O grupo paulistano Vitreaux está prestes a lançar seu segundo disco, Esperando na Fila, que marca sua consolidação como um conjunto criativo, uma vez que as músicas do disco de estreia foram feitas principalmente por seu líder, o guitarrista e vocalista Lucas Gonçalves, que também toca no grupo baiano Maglore. “Eu levei muita coisa pronta, o Ivan (Liberato, o outro guitarrista e vocalista) tinha acabado de entrar na banda e gravou sem saber as harmonias de algumas músicas, ficou pescando o disco inteiro – para a nossa sorte, ele é um ótimo pescador.”
Já o novo disco foi um trabalho coletivo. “Esse disco foi concebido em casa. Em 2016 estávamos morando juntos, eu, Ivan e João (Rocchetti, baixista e vocalista), todo o departamento de cordas e aí foram nascendo algumas das canções, em conjunto”, lembra Lucas. “Estávamos ouvindo muito Beto Guedes, Almendra, The Band, Clube da Esquina, Tarancón…”, continua. Completa o grupo o baterista Guib Silva. A primeira faixa do disco que sai no fim do mês, “Meia-Luz”, lançada em primeira mão no Trabalho Sujo, mostra esta nova sonoridade, distanciando-os da psicodelia do disco anterior e levando-os rumo à América que fala espanhol.
Descrita por Lucas como “uma marcha violenta, uma guarânia tocada num porão frio”, a música surgiu após o cantor e compositor sentir os ecos da ditadura militar há seis anos. “Boa parte dela foi escrita em 2014, ano que marcava os cinquenta anos do golpe militar”, lembra o líder da banda. “Assisti a um documentário sobre o João Goulart, Operação Condor, e todo aquele cinza. Pelo documentário, vi o prédio do Doi-Codi em São Paulo e coloquei na cabeça que já havia passado na frente, onde hoje funciona uma delegacia. Meio tonto, tentei despejar esse clima ruim que ficou naquele quartinho de pensão no papel, com a ajuda do violão. Aí mostrei para a banda, num ensaio no ano seguinte. Ivan não estava, pois tinha ido acompanhar uma cantora pelo Paraguai, um detalhe que só agora me veio, mas acho que contribuiu de alguma forma para o disco. Em 2016, eu fui morar com João e terminamos a música, a estrutura. Os metais foram gravados pelo Douglas Antunes, do Bixiga 70, na introdução e no final, dobrando o solo de baixo do João.”
O clima pesado e melancólico se reflete pelo disco, segundo Lucas. “A gente queria fazer um disco conectado com a nossa realidade, enquanto latino-americanos”, explica. “Tentamos recriar algumas paisagens de episódios recentes na história do Brasil e da ‘gran pátria’. Um cenário de opressão, cortinas de fumaça, torturas, omissão por parte da mídia, mas também de luta contra o massacre que vem sofrendo o povo brasileiro. Miramos no realismo a partir de uma ótica pessimista.”
O disco foi produzido por Caio Alarcon e é o primeiro lançamento da 3Works, empresa idealizada pelo saxofonista do Bixiga 70, Cuca Ferreira, ao lado de seu compadre baixista, com quem toca no grupo de jazz punk Atønito, Ro Fonseca. “Faz muito tempo que conversamos sobre como de um tempo pra cá, a principal encrenca de um artista não é mais produzir um disco, isto está cada vez mais fácil, acessível e com qualidade cada vez melhor; a encrenca agora é lançar e fazer com que sua música chegue no público”, explica Cuca. “A maioria dos selos ainda coloca muita energia na produção, e depois que o disco é lançado, fica uma sensação de ‘e agora?’. E estamos montando a 3Works a partir da estrutura da Baticum, produtora de audio do Ro. Nem estamos chamando de selo, porque a ideia também é de trabalhar em conjunto com outros selos, focando na etapa de planejamento e lançamento. A quarentena de uma certa maneira catalisou as coisas. Nos impôs um tempo que antes não tínhamos e, principalmente, uma necessidade!”
