Uma segunda-feira fria de julho, um célebre bar na esquina mais famosa de São Paulo vê um verdadeiro panteão reúne-se ao redor de uma mesa para contar a história do DJ de hip hop no Brasil. Sentados lado a lado estavam Grandmaster Ney, precursor do hip hop nas equipes de som black dos anos 70 e 80; DJ Hum, que fez seu nome ao lado do rapper Thaíde; KL Jay, a base musical dos Racionais MCs e organizador do festival Hip Hop DJ; King, que manipula as picapes para Xis, entre outros; e Nutz, que fez seu nome ao lado do Planet Hemp.
Além de seus trabalhos originais, todos eles são veteranos na noite paulistana e tocam em várias casas noturnas, produzindo discos e se apresentando por todo o Brasil. Ou seja: não foi fácil reunir esses caras. Mas uma vez reunidos, os caras soltaram o verbo. Primeiro, KL Jay, Hum e Ney contaram sobre os primórdios e a fase da São Bento, sempre de um ponto de vista bem-humorado e saudosista. Nutz e King participaram de leve, comentando e ajudando os três se lembrarem de datas, nomes e detalhes que cresceram ouvindo falar. Depois, os dois entraram no papo de uma vez e ajudaram a contar a história de suas vidas – e do hip hop brasileiro.
Ney: Eu nasci com disco no sangue. Toda minha família, os irmãos da minha mãe, organizava bailes. Meu tio, o falecido Zé Carlos Vitrola, foi o primeiro DJ a tocar só com a vitrola, separado do resto do equipamento. Daí veio o nome dele. Era uma época em que os DJs tocavam sentados. Não tinha mixer, fone, feltro no prato pra parar o disco… Nada disso. O pessoal tocava os discos no tato. Isso no final dos anos 60, quando os bailes tavam começando a tocar as coisas mais antigas, voltando pro soul e eu comecei a procurar as coisas novas.
KL Jay – Minha mãe escutava rádio AM e ouvia muito Roberto Carlos, John Lennon, trilha de novela… Mas o pessoal começou a falar de FM, de umas rádios que tocavam um tal de funk: Excelsior, Jovem Pan, Cidade, Antena 1… Meu pai tinha um radinho que pegava FM e quando ele ia trabalhar eu botava na FM e ficava ouvindo os sons, Gap Band, One Way…
Hum- Quando eu mudei pra Ferraz de Vasconcelos, meu tio me falou “leva uns discos” e aos poucos eu fui vendo que essa era a diversão do pessoal, tocar discos na rua, fazer bailinhos. Comecei assim, tocando em bailinhos pra arrecadar grana pra formatura da oitava série. Todo mundo começou tocando em bailinho. Eles foram a grande escola. A gente levava os discos que tinha, não tinha essa de discos mais tocados. Eu lembro que tinha o famoso questionário: você chegava no lugar e o pessoal começava a perguntar o que você tinha. “Tem o álbum tal? O meu é de 77”, “o meu é de 79”.
Ney – Meu tio morreu de tuberculose aos 26 anos, em 73, e antes de morrer ele falava que ia me levar pros bailes que ele tocava: Maison Suíço, SP Chic, Telefunken… Mas ele morreu antes. E depois de ele morreu, eu toquei em todos essas casas que ele falou.
Hum- Era uma época em que os DJs tocavam de costas pro público, com um espelho na frente, pro pessoal ver. Mas não encarava o público.
Ney – Eu comecei a manipular os discos, mas eu não fui o primeiro. O primeiro foi o Paulão, que foi preso e depois sumiu… Tem muita gente que acha que eu inventei a roda, mas ele foi o primeiro. Comecei tocando em bailinhos com o meu irmão e aos poucos fui evoluindo. E as coisas também. Costumo dizer que, dos anos 70 pra cá, tudo que aconteceu de inovador veio da música negra.
KL Jay – Tudo veio da África, tudo veio do tambor.
Hum- Nos anos 70, o negro brasileiro tinha dois estereótipos, o carnavalesco e o que depois começou a ser chamado de black. Foi importante porque era uma época que a gente não tinha informação e as equipes de som – como a Chic Show, a Black Mad, a Zymbabwe… -, apesar de ter um lado burocrático, eram quem deixava a gente um pouco informado sobre o que acontecia lá fora.
