Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Quando os dois shows do Mogwai no Brasil foram anunciados, eu tive as mesmas certezas – de que o show de São Paulo ia ser frio e distante e o do Rio ia ser quente e intenso. Mas isso não tem nada a ver com público e sim com os ambientes. O primeiro show da banda escocesa este ano no Brasil aconteceu no Parque do Ibirapuera domingo passado. A céu aberto e dentro de um festival não precisa ser muito sagaz para perceber que qualquer show de rock perde o impacto sonoro quando feito ao ar livre e por mais que a organização do evento tivesse a boa vontade de colocar o grupo para tocar no horário do crepúsculo (um por do sol foda seria um bom contraponto para a falta de força sônica), mas mesmo um espetacular ocaso brasiliense (o mais bonito do Brasil, desculpe) não compensaria o ataque brutal aos sentidos que é o espetáculo do grupo (quem foi no Sesc Vila Mariana no começo do século sabe bem do que eu estou falando). E sem contar que o show carioca, além de acontecer num lugar fechado, era no Circo Voador – um dos melhores lugares pra se ver um show de médio porte no Brasil. Passada a bonita e esforçada apresentação paulistana do grupo, saí caçando companhia para me acompanhar num bate-volta pela Dutra e, uma vez que rolou (deu certo, Mariah!), pudemos comprovar a suspeita no anúncio na prática. Além do grupo ter feito um show mais longo (com quarenta minutos a mais e contemplando músicas de vários discos, ao contrário do show de São Paulo, que ficou em só nos quatro álbuns mais recentes e teve apenas uma música do século passado), veio com uma avalanche de som que só quem estava lá sabe da bordoada física, que inevitavelmente embargou os olhos de todos com litros de emoção. O público reduzido também manteve o alto nível da apresentação, que quase sempre contrapunha o volume gigantesco com silêncios delicados, passagens em que ninguém na plateia dava um pio – ao contrário de São Paulo, em que, além dos pássaros e aviões do som ambiente, ainda contava com um público conversador, que esperava o Bloc Party ou o Weezer). Foi o melhor show do Mogwai que já vi na vida e sem dúvida um dos melhores do ano. Nota 10.
#mogwai #circovoador #trabalhosujo2025shows 251

Que dúvida, né? A desculpa oficial, que foi dada pelo Instagram do Espaço Unimed (em vez das redes sociais do próprio cantor) e fala em “extremo esgotamento do artista”. Lamento pelos fãs, mas essa história já era prevista – e não sei como a paciência de vocês com esse cara ainda não teve um extremo esgotamento do tipo. Eu mesmo desisti nos anos 90…

Vocês estão acompanhando a ascensão do Geese? A banda nova-iorquina existe há quase dez anos, mas só após o lançamento do primeiro disco solo de seu vocalista Cameron Winter, Heavy Metal, no fim do ano passado, começou a chamar atenção da mídia alternativa nos EUA, que começou a perceber que a banda vinha conquistando um público cada vez maior com músicas longas e difíceis, um vocalista de timbre estranho, um baterista animal e apresentações fulminantes. Seu quarto e recém-lançado disco, Get Killed, está dividindo opiniões entre as pessoas que não acham que eles sejam tudo isso, gente que tem certeza que eles são os próximos Strokes e outros que acham que a banda é uma armação. O fato é que eles são a primeira banda da geração Z a ganhar destaque nos Estados Unidos e isso conversa com um movimento que está acontecendo no mundo todo – novos adolescentes que, um pouco antes ou durante a pandemia, descobriram o prazer de tocar juntos sem que isso fosse pensado como uma carreira formal ou uma forma de ganhar dinheiro – e a energia desse encontro atrai cada vez mais gente da mesma faixa etária encantada com esse superpoder que é ter uma banda de rock que parece ter caído no esquecimento do mercado e da mídia. É o mesmo movimento que tenho registrado aqui no Brasil no Inferninho Trabalho Sujo, uma das inúmeras iniciativas – entre selos, casas noturnas, festas, sites e fanzines – que tentam acompanhar essa novidade que a mídia convencional literalmente ignora. O disco novo não me bateu tanto quanto o solo de Cameron, mas o caso do Geese não é só questão de gosto: eles estão cada vez mais populares e o hype tem gerado notícias constantes sobre o grupo, que acaba de gravar uma improvável versão para o único hit dos New Radicals, “You Get What You Give”, na rádio BBC. Dá uma sacada…

