Lóki? Enorme

Pude passear neste domingo pelo fantástico IV Festival Mário de Andrade, realizado pela biblioteca municipal de mesmo nome em suas instalações e redondezas, e é sempre bom ver a rua viva acesa pela arte e cultura. E entre estandes de editoras alternativas bem específicas, leituras de poemas e textos, exposições e exibição de filmes a praça Dom José Gaspar, ao lado da Biblioteca, fervia de gente ávida por cultura – e a edição deste ano do festival tornava tudo ainda mais intenso ao se pautar pelo centenário do movimento surrealista. E entre os shows do domingo – que contavam com apresentações do grupo Rumo e do Noporn em homenagem à Liana Padilha – pude ver a versão que o quarteto Sophia Chablau & Uma Enorme Perda de Tempo fez ao lado de Vítor Araújo para o primeiro disco solo do eterno mutante Arnaldo Baptista, o cinquentenário Lóki?. A celebração começou de trás pra frente, com o disco sendo relido a partir de seu lado B, que abre com a música-tema “Cê Tá Pensando que Eu Sou Lóki?”, e o grupo desmontando a maioria das músicas originais em arranjos que misturavam elementos eletrônicos, hardcore, jazz funk e de música brasileira ao mar de baladas rock do disco de 1974. O clima frio e chuvoso do fim de semana também deu um tempo e abriu um bem-vindo sol, deixando a tarde deste domingo bem agradável, o que ajudou ainda mais a recepção da releitura feita pelo grupo paulistano ao lado do músico pernambucano.

Assista abaixo:  

Palavras num recital

Coisa séria a apresentação que reuniu Arnaldo Antunes e Vítor Araújo neste fim de semana no Sesc Pinheiros. Comemorando o lançamento da edição ao vivo do tocante Lágrimas no Mar, a dupla voltou a se encontrar num dos primeiros palcos que viu este espetáculo, trazendo algumas novidades. O fato de contar com apenas um músico e instrumentista no palco – e deste ser o prodígio erudito pernambucano – e dos dois estarem trajando ternos e gravatas pretos aumenta a tensão de recital da apresentação, fazendo o público ficar mudo e maravilhado por quase uma hora e meia, quebrando o silêncio apenas com as palmas entre as canções. O espetáculo reúne faixas de diferentes fases da carreira de Arnaldo, que ficaram conhecidas tanto em sua voz (seja na carreira solo – “Contato Imediato”, “Se Tudo Pode Acontecer”, “No Fundo” e “Alta Noite” – quanto com os Titãs – “O Pulso” e “Saia de Mim”) quanto na de outros intérpretes, como Erasmo Carlos (“Manhãs de Love”), Marisa Monte e Carminho (“Vllarejos”), Cássia Eller (“Socorro”) e Maria Bethânia (“Lua Vermelha”, parceria com Carlinhos Brown), com maior ênfase nas recentes “O Real Resiste”, “Na Barriga do Vento” e “João” e, claro, nas canções pinçadas para o registro em disco, como “Longe” (composta com Betão Aguiar e Jeneci), “Umbigo”, “A Não Ser”, “Enquanto Passa Outro” e a faixa-título, além de versões para “Fim de Festa” (de Itamar Assumpção e Naná Vasconcelos) e “Como Dois e Dois” (de Caetano Veloso, interpretada ao lado da diretora de arte do show, Márcia Xavier, que também assina as belas projeções da noite). Claro que o texto das canções ajudava a desanuviar o rigor que o ar de recital dava à noite, ainda mais pontuada pelos poemas curtos e diretos de Arnaldo (“A Boca Oca”, “Um Deus”, “O Corpo”, “Saga”, “O Mar”, “O Buraco do Espelho” e “Bacanas”) que interligavam as canções, mas a entrega de Vítor ao piano, que enfatiza o aspecto percussivo do instrumento ao mesmo tempo em que toca suas cordas por dentro ou grava loops para criar camadas de si mesmo sobre as canções (além de tocar a versão bachiana para “O Trenzinho Caipira”, de Villa Lobos, e a luz densa e implacável de Anna Turra, mantém o clima austero e sisudo na noite, mas sem nunca perder o calor.

