Alan Moore é Lula

O bruxo Alan Moore escreveu uma extensa carta para os brasileiros explicando porque ele é a favor de Lula nesta eleição de 2022. Abaixo, a tradução que fiz para seu texto e a carta original, em inglês.

Caro Brasil,

Estamos gastando rapidamente nossas últimas chances de salvar o planeta e seus povos. Nosso mundo está mudando, mais rápido que jamais mudou e forçando-nos a adaptar mais rapidamente se iremos sobreviver. De uma sociedade caçadora-coletora à agricultura, da agricultura à indústria, da indústria ao que quer esteja tomando forma agora – esta nova condição para a qual não temos um nome ainda – a humanidade já se deparou com esses tipos de mudanças monumentais anteriormente, embora não com frequência. Estas transições não são causadas por forças políticas, mas pelos irrefreáveis movimentos da maré da história e da tecnologia, que é uma maré em que podemos guiar nossos veículos para nossa vantagem ou sermos naufragados por ela. A Terra está mudando, mudando pela necessidade de se tornar um lugar novo, e apenas nos resta mudar com ela ou então abrir mão para sempre da biosfera que nos sustenta. A maioria das pessoas, acredito, sabe disso em seus corações e pode sentir isso em seus estômagos.

E assim, ao longo dos últimos cinco anos e pouco, vimos através de todo o globo uma ressurreição feroz das ideias político-econômicas que exatamente nos levaram a essa situação obviamente desastrosa no princípio. A escancarada agressividade desse avanço da extrema-direita me parece tão à força, e ainda assim tão desconectada de qualquer realidade, que só pode ter nascida do desespero; o medo histérico sentido por aqueles que estão mais bem-posicionados nas estruturas de poder do velho mundo, e que sabem que o novo mundo pode, em última instância, não ter mais lugar para eles. Temendo suas próprias existências e pela existência de uma visão de mundo que os beneficia, eles entupiram o palco mundial nesta última meia-década com personagens de pantomima barulhentos, exagerados e grotescos, para os quais nenhum ato é tão corrupto ou desumano e nenhuma linha de argumentação é descaradamente absurda.

Desavergonhadamente monstruosos, eles têm perseguido minorias raciais e religiosas, ou seus povos originários, ou os pobres, ou as mulheres, ou pessoas de outras sexualidades, ou todos estes citados. Durante a pandemia ainda em andamento, eles colocaram seus posicionamentos políticos e suas doutrinas financeiras à frente da segurança de suas populações, presidindo centenas de milhares de mortes potencialmente desnecessárias; centenas de milhares de famílias e comunidades devastadas. Com suas nações em chamas ou inundadas ou em seca, eles insistiram que as mudanças climáticas eram um boato da esquerda para incomodar a indústria e rotularam ativistas ambientais e sociais como terroristas. Adotando o estilo circense-fascista do italiano Silvio Berlusconi, nós tivemos o perigoso teatro de insurreição de Donald Trump nos EUA, as desgraças arruinadoras de Boris Johnson e seus reservas no Reino (ainda) Unido. E, é claro, o Brasil tem Jair Bolsonaro.

Apesar de nós do Hemisfério Norte obviamente contribuirmos muito além da nossa cota de figuras políticas horrendas para a situação do mundo, não conheço ninguém com uma grama de consciência e compaixão que não se indigne com o que Bolsonaro, ao assumir o cargo na onda de Trump, fez com seu grande e lindo país, além do que ele continua a fazer com o nosso relativamente pequeno e ainda belo planeta. Assistimos com desespero enquanto, rezando pela mesmo hinário de sua inspiração norte-americana, Bolsonaro atacou os povos indígenas do Brasil, os seus homossexuais e os direitos de suas mulheres de fazer aborto de forma segura, alimentando um incontrolável incêndio de ódio como uma distração para suas agendas sociais e econômicas, enquanto ao mesmo tempo inundava sua cultura com armas. O vimos se gabar de seu jeito de lidar com a pandemia jorrando sua idiotice contra vacinas, e também observamos a expansão dos cemitérios improvisados; aquelas covas lado a lado no solo cinza com flores mortas e marcações de tinta trazendo gotas de cor.

Também vimos como ele respondeu à proposta de novas leis ambientais internacionais ao simplesmente aumentar a sua devastação suicida das florestas tropicais, asfixiando nossa atmosfera comum com a queima de florestas, desalojando ou matando pessoas que viveram nestas regiões por gerações, aparentemente em conluio ou fazendo vista grossa para o assassinato de jornalistas que investigavam a brutalidade dessa limpeza étnica. Uma respeitada revista científica britânica da qual sou assinante, New Scientist, recentemente descreveu as próximas eleições como potencialmente o ponto crítico sem volta na batalha de vida ou morte de nossa espécie contra a catástrofe climática que nós mesmos engenhamos. Dito de maneira simples, ou Jair Bolsonaro continua, lucrativamente, a satisfazer os interesses corporativos dos que o apoiam, ou nossos netos terão o que comer e respirar. É uma coisa ou outra.

Como anarquista, existem pouquíssimos líderes políticos que eu seria completamente capaz de tolerar, e ainda mais endossar, mas por tudo que soube e li a respeito, Luiz da Silva, Lula, parece ser um desses raros indivíduos. Suas políticas parecem ser justas, humanas e concretizáveis e, pelo que entendi, ele se comprometeu a reverter muitas das decisões desastrosas de Bolsonaro. Consertar o estrago destes últimos cinco anos certamente não será fácil nem barato, e da Silva poderá estar herdando um cenário político terrivelmente desfigurado. No mínimo, contudo, desta distância ele parece ser um candidato que reconhece que a humanidade está atravessando uma de suas pouco frequentes transformações sísmicas e percebe que precisamos mudar a forma como vivemos se quisermos continuar vivos. Ele me parece ser um político comprometido com o futuro, com seu trabalho honesto e com suas possibilidades justas e maravilhosas, e é melhor que a batida e devastadora agonia de morte de um passado insustentável.

A próxima eleição no Brasil se encontra equilibrada sobre o fio de uma navalha e, pelo que discuti acima, o mundo inteiro está à sua mercê. Se você alguma vez gostou de algum dos meus trabalhos ou sentiu alguma empatia pelas por suas tendências humanitárias, então, por favor, saia e vote por um futuro próprio para os seres humanos, por um mundo que seja mais que uma latrinas dourada para corporações e suas marionetes.

Vamos deixar as injustiças dos últimos cinco anos, ou talvez dos últimos cinco séculos, no passado.

Com amor e com confiança,
De seu amigo,

Alan Moore

Leia o original aqui.  

Videogame como se fosse sonho

Finalmente saiu mais uma tradução minha: no livro Política, desejos e videogame: The Playstation Dreamworld, que está sendo lançado pela Edições Sesc SP, o pesquisador inglês Alfie Bown desenvolve uma leitura psicoanalítica dos videogames partindo do pressuposto que os jogos eletrônicos se assemelham mais a sonhos do que a livros e filmes – e como isso mexe em nosso subconsciente. Mais informações sobre o livro no site da editora.

Faça da Liberdade uma Carreira

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Mais uma tradução com a minha assinatura, A Arte da Criatividade, do historiador de arte e consultor inglês Rod Judkins, lançado no Brasil pela editora Rocco, reúne histórias improváveis de personalidades do mundo da arte e da cultura que ajudam a driblar problemas da vida em geral. É um livro para ser lido de forma não-linear e tem capítulos com títulos como Seja Praticamente Inútil, Faça da Liberdade uma Carreira, Jogue-se em Você Mesmo, Se Não Estiver Quebrado Quebre, Seja uma Arma de Criação em Massa e Envelheça Sem Crescer, estrelando os Beatles, Frida Kahlo, Salvador Dali, Robert De Niro, Einstein, J.K. Rowling, James Joyce e Picasso. A foto que ilustra o post saiu do Instagram da editora.

A Vingança dos Analógicos

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Eis mais uma tradução de minha lavra, A Vingança dos Analógicos, que está saindo pela Editora Rocco. Seu autor, o jornalista canadense David Sax, traça paralelos entre a volta do vinil, os cadernos Moleskine, o resgate da película para filmes e fotografia e dos efeitos especiais sem computação gráfica, publicações impressas, a sala de aula, o comércio tradicional, os jogos de tabuleiro e outras manifestações aparentemente isoladas como parte de uma grande onda que busca alternativas à overdose digital que vivemos hoje. Um alívio para quem está de saco cheio dessa parafuso que gira em falso que se transformou nossa vida online. Mais informações aqui (a foto veio do Instagram da editora Rocco).

A pré-história do hip hop

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Saiu mais uma tradução que fiz com a minha mulher Mariana, a HQ Ghetto Brother, que fala sobre a guerra de gangues em Nova York e como ela deu origem ao hip hop – falei dela lá no blog no UOL.

Mais uma tradução de casal

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21 de outubro de 2015 marca a chegada de Marty McFly ao futuro e também o lançamento de outro livro que traduzi com minha esposa, Mariana: De Volta para o Futuro – We Don’t Need Roads – Os Bastidores da Trilogia, de Caseen Gaines, lançado no Brasil pela Darkside Books.

Para ouvir lendo a Kim Gordon

kim

A Rocco me pediu que eu fizesse uma playlist baseada no livro da Kim Gordon que traduzi com minha mulher e aproveitei pra falar deste processo de tradução em casal. A playlist tá lá no site da editora.

Uma tradução em casal

Lembro quando me ofereceram a tradução de Girl in a Band, da Kim Gordon, no início deste ano, e imediatamente pensei em fazer junto com a minha esposa, Mariana. Já havíamos traduzido dois livros juntos e ela estava começando a pegar gosto pela atividade, imaginei perfeitamente o entusiasmo dela ao saber que poderia traduzir o livro. Kim, como o Sonic Youth, é desses primeiríssimos gostos em comum de casal e fora os dois primeiros shows que a banda fez no Brasil (no festival Free Jazz no ano 2000 e no festival Claro que é Rock em 2006), quando ainda não nos conhecíamos, assistimos a vários outros shows da banda juntos.

O grupo tocou na nossa “festa de casamento” quando agendamos o matrimônio para Las Vegas – no meio do Grand Canyon, para ser mais exato, nos Estados Unidos, para coincidir com o festival de 21 anos da gravadora Matador (que ainda teve Spoon, Pavement, Jon Spencer Blues Explosion, Yo La Tengo, Superchunk, Belle & Sebastian, Guided by Voices e muitos outros) e também vimos o grupo executar ao vivo (ao lado do John Paul Jones do Led Zeppelin!) a trilha sonora de uma das últimas apresentações do mestre da dança moderna Merce Cunningham, no austero teatro da Brooklyn Academy of Music, no subúrbio hipster de Nova York, além de ver, debaixo de chuva, dois de seus outros shows no Brasil, no festival Planeta Terra em 2009 (tocando quase todo o repertório do clássico Daydream Nation) e no festival SWU em 2011.

Quase perdemos essa última apresentação, num misto de soberba e início de velhice. Um festival fora de São Paulo, em Itu, em que era preciso pegar a estrada e encarar estacionamento de terra num dia que as nuvens pairavam a poucos centímetros do olhar, prenunciando uma chuva braba. Fora que as outras atrações do festival não animavam nem um pouco o espírito idoso que nos cutucava, ainda jovem casal. Havíamos acabado de ver a banda no ano anterior, por isso desistimos. Paciência. Perderíamos aquele show.

Eis que uma fada surgiu do nada e o céu se abriu. De repente, não apenas tínhamos dois ingressos de cortesia como poderíamos ir até Campinas e pegar uma van da produção até o festival. Lia chamou Mariana e perguntou, como quem não quisesse nada, só procurando uma companhia para um show que havia conseguido ingressos. Ganhou uma carona e nossa eterna satisfação. Estacionamos no Royal Palm Plaza e fomos levados para um portão próximo ao palco que queríamos assistir, todos já de capa de chuva, que deixava de ameaçar para começar a molhar o público. Paramos em um lugar distante, mas que permitia ver o palco e lá ficamos.

Assim que o Sonic Youth chegou, parou de chover. A banda fez um show furioso, misturando hits de todas as épocas com músicas de seu disco mais recente. A energia da banda no palco era contagiante, embora a maior parte do público apenas estivesse esperando a próxima banda, pois o festival nada tinha a ver com o grupo. De longe viam-se focos de rodinhas entusiasmadas no meio de gente passeando ou conversando, que só olhava para o palco quando o grupo ia para as músicas da época em que o grupo tocava na MTV, como “Teen Age Riot”, “Sugar Kane”, “Drunken Butterfly” e “Mote”. Mas a banda não parecia estar se preocupando com isso e se entregava à microfonia, em mais um daqueles espetáculos entre o punk e o experimentalismo que eu e minha mulher já havíamos nos acostumados a assistir. Lembro da sensação de certeza de saber que todo show do Sonic Youth era bom, daquelas sensações que eu não precisava falar para saber que ela também sentia isso. O show terminou, a chuva voltou, pegamos a van de volta pro hotel em Campinas e de lá de volta pra São Paulo, em uma hora estávamos sãos e salvos em casa longe da chuva, e no caminho viemos falando sobre como era bom ter uma certeza há tanto tempo quanto os shows do Sonic Youth.

Por isso a nossa surpresa – e de todo mundo que conhecia a banda, quando a separação de Kim e Thurston foi anunciada e a banda dissolvida. Uma certeza sólida que se desfazia no gesto mais mundano possível, Thurston estava tendo um caso e Kim havia descoberto. O senso de fofoca invadiu o universo indie e além das indiretas nas entrevistas ou nas entrelinhas de seus discos solo, muito se especulou, e descobriu, sobre quem era a amante do guitarrista, numa tentativa ridícula de vilanizá-la como aconteceu com Yoko Ono no fim dos Beatles. Parecia pior por não ser só uma banda, mas um casal que havia se tornado um parâmetro de como envelhecer juntos, e cool, para mais de uma geração.

Traduzir a autobiografia de Kim nos deu a oportunidade de mergulhar na vida da autora que também era nosso ídolo, não apenas vertendo o texto para o nosso idioma, mas buscando as referências da época para explicar todo o contexto histórico. Traduzir com a internet ao lado tem essa facilidade que permite que você visite lugares citados pelo Google Maps, compare modelos de instrumentos nos sites oficiais dos próprios fabricantes, além de poder ver clipes, shows, vídeos, filmes e músicas citados, inclusive os que não são do autor. Aliando isso ao fato da minha coleção de Sonic Youth ter tanto discos oficiais quanto piratas, além das caixas que o grupo relançou para seus discos clássicos, traduzir Girl in a Band, que preferíamos ter chamado de Garota na Banda, sem o artigo – foi um mergulho na Califórnia dos anos 70, na Nova York dos anos 80 e no mundo do rock alternativo das duas décadas passadas, quase sempre ouvindo Sonic Youth.

Por isso não foi muito complicado escolher as músicas para uma playlist em homenagem ao livro, que me convidaram para fazer. Uma lista de músicas que prefiro começar com um vídeo, já que o primeiro capítulo do livro narra aquele show no SWU em 2011 como o momento em que a ficha havia caído sobre seu casamento. E rever os vídeos daquele show me fez perceber que todo o entusiasmo da banda era masculino, Thurston estava sozinho em um canto do palco, o resto da banda (Steve Shelley na bateria, Lee Ranaldo e o ex-Pavement Mark Ibold nas guitarras) no outro canto e Kim, no meio, completamente alheia a tudo aquilo, como descreve no livro. Fui procurar um vídeo em que aparecia o tal globo azul que ela citava e, quando percebi, estava vendo um vídeo que eu mesmo havia filmado, sem perceber que registrava um momento bem específico: o fim do casamento de Kim e Thurston e do Sonic Youth. É com ele que eu abro essa playlist.

Kim Gordon, versão brasileira

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Dos prazeres da vida a dois: traduzir um livro juntos. Eu e Mariana, minha mulher, estamos passando por essa experiência há um tempo (já estamos indo para o quinto livro traduzido juntos), discutindo sentido de expressões, termos técnicos e que adjetivo funciona melhor para o que o autor quis dizer. Essa atuação ganhou um coração a mais quando nos juntamos na leitura e tradução de casal de um dos livros de uma de nossas “ídolas” – Kim Gordon, que lançou seu livro de memórias Girl in a Band no início do ano e que tivemos a honra e o prazer de traduzi-lo, chega às livrarias nacionais com nossa assinatura de tradução pela editora Rocco. Um livraço tanto para fãs do Sonic Youth, para quem tem Kim como ideal feminino quanto para quem se interessa por feminismo e cultura alternativa e independente como um todo.

Também escrevi a orelha do livro, que reproduzo abaixo:

Com o baixo (e depois guitarra) em punho, Kim Gordon era um dos alicerces que sustentou por trinta anos o Sonic Youth, uma das principais instituições do rock independente mundial e da vanguarda pop global de nossa época. Fundada em 1981 ao lado do então namorado (e depois marido e pai de sua filha) Thurston Moore e do amigo Lee Ranaldo, a banda passou três décadas experimentando os limites entre o punk rock e a música erudita contemporânea, enquanto explorava outras áreas, da televisão ao cinema, da moda às artes plásticas, a dança e a publicidade, reunindo fãs enquanto gravavam discos, faziam clipes e shows por todo o mundo.

O Sonic Youth terminou ao mesmo tempo em que o o casamento de Kim. A ficha sobre o fim das duas relações caiu para a artista quando o grupo se apresentou pela quarta vez no Brasil, no final de 2011. Em frente a uma multidão de desconhecidos e entre bandas pop que nada tinham a ver com o histórico de sua banda, ela percebeu que um ciclo havia se encerrado e, como numa sessão de terapia, começa sua festejada autobiografia Uma Garota em Uma Banda pelo fim, ao acrescentar o ponto final a uma banda que começou tocando em moquifos mal frequentados de Nova York no meio de uma tempestade em festival pop no interior de um país em outro hemisfério.

Um ciclo improvável para uma garota da Califórnia filha de intelectuais que liam beatniks e ouviam free jazz, e que cresceu vendo os últimos anos do sonho hippie se transformar num pesadelo imaginado por Charles Manson. Convivendo com uma família formada por um pai recluso e erudito, uma mãe criativa mas frustrada e um irmão com sérios problemas, ela descreve sua tortuosa trajetória para tornar-se uma artista, que a levou de uma costa à outra dos Estados Unidos e de escolas de arte para a boemia pós-punk da capital cultural do ocidente no fim do século.

E durante este percurso, ela percebe o duro fardo de ser uma mulher em uma sociedade machista em todas suas esferas. Uma Garota em Uma Banda não é apenas a biografia de um ícone indie nem uma sessão de descarrego emocional: é um libelo feminista em forma de relato, que mostra que mesmo que tenhamos evoluído muito nestes termos, ainda temos muito caminho pela frente. E Kim Gordon sabe o quanto isso é recompensador.

A antologia da contracultura, por Fabio Massari

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Foi daquelas situações em que demora pra ficha cair. O antigo ídolo e hoje broder Fabio Massari me chamou pra almoçar porque queria falar comigo sobre trabalho e no meio do almoço – uma moqueca daquelas – ele lança a bomba: queria que eu traduzisse uma antologia de entrevistas feitas pelo V. Vale, criador do clássico zine californiano Search & Destroy, responsável por nutrir o punk americano da costa oeste na virada dos anos 70 para os 80, que na década seguinte se transformaria na revista RE/Search. O convite já foi aceito antes mesmo de eu saber que as entrevistas incluíam nomes de ícones da contracultura anglofônica como Timothy Leary, William Burroughs, Devo, Patti Smith, John Waters, Ballard, Jello Biafra, o casal Lux Interior e Poison Ivy dos Cramps, Lydia Lunch e os Throbbing Gristle, entre outros.

Maior responsa! Mas taí o livro à venda, pela grande Ideal Edições (acompanhe essa editora), e ele foi batizado com o singelo título de Alguém Come Centopeias Gigantes?, tirado da entrevista do velho Bill. Bati um papo rápido com o Massari sobre o livro, o terceiro de sua coleção Mondo Massari.

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Como foi o seu primeiro contato com a Search & Destroy ou RE/Search?
O primeiro contato se deu por conta das pesquisas dedicadas ao punk rock – antes mesmo de conseguir umas cópias originais de S&D, antes também dos reprints, já tinha ouvido falar muito do Vale e da sua missão. Sempre tive muito interesse nessas empreitadas editoriais heróicas, de corte fanzinesco…Essas publicações sempre tiveram a cara do dono: Bomp, Slash, Sniffin Glue e muitas outras e, claro, Search & Destroy. Mas comecei mesmo pelos livrões clássicos da editora Research.

E como conheceu o Vale? Quando o conheceu já pensava em editar uma antologia brasileira?
Conheci o Vale no começo de 2014 e de cara saímos falando de uma coletânea para o Brasil – projeto inédito na história da editora. Acho que de alguma maneira sempre quis fazer algo com a RE/Search, era um projeto que estava esperando a hora certa pra acontecer.

Qual entrevista doeu ficar de fora da antologia?
De cara posso dizer que as que eu queria mesmo estão no livro. Mas tem tanta coisa …Por exemplo, do período Search & Destroy tem uma do Iggy Pop que é absolutamente insana – mas eu não queria enlouquecer ainda mais o tradutor! (tks bro). A banda inglesa Cabaret Voltaire quase entrou; e os dois volumes da RE/Search dedicados aos Zines trazem material realmente surpreendente.

E o Mondo Massari? Fala um pouco sobre a coleção. Algum lançamento à vista?
A ideia é lançar tanto títulos meus quanto de outros autores, dentro desse amplo e caleidoscópio espectro mondomassariano. A experiencia HQ do Malcolm foi bem legal. Tenho uns projetinhos pessoais em estágio lento de desenvolvimento. E gostaria de ter algo de ficção no selo – podia ser algo estranho, transrealista esquema Rudy Rucker ou…um livro tipo o Favelost do Fausto Fawcett, esse era um que eu gostaria de ter na etiqueta.

O “Jogo” começou

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Saiu o primeiro volume da trilogia sueca The Game, uma mistura de Matrix com Jogos Vorazes, que se passa na vida real e cuja tradução para o português foi feita por mim e pela minha esposa Mariana. Prestigiem 😉