Tem gente que tá pronta até demais! A imagem aí em cima tá no Flickr do Giglio, que por sinal já viu o filme – e viu outros cosplayers de Watchmen no Rio de Janeiro…
Agora é a vez de Watchmen com a quinta temporada de Lost!
Da Goma.
Olha como Londres recebeu o filme…
Watchmen e o pessimismo para as massas
Antes de entrar em qualquer mérito sobre Watchmen – se a adaptação é boa ou não, se o filme agrada os fãs ou conquista os leigos de quadrinhos -, a principal impressão em relação ao filme é seu tom mórbido. Mais do que paranóico ou apocalíptico, Watchmen é deprê – e esfrega isso na sua cara a cada osso que se parte ou ser vivo que explode de dentro pra fora. Zack Snyder parece disposto a nos mostrar que a realidade é bem pior do que imagina o pessimista padrão e recria, com fortes cores oitentistas, a visão ultra-realista e reacionária de Rorschach como principal ponto de vista do filme. Mais justiceiro que super-herói, a desiusão essencial de Rorschach com o resto do mundo contagia todo o filme. E sem sutileza. A cada dez ou quinze minutos uma espécie diferente de susto choca o espectador – seja a moral descendo para mostrar que o poço pode ser mais fundo, seja pedaços de corpos humanos virados do avesso.
O pessimismo não é novidade no cenário pop. Como o próprio Comediante comenta, a Guerra do Vietnã mexeu com o imaginário vitorioso do americano. E o cinema da virada dos anos 60 para os 70 se reinventou a partir desse senso de derrota. Filmes saídos das cabeças de uma geração rock’n’roll de diretores – como Easy Rider, O Poderoso Chefão, Operação França, THX 1138, Taxi Driver, A Última Sessão de Cinema, Apocalypse Now ou American Grafitti – partiam do pressuposto que o Sonho Americano havia tornado-se um pesadelo. Logo essa frustração se refletiria em todas as facetas do cinema daquele país – Rede de Intrigas, Todos os Homens do Presidente, Chinatown, Um Estranho no Ninho, Tubarão, Dirty Harry, Halloween. Liste os melhores filmes dos anos 70 e é bem grande a possibilidade de termos poucos filmes otimistas. Até as comédias de Woody Allen e Mel Brooks e melodramas como Love Story, O Corcel Negro e O Campeão puxavam para baixo. Foi esse mesmo pessimismo que funcionou como adubo para toda uma nova geração. Punk rock, disco music, rap, literatura cyberpunk, grafitti floresceram ao lado de filmes que também não vislumbravam um futuro amigável (Blade Runner, Alien, Mad Max, Akira, O Exterminador do Futuro) – e da geração inglesa de quadrinistas revelados naquela década, a mesma que deu ao mundo Watchmen, Sandman, Batman – A Piada Mortal, Judge Dredd e Orquídea Negra.
A queda do Muro de Berlim fez com que cinema retomasse algum ânimo e aos poucos fomos assistindo a uma diluição de um otimismo de mentira, farsesco, com um pessimismo cênico, de araque, em sucesso de bilheteria e de pieguice. Um arco formado por filmes como Ghost, O Rei Leão, A Lista de Schindler, Central do Brasil, Magnólia, Forrest Gump, A Vida é Bela e Titanic serviu de contraponto ao sorriso cínico de filmes independentes que pareciam ser felizes, mas não eram (Trainspotting, Um Sonho de Liberdade, Los Angeles Cidade Proibida, Se7en e Clube da Luta, tudo dos Coen, do Tim Burton, de Tarantino e do David Lynch). Finalmente, o cenário criado pelo atrito destas duas pontas deu origem a um cinema literalmente espetacular. Roteiro, atuação e direção são deixados em segundo plano para criar uma categoria de filmes ancorada em efeitos especiais, cenas de luta, perseguições e frases de efeito. Nascidos com Matrix, essa nova safra de filmes desta década que está chegando ao fim é justamente a que inclui este monte de adaptações de quadrinhos.
E desde Matrix voltamos a acreditar no super-herói enquanto ícone cultural. Um formato que parecia ter dado tudo de si quando George Clooney foi o Batman naquele filme risível (que, pra mim, é o melhor dos quatro primeiros Batman – justamente porque se baseia na série tosca dos anos 90 60), mas que justamente devido à confusão – ou ausência – de sentimentos da virada do milênio conseguiu se reerguer. Primeiro com o Homem-Aranha, depois os X-Men, Hulk, Demolidor, Batman, Quarteto Fantástico, Super-Homem, Homem de Ferro e agora a lista parece não ter fim – Wolverine solo, Capitão América, Lanterna Verde, Thor, todos esses já têm filmes em andamento.
