Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Acertando as medidas

Com apenas cinco shows (todos bons) e poucas horas de duração, o Índigo Festival, que aconteceu neste domingo no Parque Ibirapuera, conseguiu acertar as medidas para que um festival de música não se tornasse nem sinônimo de maratona nem de perrengue. Claro que tem coisas pra se corrigir (uma atração brasileira? O som poderia estar mais alto e a duração poderia ser ainda menor), mas para uma primeira edição, o festival fez bonito, ainda mais encerrando em grande estilo com o Weeze. Escrevi sobre o festival em mais uma colaboração para o Toca UOL.  

Desbravando o deserto

As paisagens musicais desenhadas pela música são entendidas de formas diferentes por cada um dos ouvintes, mas é impressionante como o quarteto de rock tuaregue Etrain de L’Air consegue fazer todo o público sintonizar numa mesma frequência, que desenha horizontes desérticos e caravanas em movimento ao mesmo tempo em que põe todos para dançar. O fato de subirem ao palco vestidos com suas túnicas, taguelmustes e lithams inevitavelmente aciona o inconsciente coletivo que nos leva ao norte da África, em que povos nômades cruzam o Saara em longas e pacientes travessias. Mas a junção de duas guitarras, baixo elétrico e bateria inevitavelmente nos leva para o território do rock, o que ajuda a traçar conexões tão distintas entre rockabilly, surf music e heavy metal buscando origens que podem estar mais perto do Equador do que se pensa. O quarteto do Níger foi uma das atrações do último fim de semana do Sesc Jazz e manteve o alto nível que pode ter tornar esta a melhor edição do festival. E não teve dificuldades de envolver o público em uma dança que, apesar de movida a guitarradas, era essencialmente impulsionada pelo ritmo e pelo groove dos quatro instrumentos atacando em uníssono. Um longo transe elétrico de mais de uma hora e meia transformou a comedoria do Sesc Pompeia em um bailão intenso, suor pingando do teto e o público completamente entregue ao grupo. Delírio.

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Toma mais duas do Magdalena Bay

Agora já são seis músicas que a dupla Magdalena Bay lança em sequência. Com as recém-lançadas “Unoriginal” e “Black-Eyed Susan Climb” a dupla norte-americana autora de um dos melhores discos do ano passado completa meia dúzia de canções que começou com “Second Sleep” e “Star Eyes”, lançadas há um mês, e seguiu-se com “Human Happens” e “Paint Me a Picture”. E mesmo que as canções tenham pontos em comum, ainda é indefinido o rumo para onde eles estão indo. “Unoriginal” é a mais simples de toda a leva de novas músicas e caminha como um pop rock sem muita inspiração, ao contrário de todas as outras. Já “Black-Eyed Susan Climb” segue o padrão de “Second Sleep” e “Paint Me a Picture”, ajudando a criar uma atmosfera de estranheza pop que parece conduzir estas novas músicas a um novo projeto. Tecnicamente, as seis músicas poderiam ser já um EP ou o começo de um novo álbum, mais do que faixas-extras de uma edição deluxe de Imaginal Disk. Mas eles não chegam a comentar nada… Só aumentam a curiosidade e enriquecem a própria mitologia…

Ouça abaixo:  

10 anos de Livre de Dissolução dos Sonhos

“Eu nunca achei que a gente ia viver de música quando a gente fez essas músicas, eu nunca achei que ia ter esse tanto de gente pra ouvir e cantar essas músicas desse jeito, quando a gente lançou esse disco a gente nem tocava ele inteiro”, comemorou Dinho no final da comemoração de dez anos do segundo disco dos Boogarins, Manual ou Guia Livre de Dissolução dos Sonhos, que o grupo fez nesta quinta-feira no Cine Joia. Com a casa lotada e o público cantando todas as músicas (inclusive os solos de guitarra), o grupo deslizou seu disco mais pop com a química musical e a excelência sonora que atingiram picos que os goianos nunca poderiam imaginar quando o gravaram originalmente, como o guitarrista bem salientou ao final da última música, “Auchma”, esticando sempre os miolos instrumentais para lugares improváveis. E para não ficar preso no passado, o grupo sequer parou para um bis e já emendou com uma sequência de músicas do disco novo Bacuri (“Amor de Indie”, “Chrystian & Ralf”, “Chuva dos Olhos” e a faixa-título) e encerrou a viagem com uma versão delírio para o hit “Foi Mal”. E os cabelos do Fefel estavam ótimos.

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A benção, Tom Zé!

