Battlestar Galactica: Sometimes a Great Notion

, por Alexandre Matias

O final de Battlestar Galactica pode ser o aquecimento para a última temporada de Lost

(Re)Começou: Battlestar Galactica entrou na reta final na última sexta-feira, quando o primeiro episódio da segunda parte da quarta temporada foi exibido nos EUA. Apesar da expectativa em relação à próxima temporada de Lost, que estréia na próxima quarta, presumo que a quinta safra de episódios da ilha maluca vai ter mais enrolação do que perguntas respondidas. Já BSG, não. Sometimes a Great Notion é o primeiro de uma dezena de episódios que encerrarão o cânone clássico de Battlestar Galactica. Se voltaremos a reencontrar estes personagens e este universo, será em cenários bem diferentes do que a busca por um lugar seguro para salvar a humanidade depois que esta foi destruída pelos robôs que criou, os cylons. Portanto, a partir daqui o assunto só interessa a quem já chegou à safra final de episódios do seriado. Tomei cuidado inclusive na seleção das imagens para não revelar demais. Mas uma coisa o episódio de sexta provou: estamos começando a assistir à conclusão dramática de um marco da televisão moderna.

A história recomeça do ponto que havia parado: na Terra. O planeta prometido para o qual rumava a frota galática que trazia o último resquício de humanidade em todo universo não era o paraíso esperado – e sim um planeta devastado há dois mil anos por uma catástrofe nuclear. E se imaginarmos que, durante toda a série, a única esperança de seguir em frente era encontrar o tal planeta – que, no universo de BSG ganhava ares míticos – não é difícil supor que o clima de frustração se abatesse sobre os personagens.

Frustração é eufemismo. O clima do episódio de sexta era de desolação, depressão, derrota e morte. Os primeiros minutos continuavam a cena apática e triste com a qual o seriado se despediu de 2008 – o elenco andando por uma praia deserta, de areia escura, tendo as ruínas do que um dia foi Nova York como cenário e um tom azulado-cinzento fazendo as vezes de luz. E, quando voltam à nave, os personagens aos poucos começam a espalhar a sensação de luto e desespero pela nave. E. aos poucos, eles vão sucumbindo – a começar pelas figuras paternas da tripulação. De um lado, a presidente Roslin abandona os medicamentos que regulam seu câncer e o almirante Adama cede à bebida a ponto de fazer com que seu primeiro subalterno Saul aponte uma arma para sua cabeça – e de Olmos cometer sua pior atuação em toda a série (aquela boca torta me lembra o Moe dos Três Patetas).

Duas personagens, no entanto, atravessam situações que trazem outros sentimentos à tona. Aparentemente alheia ao clima inóspito no seriado, a oficial Duanna tira o dia para ser linda e feliz como nunca foi na série – e sai com Lee para um jantar filmado com cores vivas e música, que terminaria com a mesma metendo um tiro na própria cabeça depois de se despedir do marido. Starbuck, por outro lado, anda pela Terra acompanhada do cylon Leoben, filmada num tom quase em preto & branco, contraste estourado a ponto do mato filmado aparecer branco, e logo depois descobre não apenas o próprio caça que pilotava como o próprio cadáver (!?), que queimaria logo depois numa espécie de funeral viking.

Até pouco antes do episódio terminar, as duas personagens pareciam ser as possíveis candidatas ao posto de último cylon a ser revelado: Dee se mataria pois haveria uma forma de ela renascer em algum lugar (posto que ela poderia ser o último cylon e devido à sua serenidade antes do suicídio) e só isso justificaria o fato de Starbuck ter encontrado o próprio cadáver. Mas à medida em que o episódio transcorria, os quatro cylons revelados no fim da terceira temporada começam a ter visões ou recordações de uma vida que teriam levado naquele mesmo planeta desolado – primeiro Tyrrol, depois Anders e Tory logo depois. O único cylon que não havia tido uma visão de seu próprio passado na Terra era Saul Tigh, para quem foram destinados os minutos finais – em que o quinto cylon finalmente foi revelado: ELLEN TIGH!