Ney – Foi quando as coisas começaram a mudar. Apareceu o Grandmaster Flash e ele virou meu ídolo. Eu tocava tudo quando era estilo usando as bases do Flash, as referências que eu usava eram dele. E o Mister Gil, que se apresentava comigo, começou a me chamar de Grandmaster Ney, que acabou ficando. Era uma época que ainda existiam os vendedores ambulantes de disco, eu mesmo vendi disco. A gente vendia para umas equipes e outras ficavam sem. E os discos iam ficando raros.
Hum- As equipes eram concorrentes e todo mundo concorria com todo mundo: o melhor DJ, o melhor dançarino, a melhor rádio. Todo mundo tinha um “escutador”, pra reconhecer as músicas que os outros tocavam e pra ouvir se o equipamento de som era bom mesmo. Quando o som era bom, o tímpano voava! E ninguém se metia a ser o “escutador” do Chic Show, por causa da altura do som.
Ney – A gente ia pro Rio comprar disco importado, que chegavam direto no porto. O Rio era o melhor mercado de disco de vinil do Brasil, o dobro de São Paulo. Na volta, a gente vinha apagando o rótulo.
KL Jay – A fogueira das vaidades! Era o medo de informar, pra você ver!
Ney – Tinha aquela história de subir na mesa e ficar rodando a cabeça pra conseguir ler o rótulo!
Hum- Mas o Rio era muito organizado, até hoje ainda tem a associação de equipes de som.
Ney – E a cultura dos bailes já era administrada pelos DJs: as equipes tinham o equipamento e chamavam os DJs que traziam o material. Uma organização absurda! Não tinha o que tinha em São Paulo, os DJs de lá trocavam informação, discos, “me empresta teu disco que eu vou tocar no meu baile”.
Hum- Esse lance da informação começou a ser quebrado na época da São Bento, quando a gente começou a ouvir aquele funk falado, que depois a gente descobriu que era o rap.
KL Jay – Tinha isso da troca, na São Bento. Eu comecei lá dançando break, vendo os vídeos, Beat Street, o do Malcolm McLaren, o Chic… E essa onda começou a me levar.
Ney – Eu tocava nos bailes que não permitiam que se dançasse break, rolava discriminação. Mas eu tinha ficado fissurado naquilo, roubei a fita do Beat Street da locadora, que eu tenho até hoje.
Hum- O pessoal do punk, que na época tava saindo da São Bento, passou muita informação pra gente, mostrou muita coisa, The Clash… A gente era vanguarda, era uma coisa diferente dos bailes.
KL Jay – É bom frisar que o que acabou com os bailes foi a mesquinharia. O Ney era o único cara do Chic Show que não tinha o pensamento dos caras.
Ney – Lembro do DJ Hum com toca-discos Garrard no chão, procurando um ponto de luz pra ligar e botar os caras pra dançar break. Foi quando começou o rap em São Paulo. O Nelson Triunfo (pioneiro do break no Brasil) foi praticamente o pai de tudo.
KL Jay – O esquema da dança de soul e funk era uma espécie de protesto visual, uma auto-afirmação. Mas o hip hop era mais agressivo. O DJ pegava o disco e “falava” usando as mãos: “Polícia filha da puta!”, “Racismo o caralho!”.
Hum- Em 82 eu vim pro Centro e vi o Nelsão dançando break, os caras tipo robôzinho… Naquela mesma noite eu ia tocar em um casório. E eu pensei em levar os caras, pra dançar na quebrada. Eu morava num lugar que se eu não fizesse nada, ou os caras passavam o dia fumando maconha ou saíam metendo bala. Então eu era meio “empresário” no lugar. Catei dois neguinhos, ensinei os caras como era a dança e levei pro casamento. Foi a pior coisa que eu fiz na vida (risos). No meio da festa – isso numa sala, o sofá de um lado, a estante do outro, o retrato de Nossa Senhora num canto… -, parei o som e disse: “Agora com vocês, dois caras que eu trouxe da cidade”, olha o 71 (risos), “que vão mostrar a nova dança, a dança do robôzinho!”. E os caras não sabiam fazer direito e neguinho ficava se perguntando: “Que palhaçada é essa?” (risos).