Eis que chegamos em Watchmen, que está para as histórias em quadrinhos como Cidadão Kane está para o cinema. Durante muito tempo, a história realmente foi a melhor de todos os tempos, mas uma série de autores já a superaram (incluindo o próprio Alan Moore, mais de uma vez). O que permanece intacto é seu impacto, sua importância. Ao lado da recriação do Batman por Frank Miller em O Cavaleiro das Trevas, Watchmen reestabeleceu um novo parâmetro tanto para os quadrinhos comerciais como, principalmente, para as histórias de super-herói. E tudo bem que uma série de inovações de linguagem e formato são responsáveis por manter a importância de Watchmen intacta (como o filme de Orson Welles), mas o motivo de seu sucesso talvez passe longe disso – e tenha mais a ver com a sensação mórbida e nauseante de um apocalipse iminente.
E é esse exatamente o motivo para o possível sucesso de Watchmen. O filme já começou a ser bombardeado pela intelligentsia da crítica de cinema ao mesmo tempo em que vem sendo louvado pelos fãs (embora haja uma série de ressalvas), aumentando ainda mais a expectativa quanto a seu lançamento oficial. Se a noite sem alma que domina o filme se conectar com o pânico paralisado da atual crise que paira sobre o planeta, pode ser que Watchmen funcione como uma enorme terapia coletiva. E faça com o filme de super-herói o que a graphic novel original fez com o quadrinho de super-herói: pendure-o algum tempo sobre o abismo da realidade e deixe-o livrar-se de seus acessórios supérfluos. Deixando brinquedos caros e efeitos especiais em segundo plano (eles não são a história, afinal de contas), Watchmen pode ajudar o público deste tipo de filme a buscar outras emoções em seu espectro sentimental. Muitos vão achar isso brochante ou caricato como o Nixon na telona mas, como o próprio filme sublinha, assim também pode ser a vida. Aprenda a lidar com isso.
Amanhã eu continuo.
Duas pichações que reverberam, nas ruas de Nova York, uma das imagens mais icônicas – e simples – de Watchmen. Uma surgiu num blog, a outra num Twitter.
Aí cabe a pergunta: é viral ou são os fãs que não agüentam esperar pelo filme?
Deixa o Mini falar um pouco dessa vez.
Por que Watchmen de Zack Snyder não é Watchmen – O Filme, e por que nenhum será
Há muito tempo, quando o filme de Watchmen ainda era considerado uma espécie de lenda urbana, uma das principais curiosidades dos fãs era como eles iriam representar a história do Cargueiro Negro. Para quem não sabe nada sobre Watchmen, Contos do Cargueiro Negro, uma revista em quadrinhos sobre piratas, é um dos títulos do formato mais lidos no mundo paralelo da saga – afinal, num mundo em que super-heróis fazem parte da rotina, por que quadrinhos de super-heróis fariam sucesso?
Mas os tais contos, pelo menos do ponto de vista de Watchmen, não são nos mostrados, à exceção de um. Este surge lido por um personagem completamente alheio à qualquer história das muitas acompanhadas na série. Um garoto negro, chamado Bernie (o mesmo nome de seu único interlocutor na série, o dono da banca de jornais), recostado na esquina que veria o final monstruoso da série se materializar em sua última edição, calmamente lê o quadrinho, completamente alheio à qualquer história que realmente importe em Watchmen, à exceção da revista que lê. Nela, ele acompanha a trajetória do único sobrevivente de um naufrágio, que tem de tomar providências desesperadas – e mórbidas – se quiser continuar vivo.
A história é um dos muitos exercícios de narrativa que Alan Moore exibe como se pudesse dançar com a linguagem que domina. Começamos a ler as passagens da história através da ótica do guri sem sermos perguntados, quadrinhos do conto de terror marítimo superpostos sobre os quadrinhos da história central que fazem o leitor perguntar o que diabos essa porra de história tem a ver com as calças. Até que, como um mágico, Alan Moore tira seu coelho de uma cartola que sequer havíamos avistado – e os quadrinhos começam a conversar entre si, a história ficcional em alto mar e a história real dos super-heróis em crise. Um toque magistral, uma homenagem à força e importância dos quadrinhos, seja linguagem, formato ou narrativa.
