Junior Macedo na guitarra, Misael Castro no baixo, Maikon Pereira na batera e Bebeto Sorriso na percussão), ela atravessou pouco mais de uma hora de show reunindo um rosário de hits invejável. Ela abriu a noite pesando seu “Soul de Verão” (sua versão para a música-tema do filme Fama, de 1980) passou por “Demônio Colorido” e depois emendou baladas irresistíveis como a imortal “Retratos e Canções”, “Sozinho”, “Solidão” e “Certas Coisas” (de Lulu Santos, que a levou às lágrimas). Depois passeou por sucessos alheios ao citar dois exemplos de música preta brasileira que transcendem a cor da pele ao emendar uma música “de um neguinho do interior das Alagoas” (“Flor de Lis” de Djavan) com outra de “um branquelo playba, carica e universitário” (“Madalena” de Ivan Lins), puxando depois um Sérgio Sampaio (a clássica “Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua”), um Cazuza (“Blues da Piedade”, em que fez referência à prisão dos mandantes do assassinato de Marielle Franco, “já começou…”) e uma Marina Lima (“Uma Noite e Meia” calibrada no samba). Na segunda metade da noite, voltou ao seu próprio repertório, passando pela gigante “Bye Bye Tristeza” (definida por ela mesma como “uma oração”, quando regeu o público dividindo-o em dois corais durante o refrão), “Dançando com a Vida”, “Boralá” e encerrando com seu primeiro grande sucesso, a irresistível “Olhos Coloridos”. E como essa mulher segue cantando pacas: além de rimar raps em várias músicas, também declamou poemas novos sobre velhas canções e soltou sua voz mostrando-a intacta em vários momentos. Se tiver a oportunidade de assistir a um show da mestra, não titubeie: Sandra Sá – que tirou mais uma vez o “de” do meio de seu nome artístico – ao vivo faz jus ao seu legado e não deixa ninguém parado, seja fazendo dançar ou rolar lágrimas. Uma divindade da música que nos move com seus pulmões.
#sandrasa #sesvilamariana #trabalhosujo2024shows 46