Ney – Fiquei com medo quando eu vi o break na abertura da novela das oito (Partido Alto, da rede Globo). Porque era só ir pra Globo pro negócio falir, foi assim com a discoteca, com o Dancin’ Days. Pensei que o break ia morrer. Tanto que ficou um tempo meio sumido, meio parado…
KL Jay – Rolava uma zoeira do pessoal do samba, que era mais arrumadinho e falava: “ih, lá vem aqueles caras que gostam de limpar o chão com o corpo, de fazer vuk-vuk nos discos”. Mas entre os DJs, tanto de funk quanto de hip hop sempre teve um respeito mútuo.
Ney – Mas eu fui interrogado na São Bento, “o que é que você tá fazendo aqui?”, porque eu era da Chic Show. Mas o negócio começou a crescer tanto que foi quase mágica, logo estava em todos os lugares, tinha crescido muito. E o Luizão do Chic Show me chamou pra fazer um disco de rap, com o MC Jack e o Naldinho.
Hum- Foi quando a gente descobriu que existia uma maquininha chamada mixer. A gente não sabia como os DJs faziam. “Como é que eles fazem isso?”.
KL Jay – A gente achava que os caras é quem produziam o som. Só depois que a gente soube que eles pegavam músicas de 10, 20, 30 atrás.
Hum- Todos nós copiamos o Eazy Lee, o DJ do Kool Moe Doe, que veio para o Brasil.
Ney – Foi o que quebrou a gente. A gente nunca tinha visto um DJ fazer performance até o cara fazer os scratches com os discos do Tim Maia.
KL Jay – Com discos de música brasileira! Eu pirei! “Você mentiu-ti-ti-tiu!”. Nossa, mano! Que mágica!
Hum- Um dia, um cara me viu fazendo scratch e falou que eu tocava igual aos americanos. E me levou pra uma festa, a maior das equipes amadoras. E o cara anunciou: “Agora vamos trazer aqui o Humberto, que faz igual os americanos!” (risos). E eu fazendo a mixagem na mão, com a vitrola de madeira. E o cara: “Faz que nem os americanos, os caras tão aqui pra ver!” (risos). E neguinho achando que eu ia dançar break, jogar basquete (risos).
Ney – Quando a gente tocava no interior, o Natanael (Valença, um dos fundadores da equipe Chic Show, já falecido) chegava e falava: “Faz aquelas performances!”. E eu fazia os back-to-back, pintava e bordava… E quando desligava o toca-discos, ficava todo mundo ali parado , olhando pra minha cara.
Hum- É difícil…E show de rap? “Com vocês, Fulano de Tal!”. Podia ser quem fosse, podia estar estourado no rádio, e os caras ficavam lá, batendo o pé…
KL Jay – Virava de costas!
Hum- Isso quando o show era bom. Se fosse ruim, os caras tacavam coisas…
Ney – Aí o Natanael sacou que tinha que preparar o povo, explicando: “Ele fica repetindo a mesma frase nos dois discos…” e aí sim o pessoal gostava. Mas da segunda vez não dava mais, não tinha mais novidade. Aí quando eu voltei a fazer interior, pensei: “Vou chamar outro DJ pra tocar comigo”.
Hum- Pra fazer igual os americanos… (risos)
Ney – A primeira vez que a gente se apresentava era legal, mas da segunda vez o povo virava e “pô, esse negócio de novo?”. Aí eu pensei em fazer algo diferente, em inovar. E convidei o Humberto pra fazer back-to-back de dois…
Hum- Isso foi legal…
Ney – Eu saía e o Humberto entrava, ele saía e eu entrava… E a casa veio a baixo. Mas na segunda vez, de novo, já não valia mais a pena, porque o público não gostava. Aí levamos três e a gente corria em volta da mesa! (risos) Chegou uma hora que não tinha mais o que inventar. Eu subia na mesa e mexia com o pé, que me valeu uma dor na coluna que eu tenho até hoje…
Nutz – E não tinha aquela coisa de mexer o fader com a bunda?
Hum- Tinha. Tinha um truque que era maior embromation, mas o pessoal gostava. O cara tirava o tênis e mexia no crossfader e a galera: “‘Ó lá, o cara fez com o tênis!”. (risos)
Ney – O Ricardo Medrano falou que ia fazer com o pé, só que ele era deficiente físico. Aí no meio da apresentação, ele não me tira a perna mecânica pra fazer os scratches? (risos)
KL Jay – E ainda mostrou a bunda depois da apresentação, com o Olympia lotado.
Ney – Isso foi no segundo DMC (campeonato de DJs realizado em São Paulo entre 88 e 97). Nós três, eu, o Kléber e o Humberto, competimos nos três primeiros. O primeiro tinha só amigo da gente. Eu lembro do KL Jay ir lá na rádio que eu trabalhava e dizer que tinha um 12 polegadas do “It Takes Two”, do Robbie Bass: “Eu tenho um bagulho louco pra fazer com esse som, mas eu não tenho o outro”. Como não tem? Aí eu fui lá no case do Chic Show e roubei o álbum emprestado. E pedi: “Não coloca uma marca nesse disco, pelo amor de Deus!”. Ele fez a performance, eu devolvi o disco e até hoje ninguém sabia disso.
Hum- Houve um estudo, um aprendizado autodidata, isso no fim dos anos 80, 88, 89… A gente fazia umas audições e ficava pensando como é que os caras faziam aquilo. A gente não sabia o que era um sampler, sampleava as coisas usando fita. Até que começou o SPDJ, no Santana Samba, que foi a primeira festa feita para DJs de hip hop, direcionada para DJs.
Ney – Foi a época que eu saí da Chic Show. As equipes proibiam você de falar que músicas você tocava, se você fosse funcionário. Eu toquei a primeira música do Soul II Soul no Brasil por um ano e meio, sem que ninguém soubesse o que era…
KL Jay – Mas você foi o primeiro que tocou A Tribe Called Quest em São Paulo. O Luizão do Chic Show tocou o Princess of the Posse, da Queen Latifah, quando saiu sem falar pra ninguém o que era.
Ney – E quando você saía da equipe, você tava morto, porque os discos, os equipamentos, os contatos… Tudo era da equipe. Fora que neguinho falava que você tinha saído porque roubava. E eu que ensinei todo mundo: Duda, Eazy Nylon, Don Black… E vi uma das pessoas que montou o Chic Show, o Natanael, ser discriminado lá dentro. Aí eu entreguei os discos e saí. Eu não tinha mais como crescer ali dentro. Foi quando eu comecei a tocar nos Jardins. E o Natanael me viu saindo e tomou coragem pra sair. Foi quando começamos a tocar direto no interior, Campinas, Sorocaba, Jundiaí… E montamos o SPDJ, que era uma festa itinerante. E depois nos instalamos no Santana Samba, nas quartas-feiras, e a comunidade abraçou. As festas especiais do mês lotavam, todo mundo queria tocar, mesmos os consagrados. Eram quatro mil pessoas espremidas num cubículo, gente pendurada no exaustor.
KL Jay – Foi a época que o CD começou a se popularizar. E a maioria do pessoal abraçou o CD. Vendeu os toca-discos! Vendeu os discos! O que você via MK2 baratinho vendendo, quase dada!
Nutz – Eu comecei nessa época. O pessoal falava: “Não compra MK2!”. Isso em 92, 93… Antes tinha uma coisa até saudável, de ir todo o fim de semana na Truck’s ver os discos que tinham chegado. Comecei fazendo som em festas, na sexta, sétima série. A equipe chamava DJ Action e eu ouvia as coisas na 105. A equipe acabou e eu conhecia a galera, o centro, a São Bento, e continuei tocando. Comecei a tocar na noite ainda menor de idade.
King – Eu já acompanhava o pessoal montando som, mas só fui entrar mesmo quando vi os Racionais tocando no Tom Tom, uma casa lá em Suzano, que era onde eu morava. Fiquei só olhando o Kléber e depois comecei a seguir o cara, o Humberto, o MC Jack. Como eu morava muito longe, não peguei a São Bento no início, mas ouvia a Zymbabwe, a Black Mad… Comecei nessa época, do Santana Samba, dos shows no Projeto SP. Eu pegava trem e era uma época que eu tinha que andar com um povo, porque tinha os carecas, os white power, que davam porrada. Na época eu trabalhava no banco e conheci o Ico, que tinha um programa de rádio com o Armando Martins na Manchete, e ele vendia as fitas no banco. Foi quando eu comecei a ir nos bailes da Chic Show e ver o Eazy Nylon, o Duda, o Macarrão, o Ney… Na época eu rodava o disco na mão, pra fazer como os caras. Primeiro numa CCE de plástico, depois numa Garrard de madeira.