Como assim? Então Dee se matou em vão? Se a ex-mulher de Tigh, que ele mesmo havia matado por ser uma colaboradora dos cylons (antes de perceber que ele mesmo era um cylon), então Starbuck é o quê? Depois de analisar alguns restos mortais encontrados na Terra, os cientistas da Galactica chegam à conclusão que o planeta havia sido habitado apenas por cylons (!?), que teriam fugido após o cataclisma nuclear que destruiu aquela civilização. Então quer dizer que as doze colônias que foram atacadas no início do seriado são colônias criadas por cylons? Pior: todos são cylons?

As revelações dos quatro cylons restantes não ajudam a esclarecer as coisas: eles estão vivos há dois mil anos? Então como Adama conhece Saul, por exemplo, desde que ambos tinham vinte e poucos anos? Seriam os cinco cylons finais usados como base de clones humanos que receberiam a consciência destes depois que eles morressem? Starbuck viajou no tempo? Para o passado ou para o futuro? E as profecias de Pítia, que guiaram a tripulação rumo à Terra, que foram escritas há 3.500 anos que, conforme descobrimos, equivaleria ao século XV de nossa era? Foram escritas por quem, pelos maias? E esse monte de nome grego, vem de onde?

E é engraçado ver como, na reta final, o programa tem ganhado uma respeitabilidade além do meio de ficção científica ou mesmo do mondo pop. A Salon publicou um guia para quem quiser entender a série, a Variety publicou uma longa matéria explicando, com declarações de especialistas em diferentes áreas (religiao, política, forças armadas, ciência, ética) para justificar a importância do seriado (como se ser bom não fosse suficiente), além de render coberturas aprofundadas em mídias que já vinham cobrindo o seriado (como entrevistas com intérpretes cruciais no episódio de sexta no LA Times e no Sci Fi Wire – mas o grande trunfo é da blogueira/colunista do Chicago Tribune, Maureen Ryan, que entrevistou ninguém menos que Ron D. Moore depois do episódio ir ao ar), como discussões acaloradas entre os fãs (o site Tor.com, por exemplo, colocou quatro de seus repórteres para debater o episódio mais recente, que repercutiu em inúmeros posts de blogs por aí – que, por sua vez, rendem ainda mais discussões nas áreas de comentários).

Como se a reta final de Battlestar Galactica pudesse antecipar o que vai ser a reta final de Lost. E a julgar pelos acontecimentos deste episódio de sexta, acredite: vamos ir mais fundo na esquisitice em BSG. Só esse primeiro episódio da safra final já cogitou clonagem, viagem no tempo, teletransporte, imortalidade e o dilema existencial robô sobre toda humanidade, bastiões da ficção científica que nunca haviam sido sequer citados no seriado de Ron Moore. E a falta de ação durante este Sometimes a Great Notion me lembra a ansiedade e impaciência ao subirmos em uma montanha russa – com a revelação final funcionando apenas como a sensação que temos que, a partir daí, começou.

Assistir ao final de Battlestar Galactica em tempo real – ainda mais com uma audiência globalizada – é um privilégio que pode prenunciar uma mudança drástica na forma em que encaramos o entretenimento moderno. Não estamos falando apenas de uma novela ou de uma sitcom, mas um seriado que, ao mesmo tempo em que faz comentários em diferentes níveis sobre a atualidade e a condição humana simultaneamente, questiona a própria razão de estarmos assistindo a uma história de ficção, enquanto nos apresenta possibilidades surpreendentes a cada passo. Se o final de Sopranos já havia sido um baque (literal) na expectativa do telespectador, o final de Battlestar Galactica e, por conseqüência, de Lost, concluirão um movimento que diz tanto respeito às novas formas de narrativa quanto aos temas mais importantes para a audiência e saídas econômicas para a sobrevivência em um mercado digital.

E sexta-feira temos mais um: The Disquiet that Follows My Soul. Aí faltarão apenas oito episódios para tudo acabar.

“So say we all”.

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