Daí a dúvida dos fãs naquele tempo remoto. Será que vão colocar o garoto em frente a uma vitrine de lojas vendendo TVs e alternar as cenas umas às outras? Ou – à medida em que o século digital começou a ver o filme Watchmen tornando-se realidade – será que vão colocá-lo assistindo ao filme ao mesmo filme num PlayStation portátil? Ou será que o diretor vai deixá-lo lendo seu gibi e fazer a câmera “entrar” na história, dando movimento e textura orgânica a imagens estáticas e bidimensionais?
A solução que Zack Snyder optou foi a de transformar o conto em uma animação – e lançá-lo fora do filme. Mas mesmo que em sua versão Ultimate Director’s Cut de cinco horas lançada daqui a dois anos (alguém duvida?) mescle a animação com o filme, a história vai parecer estranha e continuará distante do impacto dos quadrinhos.
Muito pelo fato de Watchmen ser, verdadeiramente, infilmável. Por mais que a direção de arte do filme tenha se esmerado em reproduzir os cenários e personagens desenhados por Dave Gibbons à perfeição (talvez só o Dr. Manhattan, com seu lápis de olho egípcio, olhos sempre bucólicos e benga gigante balangando não tenha ficado tão convincente), a narrativa está longe da burilada por Moore. E olha que Zack Snyder se esforçou para contar tudo: a história paralela dos Minutemen (contada, rapidamente, em uma memorável cena de abertura ao som de “The Times They Are A-Changin’ e em flashbacks) quanto as diversas cenas que acontecem paralelamente e que constroem a história principal e os contrapontos rápidos com a época em que os super-heróis ainda não tinham se tornado ilegais, são histórias superpostas, numa linha do tempo não-linear que alterna câmera lenta, explosão, vísceras e vôos.
Mas Watchmen não tem movimento. A ausência ou excesso de expressões nos rostos dos personagens são detalhados ou caricaturais. Não tem som. A voz de Rorschach e a do Dr. Manhattan soam exatamente como a do narrador da história do pirata, o locutor do telejornal ou do presidente Nixon, pois são vozes ouvidas dentro da cabeça do leitor. Suas cores berrantes são ainda mais berrantes – e suas sombras, menos escuras. Balões de diálogo se alternam com manchetes de jornais, logotipos na rua ou em legendas de narração.
Por isso, por mais que alguns trechos do filme realmente se pareçam com as cenas lidas no quadrinho, elas funcionam mais como homenagem do que como leitura fiel de Watchmen. Porque só há uma leitura fiel de Watchmen: nos quadrinhos. Nisso Alan Moore está coberto de razão ao brigar não apenas com as adaptações de suas obras para a telona mas como ao reclamar que quadrinhos não funcionam no cinema. Parecem que funcionam, mas são mídias opostas, apesar de terem uma série de elementos em comum. Quadrinhos e cinema fazem parte da narrativa histórica do século passado, da forma como aprendemos a ler o mundo e entender o que acontece com ele sem precisarmos nos contentar com livros, rádios, televisão ou jornais.
Então por isso o filme é ruim? Por mais que torçam os detratores, não – sejam eles de Zack Snyder, de filmes de ação ou de histórias de super-herói. Muito pelo contrário. Watchmen é didático e épico ao mesmo tempo, um feito que poucas produções de Hollywood conseguem realizar (Titanic e Gladiador são os únicos que me vêm à memória – ambos, para mim, piores que Watchmen). Como filme de ação, é denso e deprimente, sem nunca deixar a adrenalina cair – seja na tensão ou na pressão. E, mais importante do que qualquer impacto que possa ter, ele está fazendo as pessoas lerem e relerem a obra original (só em 2007, quando o auê em torno do filme começava a ganhar corpo, Watchmen liderou a venda de quadrinhos naquele ano – em relação a todos outros títulos à venda, novos ou velhos). Só por isso, o filme já merecia existir.
E aposto que quando os cheques dos direitos autorais das vendas do quadrinho pingam na conta do Alan Moore, ele sorri escondido. Pode até amaldiçoar, mas…
Mais Watchmen!
