“Vazou”

, por Alexandre Matias

Quando o assunto é diversão, manipular expectativa pode ser a chave do jogo

Engraçado notar a ironia de muitos à medida em que as imagens ainda não vistas da sexta temporada começaram a “vazar” na internet. Coloco as aspas por puro preciosismo – é óbvio que o que apareceu online não veio de outro lugar se não de uma brecha aberta pela própria produção. Até parece que uma série como Lost não tem contratos e mais contratos de confidencialidade assinados por todos envolvidos (ABS a eles), para evitar justamente que uma ou outra cena apareça antes da produção ser autorizada. Pois a questão dos “vazamentos” deixou de ser só algo que tange a segurança como o próprio elemento de marketing. E quem mais pode “vazar” o conteúdo senão quem está diretamente envolvido no processo? Quer descobrir quem “vazou” o disco novo do fulano ou aquele filme que está para sair? É relativamente fácil – e inevitavelmente terminará com alguém da “indústria” (ou do “sistema”) arrumando uma cópia para alguém “de fora” (ou “pirata”).

Foi um dos motivos do Radiohead ter dado um cavalo de pau na percepção social do que é a música – e, no fim das contas, a cultura – no século 21 ao “vazar” seu próprio disco, em In Rainbows. Pior: “autovazar”, meses antes do “lançamento” do disco oficial, físico, cuja data foi marcada para o primeiro dia de 2008 quase como uma troça, como se dissessem “para vocês que não consideram o download como sendo oficial, In Rainbows é um disco de 2008”.

As pistas sobre o controle do “vazamento” do que já se viu da sexta temporada de Lost – primeiro, de alguns minutos; depois, de toda a primeira hora do episódio duplo desta terça – são evidentes. No primeiro caso, os quatro minutos do primeiro episódio foram liberados para fãs da série que se cadastraram em uma promoção no site da emissora ABC. A produção do seriado não só apenas entregou o pequeno trecho num pendrive, como fez com que ele viesse numa garrafa de vidro, feito uma mensagem de náufrago. O kit (veja abaixo, as fotos vieram daqui) ainda tinha uma mensagem de fato, que trazia escrita apenas a frase “nada é irreversível”.

Já a primeira hora “vazada”, além de alardeada com muito entusiasmo, foi registrada de um ótimo ângulo em uma câmera que não se mexia e de forma a não ter nenhum problema em registrar tudo que foi exibido na praia no Havaí, sábado passado. Detalhe sórdido: em alguns momentos cruciais do episódio – principalmente em cenas com diálogos -, uma sirene de ambulância era disparada quase que de forma aleatória, como se estivesse sendo ligada apenas para tapar os tais diálogos. Esfregando em nossa cara que, sim, aquilo fazia parte da estratégia de lançamento da nova temporada.

Os próprios criadores admiram isso em uma entrevista recente ao site IGN:

Regarding the footage that was leaked today, were you shocked it got out there, or was it that this was the right time for people to see those first few minutes?
Lindelof: [Chuckles] I mean, they were on a flash drive in a bottle that ABC sent out, so it’s one thing to call it a leak and it’s another thing to reach over and turn on the faucet. They’ve been great. When Carlton and I basically said, “We don’t want any material from the final season to get out in advance of the premiere,” they were enormously willing to play ball. But when we said we wanted to do sunset on the beach in Hawaii, and that we’d be showing the first hour of the show on Saturday, it didn’t seem fair to the people who weren’t actually going to be here to give them nothing. So this is the compromise we came up with.
Cuse: We didn’t want, basically, stuff to become stale. So we felt like three or four days ahead of the premiere, for there to be some hint as to what’s going to happen in Season 6 is exciting for the audience, as opposed to if they’d been pounded for four months with images of Season 6. It wouldn’t be so fun.

Por isso, volto a usar o verbo vazar sem as aspas. É lógico que tudo que aparecer sem querer querendo na internet parou ali graças a alguém envolvido no processo. O grande barato é a forma como é possível manipular esta expectativa e fazer o entretenimento voltar a ser divertido de novo – em vez de simplesmente correto, como vem sendo.

Tags: