Verequete é o Rei
Quando estive em Belém na semana retrasada, trouxe uma pequena amostra de um forte tempero local depois de fazer compras na histórica loja de Ná Figueiredo: o disco Verequete é o Rei, lançado pelo próprio Ná, no ano passado. A abrangência dos domínios de sua coroa do cidadão do título se restringem ao território do carimbó, gênero afro-indígena que surgiu no litoral da ilha do Marajó e contagiou toda aquela região há mais de um século. Parente do samba, do blues, do rhythm’n’blues, do forró e do baião, o carimbó é o gênero-base de boa parte da música paraense – de sua natureza rítmica ao canto quase falado, de uma certa melancolia disfarçada a um gosto natural pela festa. Como seus parentes, o carimbó é bem-humorado e sacana, malemolente e sensível, bad boy e brincalhão.
Acontece que o Elvis do carimbó é outra eminência parda – Pinduca, cujo nome tornou-se nacional quando Eliana Pittman gravou “A Dança do Carimbó” há um par de décadas. Contemporâneo de Verequete, Pinduca foi quem teve a sacada de transformar o formato em gênero radiofônico, traduzindo a batida dos tambores para a bateria e trocando o banjo por guitarra, além de acrescer sax e baixo elétrico. Tirou o carimbó do terreiro e o levou para as massas. Muitos disseram que ele havia “traído o movimento”. Poizé – até o carimbó tem dessas.
Verequete. não. Rústico por falta de opção e posteriormente estética, ele rege os tambores com sua voz peculiar e conduz o ritmo como quem toca gado. Se Pinduca é o Elvis, Verequete (olha ele aqui em vídeo, mais de 90 anos!) é uma mistura de Johnny Cash, Jerry Lee Lewis e Chuck Berry, jóias brutas, sem lapidação. Uma pena é saber que o sujeito que é um dos mestres da cultura local – e brasileira, sem exagero – dorme no chão num colchão de espuma e depende da ajuda de uma farmácia que lhe dá uma “bolsa higiene” mensal para, literalmente, uma lenda-viva.
A passagem por Belém foi frutífera, se der outro dia eu conto aqui.