Hum- Aí as coisas já estavam bem populares, a cultura já era mais conhecida. E a gente montava os shows sem ter informação nenhuma, sem saber como era. A gente só entendeu quando o Public Enemy tocou no Brasil, que tinha um logo, que tinha uma produção… O show do Public Enemy marcou todo mundo.
King – Lembro que a Kazkata’s ia sortear um mixer chorus e eu escrevi 400 cartas pra ganhar (risos). E eu fui burro, devia ter xerocado, mas não, faltei na escola a semana inteira escrevendo aquelas cartas. E quando rolou o sorteio, outro cara, que escreveu 10 cartas, foi sorteado, mas ele não já tinha ido embora. O segundo nome foi o meu e eu já fui com o RG na mão…
KL Jay – Até que ficaram dois anos sem ter o DMC e eu, como todo DJ de hip hop, sabia que havia vários DJs bons e que a minha missão era revelar esses caras. Aí eu troquei uma idéia com o Xis ali no Ponto Chic: “Queria fazer um campeonato de DJs chamado Hip Hop DJ”. Eu tocava no Soweto e disse que as eliminatórias podiam ser lá. Isso já em 97. Perguntei: “Vamo fazer? Eu tou com um dinheiro aqui, você pode dar alguma coisa?”. Ele topou e fizemos. Foi o maior sucesso.
Hum- É legal porque voltou a valorizar o DJ e o vinil. Hoje tem loja, como a Porte Ilegal, que só vende vinil.
KL Jay – O mais importante é que revela muitos caras: o Cia, o próprio Nutz, o King, o Fábio Soares… E é um negócio underground. Não vai pra TV, não é divulgado como aula de DJ de drum’n’bass.
Hum- Quem não conhece a cultura hip hop, descobriu o DJ pela eletrônica. Mas os DJs de eletrônica curtem hip hop. Ninguém fala do Marky tocando na Sound Factory, na Penha, em 98. Ou o Patife abrindo a pista de eletrônica na Toco.
KL Jay – A música eletrônica é muito aceita na periferia.
Hum- Acompanha o meu raciocínio: nos anos 80, o legal era ter uma banda de rock. Já nos 90, era axé e pagode. Agora, século 21, todo mundo quer ser DJ – tem oficina, curso, informação acessível… Mas como hoje não tem mais equipe de som, o pessoal não sabe por onde começar. Tem gente que nunca pegou num disco! E esse é um dos papéis do Hip Hop DJ. O DJ está começando a ser visto não só como um artista, mas como um artista de performance, como um skatista… Mas enquanto a eletrônica tem a mídia e os patrocínios, o hip hop não consegue nada.
KL Jay – No fim a gente nem quer, porque acaba se expandindo sozinho.
King – Hoje eu tou tocando só em casa de classe alta, com ingresso a 50 e 60 reais, em Maresias. Outro dia eu toquei numa festa e quem tava do meu lado era o Chiquinho Scarpa (risos). Sem noção. Ele olhou pra mim, me viu, assim, vestido todo colorido, e isso agrediu o cara. E eu comecei a rir: “Olha onde eu tou, olha quem tá ouvindo meu som”.
Hum- Eu sempre repito uma frase que é do KL Jay – o hip hop pode ter tudo, mas não tem grupo mais unido que os DJs.
King – DJ é igual judeu (risos).
KL Jay – A gente troca idéia, cumprimenta, pergunta que som o outro tá ouvindo e tá tocando. Não tem essa entre nós, mas com os outros caras… A gente tem a mente mais aberta.
Nutz – Pra você ter uma idéia, eu tocava numa festa, mas me tiraram para o King assumir. Não deixei de freqüentar a festa por causa disso.
KL Jay – O DJ é como um disco, redondo, gira e vê todos os lados, em 360º, igual a Terra. Ele toca para 500, 1000, 5 mil pessoas ao mesmo tempo. E conversa com as pessoas, fala usando as mãos, os discos. A gente sabe ir e voltar.
Esta entrevista foi publicada em versão ultrarreduzida na primeira edição da falecida revista Volume01, que está hibernando sabe-se lá até quando. É a primeira vez que ela é publicada na íntegra.