“Ninguém me retira do Bom Retiro!”, Tom Zé começou o show que deu nesta quinta-feira celebrando o bairro em que a unidade do Sesc onde se apresentou fica instalada. Para receber a quase nonagenária lenda viva da música brasileira – o baiano acaba de completar 89 anos! -, o Sesc Bom Retiro preferiu fazer o show fora de seu teatro fechando a área livre da unidade para comportar mais gente, num espetáculo cujos ingressos esgotaram-se rapidamente. E a alegria contagiante do protagonista da noite começou quase instantaneamente, mesmo que tenha preferido ir de forma comedida, chamando um novo músico a cada nova música no início da apresentação. Mesmo em apresentações mais intimistas (quando dividiu “A Boca da Cabeça” apenas com o guitarrista Daniel Maia e depois quando fez “Curiosidade” com Andréia Dias, que está cantando na banda do mestre). Quando toda banda subiu no palco, pode passear, sem regras pré-estabelecidas, diferentes fases de sua carreira, emendando “Nave Maria” com “Jimmy Renda-se”, “Um ‘Oh!’ e Um ‘Ah!’” com “Jingle do Disco”, sua “2001” composta com Rita Lee com “Tô” e “Hein?” com “Politicar”. O público, boa parte formada por fãs de Tom, não fez cerimônia e fez coro em várias músicas, deixando Tom Zé à vontade para colocar todo para cantar. E dançar! Tão empolgante quanto vê-lo sorrindo enquanto canta é notar como Tom Zé mexe com seu corpo continuamente, sempre entregando-o à música, fazendo a própria dança parte de sua sonoridade. A idade pareceu pedir para encurtar o show antes da hora, mas Tom Zé voltou animado para um bis não apenas como uma, mas duas músicas, quando emendou a envolvente “Xique-Xique” com a implacável “Parque Industrial”, uma música que parece fazer ainda mais sentido em 2025 do que no ano em que foi lançada, 1968. A benção, Tom Zé!

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Florence + The Machine ♥ Lady Gaga e Steve Miller Band

O grupo Florence + The Machine acabou de lançar um novo disco (Everybody Screams) e para divulgá-lo gravou uma sessão acústica de músicas do novo álbum na rádio Siriusxm – mas não só. E para fugir do roteiro apontando para o clima de dia das bruxas, eles voltaram para sua “Which Witch?” que já tem dez anos de idade e a emendaram com duas “Abracadabra” – a primeira, claro, uma versão para o primeiro single do disco que Lady Gaga lançou esse ano, mas também acenando para o clássico hino soft rock da Stevie Miller Band. Ficou jóia.

Assista abaixo:  

E essa festa de dois anos do Matiz?

Festa não, festival. A comemoração dos dois anos do bar Matiz, que já entrou no mapa da noite paulistana com DJ sets e shows inacreditáveis, acontecerá em outro endereço, também no centro de São Paulo, e reunirá, no mesmo dia 6 de dezembro, nada menos que shows de Nubya Garcia, Azymuth e o encontro inédito de Criolo, Amaro Freitas e Dino D’Santiago, além de discotecagens encabeçadas pelo DJ Nyack. Os ingressos já estão à venda e mesmo sem saber onde vai ser realizado, acho que vai ser imperdível.

Oklou no Tiny Desk

E por falar em Tiny Desk, a versão original do programa está passando por uma ótima fase, especialmente quando artistas voltados para a pista de dança propõem novas leituras para seus trabalhos uma vez na famigerada mesinha. Primeiro foi PinkPantheress se desafiando ao cantar pela primeira vez sem autotune (mandando benzaço), depois veio o próprio Tame Impala relendo canções de seu recém-lançado Deadbeat com vários violões. Agora é a vez da francesa Oklou, dona de um dos melhores discos do ano (o soberbo Choke Enough), e mãe de um bebê de cinco meses, que voou de Paris para Nova York para fazer uma versão acústica de seu disco eletrônico, pulando de um instrumento para o outro (primeiro marimba, depois violão, piano e flauta) sempre acompanhada de um coral que conheceu no dia da gravação e que ajuda a trazer o que os timbres sintéticos originais de suas canções para um outro universo musical. Ela ainda aproveitou para soltar uma música inédita, “What’s Good”, que estará na versão deluxe do disco, que ela anunciou há um mês (e ainda terá sua colaboração com FKA Twigs, “Viscus”, e as músicas “The Fishsong Unplugged” e “Dance 2”). Ouça tudo abaixo:

 

A vez da Céu

O Tiny Desk Brasil dessa semana é com a Céu e aos poucos o prumo da versão brasileira do programa (depois de João Gomes, Metá Metá com Negro Leo, finalizando com Péricles) parece que vai se definindo – ou será que eles ainda podem dar mais um cavalo de pau em nossas expectativas?

Assista abaixo:  

Beck ♥ Daniel Johnston

Além de Lana Del Rey (que saudou o anfitrião com uma versão arrebatadora para “The Needle and the Damage Done”), quem também participou do concerto beneficente organizado por Neil Young – que agora chama-se Harvest Moon – foi o bom e velho Beck, que fez um set ensolarado com seus estandartes folk (“The Golden Age”, “Tropicalia”, “Dead Melodies”, “Lost Cause” e sua já clássica versão para “Everybody’s Got to Learn Sometimes”), ainda passeou por versões acústica para seus hits dance (“Where It’s At” e “Loser”) e encerrou sua apresentação reverenciando Daniel Johnston, com sua versão de uma das músicas mais bonitas do mundo, “True Love Will Find You in the End”.

Assista abaixo: