Jair Naves 2021: “A conta não fecha”

, por Alexandre Matias

Foto: Renata De Bonis

“Essa é a chance que eu tenho”, o paulistano Jair Naves sussurra entre loops e o violão dedilhado na segunda parte da primeira música que mostra em 2021, lançada neste 29 de janeiro que também é data de seu aniversário. “Todo o Meu Empenho” retoma o trabalho que ele vinha fazendo no ano passado, quando começou a trabalhar em seu quarto disco solo, sucessor do ótimo Rente, que aos poucos o consolida como um dos grandes compositores de sua geração. “A noção de que demoraria muito para apresentar essas músicas ao vivo trouxe uma liberdade criativa inesperada no estúdio”, ele me explica por email. “Geralmente, sempre que eu gravei um disco existia uma preocupação em criar arranjos que fossem facilmente reproduzíveis nos palcos. Dessa vez, esse pensamento não esteve presente nem por um instante. Pelo contrário, a mentalidade era sempre de experimentar elementos que nunca foram testados nas minhas gravações, usar de artifícios que levassem as músicas para outros lugares. Até por causa disso, essas sessões foram algumas das mais divertidas da minha vida.”

“Os últimos doze meses foram alguns dos mais transformadores, desde sempre, para todos nós, eu imagino. Pelo menos, certamente foram para mim. Passei a maior parte do ano de 2020 fora do país. Vim para São Paulo em fevereiro do ano passado para trabalhar nas primeiras sessões desse disco que ainda está sendo produzido. Depois de algumas semanas reunido com a banda em estúdio, voltei para os Estados Unidos a tempo do aniversário da minha esposa, no começo de março. Soa como exagero, mas a impressão que me deu foi a de que o mundo mudou no tempo que durou aquele percurso. Lembro que não havia quase ninguém usando máscara no voo, por exemplo. Assim que eu cheguei por lá, a Britt me falou que tinham acabado de anunciar o primeiro fechamento do comércio na região. E que todo cuidado era pouco para evitar o contágio pelo vírus, uma vez que os índices de contaminação tinham disparado nos últimos dias.

Sendo assim, fiquei a maior parte do tempo trancado, morrendo de preocupação com a minha família e os meus amigos no Brasil. A angústia de estar longe da sua terra num momento como esse é algo enlouquecedor. Talvez isso tenha gerado uma espécie de bloqueio criativo que durou um bom tempo enquanto eu estive por lá. Uma vez que eu percebi que não adiantaria forçar nada nesse sentido, que realmente eu não tinha cabeça para produzir, escrever, compor ou nada desse tipo, aproveitei o isolamento para estudar, tentar aprender a tocar instrumentos novos, ler os livros que eu vinha adiando há alguns anos, ouvir o máximo de música e ver o maior número de filmes que eu conseguisse. De alguma maneira, imagino que todas essas coisas que eu absorvi nesse período também se reflitam nessas composições novas.

No que diz respeito ao álbum, é possível notar claramente quais músicas foram registradas antes da pandemia e quais foram gravadas depois. Existem arranjos com a banda completa, numa sonoridade mais orgânica e talvez tradicional, e também existem aquelas músicas totalmente concebidas em estúdio, que soam mais solitárias, em que instrumentos eletrônicos, recortes e experimentações se fazem muito mais presente.

Com relação ao lançamento do álbum cheio, não tenho pressa. Também é libertador lidar com isso dessa forma, dando às canções o tempo necessário para elas se desenvolverem, para atingirem algo próximo do seu potencial máximo. Claro que é triste pensar que esses lançamentos muito provavelmente não serão acompanhados de shows, mas é necessário aceitar essa realidade e tentar achar o melhor caminho dadas as circunstâncias, seja lá qual ele for.

Acabando esse disco, minha intenção é continuar criando, compondo, escrevendo. Substituir o contato direto com o público por uma agenda de lançamentos mais frequente. Ainda pretendo chegar num ponto em que eu consiga lançar discos todo ano por três ou quatro anos seguidos, sem grandes intervalos. Se é que isso pode ser viável em termos práticos, financeiros e tudo mais. Talvez seja o pior momento para essa ideia, mas talvez seja também o momento mais adequado para tanto. Veremos no que tudo isso vai dar.”

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