Juliana Perdigão pelas beiradas

, por Alexandre Matias

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Juliana Perdigão vem aos poucos construindo uma carreira sólida e interessante, longe dos holofotes, das lacrações e do hype. Desde seu primeiro trabalho (Álbum Desconhecido, de 2012) equilibra-se entre a música pop e a acadêmica, cercada de uma freguesia de compositores, músicos e amigos que inclui nomes como André Abujamra, Benjamim Taubkin, Zé Celso e Tulipa Ruiz. Neste processo, flertou com a poesia em seu disco mais recente, Ó, de 2016, quando musicou Haroldo de Campos. Foi a semente para seu mais novo disco, Folhuda, que ela lança nessa sexta-feira, e em que musica obras de poetas tão diferentes quanto os clássicos Oswald de Andrade, Paulo Leminski e Murilo Mendes e contemporâneos como Bruna Beber, Arnaldo Antunes, Angélica Freitas, Renato Negrão e Fabrício Corsaletti.

Folhuda foi produzido pelo maestro Thiago França, que lhe ajudou a construir o disco em si. “O disco veio de um convite feito pelo Thiago, que me chamou pra gente trabalhar junto, tendo ele como produtor. A partir desse convite surgiu o desejo de, pela primeira vez, fazer um disco só de músicas de minha autoria”, lembra num papo por email. “Eu já tinha feito algumas canções a partir de poemas, apresentei as que tinha para o Thiago, percebemos que já havia ali um corpo do que poderia vir a ser um disco, e desde então fui compondo outras. O processo de gravação já era bastante definidor de quais rumos deveríamos tomar, pois o disco seria gravado em apenas quatro dias. Foi daí que optamos por fazer um disco mais cru, um disco essencialmente de banda, tocado e gravado ao vivo.” Assim, “Música da Manivela” de Oswald de Andrade virou um reggae com versos como “Sente-se diante da vitrola e esqueça-se das das vicissitudes da vida”, “Mulher Depressa” de Angélica de Freitas encarna num punk rock e “Só o Sol” de Arnaldo Antunes surge como uma bossa nova.

Juliana Perdigao_Folhuda

“O processo com o Thiago foi muito massa porque a gente conversou bastante antes de gravar, desde o momento em que ele me fez o convite. No papo com ele fui amadurecendo as idéias. Durante as gravações ele esteve presente todo o tempo e tocou, fez arranjo, direcionou a parada mas deixando tudo bem livre, fluiu legal. E tem uma faixa, ‘Felino’, que gravamos só nós dois, ele no cavaco, eu no violão, que é uma faixa que curti bem o resultado e que pra mim é um retrato dessa parceria, o Thiago embarcando legal junto nas idéias”, conclui. Folhuda ainda conta com participações que incluem Ava Rocha, Lucas Santtana, Iara Rennó, Tulipa Ruiz, Arnaldo Antunes, sua banda Kurva – Chicão Montorfano tocando teclados, Moita na guitarra, Pedro Gongom na bateria e João Antunes no baixo – e o naipe de metais formado por Amílcar Martins, Filipe Nader, Allan Abbadia e o próprio Thiago, que ainda toca cavaquinho e percussão.

“De certa forma quem selecionou o disco foi minha estante, porque veio tudo dali, dos livros que tinha em casa”, ela continua. “Com alguns autores eu tenho uma conexão mais antiga, como o Lemininski, que li ainda adolescente, assim como o Arnaldo, figura presente no imaginário desde a infância, por conta do trabalho dele como músico, mas que também tive um contato com a obra poética dele há algum tempo. O Murilo Mendes, meu tio-bisavô, que não conheci, mas que sempre esteve ali, nos livros e nos casos da família. O Oswald veio um pouco depois, lá pelos meus 20 anos quando li Memórias Sentimentais de João Miramar, que me arrebatou total, e depois, no período em que estive no Teat(r)o Oficina, onde Oswald é uma espécie de babalaô daquele terreiro. E tem os poetas com os quais tenho proximidade pessoal, como no caso da Angélica Freitas, que é minha namorada, e o Renato Negrão, um broder das antigas. A partir do convívio com Angélica me aproximei um tanto mais do universo da poesia, principalmente de autores contemporâneos, como a Bruna Beber e o Fabrício Corsaletti, que também se tornaram meus parceiros em canções presentes no disco.”

O título do disco vem de sua faixa mais contagiante, o delicioso rock torto que sobre “Anhangabaú”, de Oswald de Andrade. “Gosto do som dessa palavra, da imagem que ela traz e do fato de ser um adjetivo, que pode também ser atribuído a mim, numa brincadeira em que incorporo esse imagem de algo farto, frondoso. E tem esse lance da folha de livro, página, já que todas as canções presentes no disco são poemas musicados que vieram dos livros”, conclui. O disco ainda não tem show de lançamento marcado, mas planeja lançá-lo ao vivo ainda em março deste ano.

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