E Cuca já antecipa os próximos trabalhos: o grupo Valentin, liderado por Julia Valiengo, e a banda Corte, com quem ele divide o palco com Alzira Espíndola, com os companheiros de Bixiga Daniel Gralha e Marcelo Dworecki e o baterista Nandinho Thomaz. “Nosso critério será sempre sons que a gente gosta. Nada técnico nem racional, só emocional”, resume.
Mancha chega ao terceiro ano de seu festival com um avanço considerável: depois de dois anos cobrando ingresso para a entrada do público, em 2017 ele realiza seu Fora da Casinha gratuitamente, montando dois palcos no Largo da Batata neste sábado para apresentar mais uma safra de bandas independentes que passaram pela mítica Casa do Mancha, que completa uma década de atividade este ano, como Giovani Cidreira, Ema Stoned, Glue Trip, Tagore, Negro Leo, Bárbara Eugena e Tatá Aeroplano, entre outros. Como nas duas edições anteriores, o festival começa com a tradicional discotecagem Sussa – Tardes Trabalho Sujo deste que vos escreve (ao lado do Danilo), puxando para o tom do festival (bandas independentes brasileiras), e com o show do padrinho do festival, o mestre Maurício Pereira (os horários dos shows estão no final deste post – além de mais informações que você encontra aqui). Conversei com o Mancha sobre a edição do Fora da Casinha deste ano a seguir.
qual o principal desafio desta terceira edição do festival?
Acredito que nosso desafio desse ano é se manter eficaz na função de apontar novos nomes da música independente nacional desta vez pra um público mais heterogêneo. Até então o festival acontecia dentro de um local controlado e por mais que o público fosse amplo, existia um denominador comum a todos que se dispuseram a comprar um ingresso para ver um festival de música independente.
Agora com o festival gratuito na rua amplificamos a reverberação da nossa proposta chegando em um público que não necessariamente viria até nós. E conquistar esse público que não foi atrás de você é tão complexo quanto prazeroso. A música tem essa função de surpreender, estamos olhando pra isso com um brilho especial desta vez.
E em relação ao elenco, comente sobre os artistas que escolheu.
O Maurício Pereira é nosso padrinho, então dispensa comentários. Todos os outros artistas vem com trabalhos recentes que acabaram de sair ou estão prestes a sair. Alguns com uma caminhada mais longa que outros, mas todos passando por um momento fértil justamente para serem apresentados para esse público heterogêneo que a rua proporciona.
A programação desse ano privilegiou esse diálogo com a rua como um todo.
O festival encerra a programação de dez anos da Casinha. Fale sobre essa comemoração.
Completar uma década nessa empreitada com música já é uma vitória fabulosa. O mês de setembro foi todo dedicado a isso com shows que marcaram a história da casinha, artistas que tem uma relação super íntima e começaram junto aqui conosco. É um orgulho imenso ver todos esses frutos, bandas crescendo, publico interessado, novas bandas surgindo com vontade de tocar aqui.. tudo isso derivou de 10 anos persistência nossa e de muitas outras pessoas que caminharam juntas.
Terminar isso com o festival dessa forma, gratuito na rua, me pareceu a melhor forma de concluir um ciclo que acima de tudo está sendo enriquecedor pra todos que estão envolvidos.
Quais os próximos planos para a Casinha e para o festival no ano que vem?
Uma das coisas que 2017 me ensinou foi de controlar os planos, diminuir as expectativas e prestar mais atenção no processo. Enxergar tudo que foi feito e que já é motivo de muitas felicidades, sentir prazer nisso e no hoje, não enlouquecer com o amanhã e estar sujeito às supresas da vida. Essa lição me deixou mais leve.
Mas claro, pode ser que tudo mude num piscar de olhos. Tudo certo.
13h: Discotecagem Sussa | Trabalho Sujo
14h: Mauricio Pereira
14h40: Bárbara Eugênia + Tatá Aeroplano
15h35: Vitreaux
16h20: Giovani Cidreira
17h05: Aloizio e a Rede + Bratislava
17h50: Ema Stoned
18h30: Raça
19h10: Glue Trip
19h55: Tagore
20h40: Negro Leo