O futuro dos filmes de super-herói
É agora: Watchmen estréia sexta que vem. Um lado da história já conhecemos bem – a campanha de marketing tentacular, a importância do quadrinho original tanto para o formato quanto para a linguagem, a longa saga de tentar adaptar a série pessimista para o cinema, as pragas rogadas por Alan Moore. O fã ou está com o coração na garganta ou com a pulga atrás na orelha, já sabe das mudanças mais drásticas no roteiro, o que fizeram com a história paralela do Cargueiro Negro, como representarão o Dr. Manhattan na tela. O trailer definitivo segue sendo martelado funebremente – sua música-tema trocada de “The End Is the Beginning Is the End” dos Smashing Pumpkins (usada como tema de Batman & Robin, de 97) por “Angel” do Massive Attack tira o tom irônico de usa primeira aparição para dar o clima sombrio e depressivo da história original.
Mas há outro que desconhecemos: e quem não sabe o que é Watchmen? Com uma campanha publicitária e detalhes de produção tão dispostos a conquistar o fã na base da overdose de superlativos, o que ela diz para quem não conhece o que é a história original? Quem são os Watchmen? O que é tão importante na história dessa graphic novel? Quais são os poderes desses super-heróis? Nixon? Vietnã? Marte? Um herói chamado Comediante? E o que esse cara com a máscara de teste de tinta de psicólogo faz? E esse cara de azul? Quantos eles são? E “buuuuum”, explosão em câmera lenta… “Kkkk-prrrr-BFFFFF!!!”, outra explosão em câmera lenta… O broche amarelo com a carinha sorridente. E o tic-tac do relógio.
E só.
Estou curioso para saber como as resenhas/sinopses genéricas que optarem por fugir do “aclamada graphic novel é adaptada pelo mesmo diretor de 300” tentarão explicar porque um filme que mostra o que a existência de super-heróis de verdade poderia fazer com o mundo – psicológica e politicamente -, cogitando o uso de superpoderes como armas imperialistas mais poderosas do que a bomba atômica, é um dos filmes mais importantes de 2009 (além de esperar as resenhas catedráticas da crítica de cineclube, difamando o filme como uma experiência mais sonora do que visual ou mental).
Porque por mais que a pseudosseriedade dos atuais filmes de super-herói funcione apenas como qualquer conversa fiada para justificar a porradaria distribuída por marmanjos usando collan, Watchmen conta com uma pequena e crucial diferença: quase zero porradaria. E por mais que o visual do filme seja fiel ao desenho de Dave Gibbons, convenhamos – Watchmen não é Watchmen por causa de seu traço. Gibbons é minucioso e clássico, um desenhista à altura de seu roteirista. Mas o grande salto proporcionado por Watchmen é narrativo e esse mérito é todo de Alan Moore. O quadrinho até há pouco era considerável impossível de ser filmado justamente devido ao seu vai-e-vem de histórias paralelas e diferentes linguagens num mesmo volume. E elas são histórias densas e complexas, cabeçudas e sentimentais ao mesmo tempo, que ocorrem quase sempre do ponto de vista interiorizado de um dos seis personagens principais ou em longos diálogos entre dois deles.
Por outro lado, estamos em uma época em que um filme como o Batman do ano passado causa indignação por não ter sido indicado para o Oscar de melhor filme – o que, com aquela voz grossa ridícula do Batman, seria o mesmo que jogar o prêmio da academia no lixo de vez. O filme de Nolan é denso e épico, mas é uma experiência sensorial acéfala – de planos aéreos, perseguições de carro e até um caminhão dando cambalhota. Até a história do Homem de Ferro, que cria um protótipo de sua armadura numa caverna no meio da Ásia Central, parece mais crível e convincente do que Batman – The Dark Knight.
E é aí que pode estar o trunfo de Watchmen. Tá certo que boa parte da expectativa em relação ao filme não existia na época dos quadrinhos – Gibbons e Moore eram nomes de peso na Inglaterra, mas quando lançaram a recriação dos personagens da Charlton no formato minissérie eram relativamente novatos na DC. E pegaram o mundo de quadrinhos de assalto – a ponto de sair da esfera dos fãs tradicionais e terem o respaldo de novos leitores.
Eis o salto que Watchmen pode dar no cinema. Ao trazer uma boa história em vez de um bom personagem para a telona, podem estar trazendo um novo nível de maturidade para um público treinado a sorrir com explosões. E assim, poderíamos estar saindo da era de reapresentação dos mitos do século 20 para a nova era e começar a explorar as grandes sagas, que, inevitavelmente, trarão novos leitores a clássicos de quadrinhos festejados apenas pelo circuito interno dos fãs, colecionadores e gente maluca o suficiente para escrever, ler e assistir histórias sobre super seres humanos fantasiados capazes de feitos impossíveis.