“WikiLeaks é jornalismo?”
E quando as redações começarem a virar assunto?
A pergunta surgiu no meio do debate da Campus Party que eu participei, feita pelo Gil Giardelli, e a Ana Brambilla discordou num dos pontos em que eu e o Forastieri concordamos (o Vinícius comenta o debate melhor do que eu, além de linkar os vídeos). Pra mim, WikiLeaks é jornalismo, ponto.
Se é bom ou mau jornalismo, isso é outra história – mas agora que temos um player jogando no ventilador notícias que não vêm via release de assessoria de imprensa nem com post-it grudado escrito “leia com atenção”. Sim, há a possibilidade de haver interesses escusos e de que seu criador estaria guiando a mídia tradicional de acordo com a sua agenda, mas o não dá para fugir que o site de Julian Assange propõe ao jornalismo tradicional o mesmo enigma digital que a indústria fonográfica enfrentou com o Napster, que pairou com o YouTube sobre o cinema e a TV, que o mercado editorial começa a ter de lidar com o Kindle. São os papéis do Pentágono e Watergate numa mesma tacada, sem intermediários e com um posterboy ególatra o suficiente pra se deixar virar ícone (pessoalmente, não grilo com isso, mas há quem se incomode).
E, na longa véspera de uma revelação que o site promete desde o ano passado sobre um grande banco americano, começam a sair as primeiras reações da mídia tradicional ao contar como foi lidar com Assange. Quem começou foi Bill Keller, editor-chefe do New York Times, que escreveu um texto gigantesco para a capa de sua revista dominical, lembrando a tradição de seu jornal, acusando Assange de manipulador, dizendo que WikiLeaks não é jornalismo e defendendo a imparcialidade sobre a notícia. Chama o jornal inglês Guardian, um dos veículos escolhidos por Julian para expor seus segredos de “abertamente de esquerda” e desqualifica Assange como excêntrico:
“He was alert but dishevelled, like a bag lady walking in off the street, wearing a dingy, light-coloured sport coat and cargo pants, dirty white shirt, beat-up sneakers and filthy white socks that collapsed around his ankles (…). He smelled as if he hadn’t bathed for days.”
O Guardian, por sua vez, veio com sua versão dos fatos, peitando principalmente o fato do WikiLeaks mudar a paisagem do jornalismo em tempos digitais, citando a Hillary, e do site ter mirado nos EUA. Escreve seu editor-chefe Alan Rusbridger:
Unnoticed by most of the world, Julian Assange was developing into a most interesting and unusual pioneer in using digital technologies to challenge corrupt and authoritarian states. It’s doubtful whether his name would have meant anything to Hillary Clinton at the time – or even in January 2010 when, as secretary of state, she made a rather good speech about the potential of what she termed “a new nervous system for the planet“.
She described a vision of semi-underground digital publishing – “the samizdat of our day” that was beginning to champion transparency and challenge the autocratic, corrupt old order of the world. But she also warned that repressive governments would “target the independent thinkers who use the tools”. She had regimes like Iran in mind.
Her words about the brave samizdat publishing future could well have applied to the rather strange, unworldly Australian hacker quietly working out methods of publishing the world’s secrets in ways which were beyond any technological or legal attack.
Little can Clinton have imagined, as she made this much praised speech, that within a year she would be back making another statement about digital whistleblowers – this time roundly attacking people who used electronic media to champion transparency. It was, she told a hastily arranged state department press conference in November 2010, “not just an attack on America’s foreign policy interests. It is an attack on the international community.” In the intervening 11 months Assange had gone viral. He had just helped to orchestrate the biggest leak in the history of the world – only this time the embarrassment was not to a poor east African nation, but to the most powerful country on earth.
O debate segue em aberto, mas eis um novo efeito colateral: sobre o jornalismo. Cada vez mais os bastidores do jornalismo se tornarão notícia e interesse geral e um filme sobre WikiLeaks (cada vez mais palpável) poria a público como as coisas realmente funcionam nas redações como o filme sobre o Facebook começou a expor as entranhas do Vale do Silício. Mas antes de entrarmos na paranóia sobre quem detém o monopólio da notícia, o que é exclusividade no século 21 e a velha discussão entre transparência e segurança, deixo o recado do professor Timothy Garton Ash, que foi ao Fórum Econômico de Davos justamente pra falar sobre WikiLeaks:
“Every organization should think very hard about what it is you really need to protect. You’re probably protecting a whole lot you don’t need to. And then do everything you can to protect that smaller amount”
Ou seja, quem tem, tem medo. Se não tem, é bom ter. Como digo: paranóia é precaução.
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