Assista abaixo:  

Uma pequena comunidade

Que maravilha ver o Cine Joia cheiaço neste domingo para assistir ao show de lançamento do segundo disco dos Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, Música de Esquecimento. Com abertura do Jonnata Doll e os Garotos Solventes e participações do próprio Jonnata, Negro Leo, Vítor Araújo e Felipe Vaqueiro (vocalista da banda Tangolo Mangos, tocando gaita em “O Pato Vai Ao Brics”, do Leo), o show mostrou como o grupo está cada vez mais coeso musicalmente e como as músicas novas se contrapõem às antigas de forma radical, embora encarada pelo público como uma enorme saudação coletiva. Foi muito bom vê-los tocar a mesma “Idas e Vindas do Amor” que a Sophia me mostrou quando a banda ainda engatinhava cantada por um público completamente inebriado pela sensação indescritível de estar com sua banda favorita, transformando o grupo e os fãs numa pequena comunidade. Isso infelizmente foi posto à prova num incidente tenso, quando um fã subiu no palco e se atirou de cabeça no chão, sem tempo para alguém pudesse segurá-lo, fazendo-o perder os sentidos em um dos grandes momentos do show, quando tocavam “Delícia Luxúria”, do primeiro disco. E a banda, mesmo abalada (era possível ver nos rostos deles), foi precisa ao lidar com a situação: Sophia parou o show na hora, pediu para o público abrir espaço para que os médicos da casa pudessem retirá-lo e logo todos deixaram o palco avisando que dariam um tempo até saber como estava o fã. A banda voltou minutos depois com a notícia de que o enfermo estava melhor (tanto que até voltou para o público no final do show) e encerrou a apresentação tocando duas músicas além do previsto. Foi um momento crítico que podia comprometer ainda mais o show (e até a carreira do grupo), mas eles souberam lidar com a situação como muitos artistas com mais tempo de carreira talvez não soubessem, embora tenha encerrado uma apresentação que estava com a energia muito pra cima num tom acridoce. Felizmente foi só um susto.

Assista aqui:  

Os indicados a melhores do ano na APCA em 2020

A comissão de música da Associação Paulista dos Críticos de Arte, da qual faço parte, revelou nesta semana, os indicados às principais categorias da premiação neste ano. Devido ao ano estranho que atravessamos, reduzimos a quantidade de premiados, focando nas categorias Artista do Ano, Revelação, Melhor Live e Disco do Ano. Além de mim, também fazem parte da comissão Adriana de Barros (editora do site da TV Cultura e colunista do Terra), José Norberto Flesch (do canal JoseNorbertoFlesch), Marcelo Costa (Scream & Yell), Pedro Antunes (colunista do UOL e Tem um Gato na Minha Vitrola) e Roberta Martinelli (Radio Eldorado e TV Cultura). A escolha dos vencedores deve acontecer de forma virtual no dia 18 de janeiro. Eis os indicados às quatro principais categorias:

Os 5 artistas do ano
Caetano Veloso
Emicida
Luedji Luna
Mateus Aleluia
Teresa Cristina

Os 5 artistas revelação
Flora – A Emocionante Fraqueza dos Fortes
Gilsons – Várias Queixas
Guilherme Held – Corpo Nós
Jadsa e João Milet Meirelles – Taxidermia vol 1
Jup do Bairro – Corpo sem Juízo

As 5 melhores lives
Arnaldo Antunes e Vitor Araujo (03/10)
Caetano Veloso (07/08)
Emicida (10/05)
Festival Coala – Coala.VRTL 2020 (12 e 13/09)
Teresa Cristina (Todas as Noites)

Os 50 melhores discos
Àiyé – Gratitrevas
André Abujamra – Emidoinã – a Alma de Fogo
André Abujamra e John Ulhoa – ABCYÇWÖK
Arnaldo Antunes – O Real Resiste
Baco Exu do Blues – Não Tem Bacanal na Quarentena
Beto Só – Pra Toda Superquadra Ouvir
BK – O Líder Em Movimento
Bruno Capinam – Leão Alado Sem Juba
Bruno Schiavo – A vida Só Começou
Cadu Tenório – Monument for Nothing
Carabobina – Carabobina
Cícero – Cosmo
Daniela Mercury – Perfume
Deafkids – Ritos do Colapso 1 & 2
Djonga – Histórias da Minha Área
Fabiana Cozza – Dos Santos
Fernanda Takai – Será Que Você Vai Acreditar?
Fran e Chico Chico – Onde?
Giovani Cidreira e Mahau Pita – Manomago
Guilherme Held – Corpo Nós
Hiran – Galinheiro
Hot e Oreia – Crianças Selvagens
Ira! – Ira
Joana Queiroz – Tempo Sem Tempo
Jonathan Tadeu – Intermitências
Josyara e Giovani Cidreira – Estreite
Julico – Ikê Maré
Jup do Bairro – Corpo sem Juízo
Kiko Dinucci – Rastilho
Letrux – Letrux aos Prantos
Luedji Luna – Bom Mesmo É Estar Debaixo D’água
Mahmundi – Mundo Novo
Marcelo Cabral – Naunyn
Marcelo D2 – Assim Tocam Meus Tambores
Marcelo Perdido – Não Tô Aqui Pra Te Influenciar
Mateus Aleluia – Olorum
Negro Leo – Desejo de Lacrar
Orquestra Frevo do Mundo – Orquestra Frevo do Mundo
Pedro Pastoriz – Pingue-Pongue com o Abismo
Rico Dalasam – Dolores Dala Guardião do Alívio
Sepultura – Quadra
Seu Jorge & Rogê – Seu Jorge & Rogê
Silvia Machete – Rhonda
Tagua Tagua – Inteiro Metade
Tantão e os Fita – Piorou
Tatá Aeroplano – Delírios Líricos
Thiago França – KD VCS
Wado – A Beleza que Deriva do Mundo, mas a Ele Escapa
Zé Manoel – Do Meu Coração Nu

Os novos rumos de Vítor Araújo

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Recém-saído de sua temporada no Centro da Terra – Mercúrio, quando começou a transitar entre nomes da música experimental brasileira, Vítor Araújo leva seu disco Levaguiã para o palco do Sesc Pompéia nesta sexta-feira (mais informações aqui), traçando paralelos entre o álbum e o processo que atravessou durante a temporada. Pedi para ele explicar as transformações que vem passando e como elas se refletem no show desta noite:

“Já estou a 2 anos na campanha do Levaguiã, e é o primeiro trabalho onde me apresento com banda. Primeiro houve o trabalho de adaptar e recriar os arranjos que originalmente foram escritor pra orquestra de formação sinfônica, que foi árduo porém interessante. E justamente por eu vir na música erudita mas dialogar – principalmente nesse show – com o meio mais pop-alternativo, acabou que o show circulou por vários tipos de espaço diferentes. Desde festival – como o Rec-Beat e o Coma -, até teatros como o Santa Isabel, e salas de concerto como o Ibirapuera. E agora, passados esses dois anos e rodado por esses diferentes lugares onde o show acaba se comportando de maneiras muito diferentes, decidi trazer pro show alguns elementos novos.”

“Aqui, torna-se muito importante a experiência de residência artística que foi construída no Mercúrio, onde pude fazer, ao vivo, experimentos de formação instrumental, de relação entre eletrônico e orgânico e, principalmente, de redundância sonora – tendo redundância aqui uma boa conotação. Trouxe de lá a vontade de ampliar a banda gerando um jogo de redundâncias instrumentais. Por isso: duas baterias, duas guitarras, dois percussionistas. “

“E, além disso, vamos poder retomar uma coisa que foi feita no início do lançamento do Levaguiã: em vez de uma audição do disco, como geralmente é feito pelos artistas em vias de lançar um novo trabalho, eu, Raul e Bruno Giorgi fizemos uma performance numa galeria de arte aqui de São Paulo onde Bruno remixava ao vivo o disco, que estava tendo a primeira audição pelos convidados. E ele mixava quadrifônicamente, em vez do padrão estéreo de L/R. Enquanto isso, Raul também remixava num projetor as peças gráficas que ele fez pro disco, construindo uma narrativa de animação ali na hora. No show do Pompéia vamos retomar essa idéia da quadrifonia, o show vai ser mixado na hora por Bruno em 4.1, dando uma ‘visão’ mais 360graus do show.”

“Isso tudo parece entrar num contexto pessoal meu onde sinto que me aproximo cada vez mais da música experimental e do ambiente de hibridismo entre o acústico e o eletrônico. Não sei ainda onde isso vai dar, mas acho que o Mercúrio e as alterações que ele gerou agora no show do Levaguiã apontam pra isso…”

Vítor Araújo: Mercúrio

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O pianista pernambucano Vítor Araújo transformou sua temporada em julho no Segundamente do Centro da Terra em uma residência que vai além dos quatro shows de julho. Durante todas as segundas do mês, ele irá retrabalhar e remixar músicas, texturas, sons e ruídos produzidos por seus convidados – que serão anunciados no decorrer do mês – para depois transformar o processo em um disco. Concebido por Vítor e seus parceiros GG Albuquerque e Raul Luna, a temporada Mercúrio vai da música erudita à canção popular, passando pela vanguarda contemporânea e por sons aleatórios, todos conspirando em prol de uma obra que será construída em frente ao público. Nomes como Cadu Tenório, Negro Leo, M. Takara e Alada já confirmaram presença e na primeira noite Vítor recebe Ayrton Montarroyos, Aduni Guedes, Miazzo, Thiago Nassif e Sérgio Machado para começar a elaborar as matrizes desta peça musical contínua (mais informações aqui). Conversei com o Vítor sobre suas intenções nesta temporada.

Fale sobre o conceito da sua temporada no Centro da Terra.
https://soundcloud.com/trabalhosujo/vitor-araujo-mercurio-fale-sobre-o-conceito-da-sua-temporada-no-centro-da-terra

Mercúrio termina com o fim da temporada?
https://soundcloud.com/trabalhosujo/vitor-araujo-mercurio-mercurio-termina-com-o-fim-da-temporada

Qual é a graça de se assistir aos quatro shows da temporada?
https://soundcloud.com/trabalhosujo/vitor-araujo-mercurio-qual-e-a-graca-de-se-assistir-aos-quatro-shows-da-temporada

Quem mais ajudou você a compor esta temporada?
https://soundcloud.com/trabalhosujo/vitor-araujo-mercurio-quem-mais-ajudou-voce-a-compor-esta-temporada

O que você acha da possibilidade fazer uma temporada como esta no Centro da Terra?
https://soundcloud.com/trabalhosujo/vitor-araujo-mercurio-o-que-voce-acha-da-possibilidade-fazer-uma-temporada-no-centro-da-terra

Qual o maior desafio desta temporada?
https://soundcloud.com/trabalhosujo/vitor-araujo-mercurio-qual-o-maior-desafio-desta-temporada

O primeiro semestre de 2018 no Centro da Terra

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É com imensa satisfação que anuncio os donos das temporadas no Centro da Terra neste primeiro semestre de 2018: em março temos a querida Bárbara Eugenia às segundas e o grande MdM Duo dos irmãos Fernando e Mario Cappi, guitarristas do Hurtmold; em abril às segundas temos o sagaz Rico Dalasam e às terças e a forte Luedji Luna; em maio as segundas são do mestre Edgar Scandurra e as terças do voraz Guizado; em junho as segundas são da deusa Cida Moreira e as terças dos ótimos Garotas Suecas e julho tem o sensacional Vitor Araújo nas segundas e o CORTE de Alzira Espindola nas terças. O Pedro Antunes conta mais em seu blog no Estadão.

Os 75 Melhores Discos de 2016 – 44) Vítor Araújo – Levaguiã Terê

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Lá vem o modernismo.

Carnaval 8-bit

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O pródigo pianista Vitor Araújo e Chiquinho, tecladista do Mombojó, juntaram seus instrumentos para celebrar o carnaval de seus ancestrais pernambucanos, com aquele sabor retrô do começo do novo século, e inventaram o Diatron, projeto em que relembram antigos frevos tocados com timbres dos anos 80. Parece só uma piada, mas pare e preste atenção: é coisa séria. Digo, pra quem, como eu, acha que carnaval é coisa séria.

Vida Fodona #365: Se o tempo melhora

vf365

Mentalizando a vinda do sol com som.

Kendrick Lamar – “Bitch, Don’t Kill My Vibe”
Alt-J – “Breezeblocks”
Frank Ocean – “Lost”
Poolside – “Harvest Moon”
Of Montreal – “Jan Doesn’t Like It”
Lucas Santtana – “Jogos Madrugais”
Letuce – “Insoniazinha”
Kika – “Sai da Frente”
Curumin – “Treme Terra”
Sambanzo – “Capadócia”
Siba – “Brisa”
Hurtmold – “Cleptociprose”
Goat – “Disco Fever”
Vítor Araújo – “Baião”
Metá Metá – “São Jorge”
Swans – “Lunacy”
Thiago Pethit – “Haunted Love”
Fujiya & Miyagi – “Your Silent Face”
Toro y Moi – “High Living”

Vai rolar.