Estranhamente familiar
Homegrown, o disco que Neil Young lançaria no inicio de 1975 mas preferiu engavetar para só lançar agora, começa com um solavanco brusco, como se fosse uma porta emperrada de uma casa de fazenda que não visitamos há décadas. Ela abre no primeiro empurrão, revelando um ambiente sonoro reconhecível, que vai sendo desenhado primeiro pelo baixo, violão e bateria, que são seguidos por uma guitarra pedal-steel que nos ajuda a nos acostumar com a escuridão. Quando o mestre canadense começa a cantar “Separate Ways” abrem-se as janelas e o sol finalmente pode entrar no disco, depois de anos. Os timbres dos instrumentos – a bateria delicada conduzida por ninguém menos que Levon Helm, a guitarra chorosa de Ben Keith, o baixo truculento e calado de Tim Drummond, o violão e a gaita de Young – pairam no ar como uma névoa de poeira, erguida do chão pela luz e pelo movimento. É o lugar que esperávamos encontrar, mas há algo diferente.
Engavetado pois lembrava do relacionamento que Young estava terminando na época (junto à atriz Carrie Snodgress), Homegrown perdeu-se com o tempo e algumas de suas canções apareceram em outros seus discos, mas seu lançamento nos leva àquele momento dos anos 70 em que o cantor e compositor canadense estava vivendo seu auge musical. O artesanato de suas canções segue intacto como se estivéssemos ouvindo as gravações de Harvest ou Tonight’s the Night, mas há uma sensação caseira e confortável que torna o novo velho disco mais despretensioso e tranquilo, mesmo com as presenças mágicas de nomes como Helm, a cantora Emmylou Harris e Robbie Robertson.
O disco apresenta uma coleção de canções que nos faz lembrar de um passado que mal lembramos, mas que é estranhamente familiar. É como revirar fotos de um casamento passado, encontrar pertences de um parente morto, anotações pessoais de outros anos. Há uma tristeza daquilo ter se perdido, mas ao mesmo tempo um calor ao lembrarmos de como era, algo que Neil traduz em três grupos distintos de canções: baladas melancólicas (“Separate Ways”, “Try” e “Mexico” abrem o disco com essa sensação, que volta ao final, com “Little Wing” e “Star Of Bethlehem”), canções do campo (“Love is a Rose”, “Kansas” e “White Line”), faixas country com algum sabor rock (a faixa-título, “We Don’t Smoke It No More” e “Vacancy”), apenas a falada “Florida” destoa destes grupos, mas acaba funcionando como uma longa e estranha introdução para “Kansas”.
Ao cancelar o lançamento de Homegrown, Neil Young decidiu tirar da gaveta o disco Tonight’s the Night, que havia gravado em 1973 mas não estava certo de lançá-lo por ser uma homenagem ao guitarrista Danny Whitten, que havia falecido há pouco. Ao adiar Homegrown indefinidamente, o canadense abriu espaço para o disco anterior, que logo que saiu foi consagrado como uma de suas obras-primas. O disco relançado este ano não tem a força e o sentimento profundo dos grandes clássicos de Neil, mas seu despojo e intimidade o tornam um belo retrato do artista longe das pressões que o atravessavam à época. Discaço.
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