E vazou o disco da Rosalía. Esta quarta-feira está marcada como o dia em que Lux, o quinto disco da cantora espanhola, seria revelado em audições fechadas em 18 cidades pelo mundo, depois que a própria Rosalía compareceu nas duas primeiras, dia 29 de outubro na Cidade do México e dia 1º de novembro em Nova York. Vazamentos de discos eram comuns no início do século, quando a pirataria digital comia solta na internet, fazendo fãs conhecerem discos novos de seus artistas favoritos com dias de antecedência – às vezes, horas! A era das plataformas de streaming – que tornou o download obsoleto para pelo menos duas gerações -, reduziu esses vazamentos, mas a especulação em torno do novo disco de Rosalía reacendeu a velha arte pirata e de repente temos um disco que pode ser ouvido antes da hora (mas também, depois que descobriram que a senha da rede de segurança do Louvre era… “louvre” – cês viram isso? -, não dá pra confiar em sigilo online). Com o lançamento marcado para a sexta, o vazamento inevitavelmente aumentará ainda mais o hype ao redor deste novo disco, que já ia ser amplificado pelas audições da quarta. Fãs mais alvoroçados já estão procurando versões completas do álbum (algumas faixas estão em falta dependendo de onde você conseguir ouvir o disco) e estão dissecando as inúmeras referências do novo disco em fóruns e redes sociais pela internet. Mas isso não é um problema para Rosalía. Porque Lux é tudo isso mesmo. Equilibra-se entre a dramaticidade esparramada (por vezes ampliada pela epicidade da música clássica – e os instrumentos de orquestra surgem todos ao mesmo tempo ou às vezes isolados, como o emocionado piano que abre o álbum) e a introspecção melancólica, criando uma região emocional ao mesmo tempo familiar e alienígena. Rosalía está cantando mais do que nunca e a produção reforça a desenvoltura de sua voz, seja cantando solitária baixinho ou rasgando-se entre centenas de timbres de instrumentos acústicos. Em raros momentos (nos timbres eletrônicos de “Porcelana” e “Jeanne” ou no vocal irônico de “Novia Robot”) ela nos lembra que pertence ao nosso século, mas entre valsas e baladas, chansons e rumbas ela prefere focar musicalmente o disco entre o século 19 e o século 20 e o faz com canções lindíssimas, especialmente na segunda metade, quando enfileira a romântica “Sauvignon Blanc”, a tocante “La Jugular”, o lindíssimo fado “Memória” (e seu dueto com Carminho é de chorar) e a exuberante “Magnólias”, que encerra o disco como poucas música conseguem fazer. Rosalía se superou de novo – e vai abalar a paisagem musical do mercado pop de forma com a mesma força e grandiosidade que Bad Bunny fez no início do ano, mas com muito mais coração, sensibilidade e paixão. Prepare-se para chorar. Muito. Discaço.

O Radiohead deu início à sua volta aos palcos com o primeiro dos quatro shows que fará em Madri, na Espanha, nesta terça-feira – e o grupo inglês não economizou no repertório, dando uma bela geral em diferentes fases de seu repertório com ênfase em seus maiores clássicos – OK Computer, In Rainbows e Kid A -, além de erguer Hail to the Thief a essa estatura, tocando a mesma quantidade de músicas (seis) que seu disco de 1997 (tanto In Rainbows quanto Kid A vem com apenas quatro cada). Embora não trouxesse nenhuma grande surpresa (tirando “Sit Down, Stand Up”, que não tocavam há mais de vinte anos, e “Subterranean Homesick Alien”, pela primeira vez desde 2017), o grupo fez bonito ao escolher “Let Down”, favorita da geração Z, para começar o show. E algo me diz que eles vão mudar radicalmente o repertório a cada apresentação. Já o segundo show do Radiohead em Madri – o segundo show de sua volta aos palcos desde 2018 – seguiu o padrão que parecia desenhar desde o primeiro, com o grupo desfilando canções de diferentes fases de sua carreira, como se a turnê fosse uma versão viva de uma coletânea de greatest hits que o grupo nunca quis lançar: afinal, a caixa com os seis primeiros álbuns e a coletânea The Best of Radiohead, ambas de 2008, foram lançadas pela antiga gravadora do grupo à sua revelia, para pegar carona no sucesso do primeiro disco independente do grupo, o “pague o que quiser” In Rainbows. Em vez de uma tentativa versão definitiva do que seria o melhor do grupo transforma-se num espetáculo em movimento, desta vez com mais músicas do In Rainbows do que os outros discos e o segundo álbum, The Bends, vem com bem mais músicas que o show anterior, que só trouxe uma desse disco – e agora empata com o número de músicas do OK Computer, ambos com quatro. Dos dois primeiros o grupo pinçou “Jigsaw Falling Into Place” e do segundo “(Nice Dream)”, músicas que não tocavam ao vivo desde 2009. A banda ainda comemorou o aniversário do guitarrista Jonny Greenwood no palco. Nas duas últimas noites, dias 7 e 8, as novidades foram a volta de “Just” para o repertório ao vivo na sexta-feira, e a estreia de “Optimistic” no show de sábado. A próxima etapa da turnê são quatro shows na Itália a partir da próxima sexta. Felizmente alguns heróis filmaram o show na íntegra – e dá pra assistir aí embaixo:

30 anos de glória não são 30 dias por isso começo a comemorar o retorno de Saturno do Trabalho Sujo, que acontece neste mês de novembro, cutucando em um passado não muito recente ao mesmo tempo em que aponto para o futuro. Nessa sexta-feira, reacendo a chama da clássica Noites Trabalho Sujo, festa com a qual atravessei a década passada ao lado dos meus compadres Danilo Cabral e Luiz Pattoli, num endereço novo, levando-a pela primeira vez aos domínios do novo clássico Mamãe Bar, na Barra Funda. E como Luiz não poderá vir por motivos de Kim Kardashian (quem conhece sabe), eu e Danilo chamamos a Bella e a Zyom, também conhecidas como a dupla Soxy, para ajudar nessa comemoração. Elas tocam a partir das 23h e logo depois nós voltamos no tempo com aquela discotecagem do nível acabação feliz madrugada adentro, conectando nosso delírio que passou por lugares clássicos em nossa memória, como o Alberta, a Trackers, o Apartamento BYOB, entre outras casas, ao novíssimo Mamãe, que fica na rua Lopes Chaves, 391, na Barra Funda. A casa abre às 22h, o show começa às 23h e a discotecagem da meia-noite em diante. Vamo lá?

Impressionante – e com o dobro da duração habitual – a versão turbinada que o trio Tranca fez para sua apresentação nesta terça-feira no Centro da Terra. Ao contrário da meia hora de intervenções que Juliano Gentile, Bernardo Pacheco e Juliana Perdigão improvisam entre si – Berna e Gentile nas guitarras, Juliana com seu clarinete -, os três tiveram o auxílio visual do coletivo MeioLAB, que montrou retroprojetores em frente ao palco e, de costas para o público, controlavam duas telas circulares que faziam diferentes objetos e texturas circularem junto com os loops e riffs repetidos pelos três – ou quatro, quando contaram com a participação de Murilo Kushi, que, tocando um sanshin, uma espécie de banjo de três cordas da ilha de Okinawa, no Japão, dava uma camada de estranheza ainda mais densa ao encontro dos três timbres originais, obrigando o público a decifrar aquele transe torto com os dois lados do cérebro ou simplesmente desligá-lo por inteiro durante por toda a apresentação.
#trancanocentrodaterra #tranca #centrodaterra #centrodaterra2025 #trabalhosujo2025shows 250

Nesta terça-feira temos o prazer de receber no palco do Centro da Terra o trio Tranca, formado pela clarinetista Juliana Perdigão e pelos guitarristas Bernardo Pacheco e Juliano Gentile, que, no espetáculo batizado de Trinta Tons de Tranca, convidou o grupo audiovisual MeioLAB e o músico Murilo Kushi, que pilota um instrumento japonês chamado sanshi, para uma noite de improviso livre. O espetáculo começa pontualmente às 20h e os ingressos estão à venda no site do Centro da Terra.
#trancanocentrodaterra #tranca #centrodaterra #centrodaterra2025

O Tiny Desk Brasil não tá pra brincadeira mesmo, hein? Mantém o sarrafo lá no alto trazendo o muso pra cantar um repertório de ouro: uma da Rita, “Yolanda”, uma dos Mutantes, aquela do Hyldon e “Sangue Latino”. Quem será o próximo?

No texto que escrevi pro UOL sobre a morte do Lô Borges, terminava comentando sobre como ele foi importante para toda uma geração de artistas brasileiros que surgiu neste século. É evidente a influência pop de Lô entre os jazzistas do Clube da Esquina, mesmo quando ele grava seu primeiro disco solo, com composições bem mais rebuscadas que as que forjou no disco clássico que compôs com Milton. É esse elemento simples e direto que permitiu que o disco alçasse vôos maiores do que qualquer outro disco do Milton e que fez a influência de Lô ser sentida pelas novas gerações, tão influenciadas pela MPB quanto pelo rock clássico. E isso não é de hoje, como dá pra ver por esse show que os Boogarins e O Terno fizeram juntos há uma década, no dia 27 de junho de 2015, no Auditório Ibirapuera, quando entrelaçaram repertórios próprios para encerrar com uma versão absurda para “Saídas e Bandeiras n° 2”, que veio no bis. A influência mineira seguiu firme nas duas bandas, como quando O Terno fez questão de frisar no disco que lançou no ano seguinte, Melhor do Que Parece, compondo uma canção batizada com o nome do estado do Clube, ou quando os Boogarins resolveram fazer um tributo àquela cena mineira num show inteirinho dedicado ao Clube da Esquina – não apenas ao disco, mas à atmosfera psicodélica daquela época e lugar, esparramada por vários outros discos. Escrevi sobre esse encontro quando fui convidado a participar do livro De Tudo Se Faz Canção – 50 anos do Clube da Esquina, organizado pela Chris Fuscaldo, em sua editora Garota FM. Abaixo, o vídeo que fiz desse momento e um trecho da minha colaboração no livro: